MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DE DECISÕES EM SEDE DE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DO DIREITO COMPARADO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Na análise da evolução do controle de constitucionalidade das normas, observa-se que o legislador constituinte nacional inseriu, no ano de 1965, paralelo ao já existente controle incidental de normas, o controle abstrato de normas perante o Supremo Tribunal Federal, para aferição da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Naquele contexto, por diversas razões, o direito de propositura da ação foi conferido exclusivamente ao Procurador-Geral da República. Quando da promulgação da Constituição de 1988, houve uma ampliação significativa dos mecanismos de proteção judicial, e assim também do controle de constitucionalidade das leis. Se o acirrado debate que se estabeleceu após 1965, em sede doutrinária, acerca da exclusividade da ação por parte do Procurador-Geral da República não foi o suficiente para acarretar uma modificação no entendimento jurisprudencial consolidado acerca do tema, é notória a constatação de que ele foi crucial para a mudança introduzida através do legislador constituinte de 1988, com o importante aumento do rol de legitimados para propositura da ação direta (CF, art. 103). Tais escolhas reforçam a noção de que, com esta abrangente legitimação e o deferimento do direito de propositura a diversas instituições representantes de uma sociedade plural, aspirou o legislador constituinte transformar o controle abstrato de normas no mais importante mecanismo de correção do ordenamento jurídico. Dessa forma, atenuando o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, pretendeu tal legislador tratar as maiores e mais relevantes discussões constitucionais no âmbito do controle abstrato de normas. É exatamente isso o que vem mostrando a experiência constitucional posterior à Constituição de 1988. Seguindo tendência no direito comparado, é notório o advento da Lei n. 9.868/99, apta a firmar relevantes modificações na técnica de decisão de controle de constitucionalidade brasileiro. Certamente a mais expressiva modificação está no bojo de seu artigo 27. Eis o seu teor: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Diante de tal dispositivo, fica claro e manifesto o fato de que o legislador deliberou propositadamente no sentido de optar por um recurso diferente da pura e simples teoria das nulidades, que corresponde à tradição brasileira. Desse modo, essa possibilidade de modulação dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade da lei autoriza o Supremo Tribunal Federal a fazer uma análise específica de cada caso, mensurando as consequências da determinação de efeitos ex tunc Tomando-se em conta a recente aplicação do instituto na experiência brasileira, observa-se que a jurisprudência acerca do tema é ainda incipiente, reclamando, assim, parâmetros para a delimitação do âmbito de aplicação da técnica. É cabível e urgente, então, a análise das possibilidades de decisão que estão abertas para o Supremo Tribunal Federal no exercício do controle de constitucionalidade das leis. 2 DIREITO COMPARADO O propósito desta análise é considerar o uso da modulação temporal dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade na experiência estrangeira, fazendo uso de uma breve análise histórica. O desejo principal é que seja possível descortinar de maneira comparativa a prática de determinados sistemas jurídicos orientadamente elegidos para tal intento. Tal intento diz respeito à tentativa de se buscar balizas na experiência alienígena para se tentar traçar os limites e contornos da aplicação do instituto da modulação no direito brasileiro. 2.1 EUA O controle jurisdicional como o conhecemos hoje é fruto do gênio americano, “sendo fruto de uma feliz reflexão acerca da supremacia da Constituição sobre as leis ordinárias” . Ensina Laurence H. Tribe que as bases do controle de constitucionalidade norte-americana estavam assentadas sobre os dois alicerces firmados pelo Chief Justice John Marshall. Marshall, assentando que a Constituição era a lei fundamental do País, e não meramente uma declaração de intenções políticas, considerou que a Constituição era um tipo de lei que os tribunais identificariam e aplicariam . No célebre caso “Marbury vs. Madison”, Marshall arrematou que a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma não poderia ter eficácia prospectiva, pois tal fato importaria em aceitar que uma lei que contrariou a Constituição produziu em algum momento efeitos válidos. Em outras palavras, durante certo período de tempo a norma infraconstitucional se sobrepôs à Constituição, haja vista ter contrariado seus preceitos e permanecido impune . Assim, a inconstitucionalidade é a expressão da existência de um vício capital, ínsito à lei defeituosa, o qual exige do Judiciário seja declarada a invalidez do ato impugnado . Acerca da decisão de Marshall, assevera Paulo Bonavides: Sustentava ele então a irrefutável tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz (null and void and of no effect) . Não obstante, tomado como importante ferramenta do viés ativista da Suprema Corte, a partir da década de 1960, o emprego dos efeitos prospectivo começou a se difundir notadamente nos casos criminais. Neste contexto, relacionado ao caso Mapp vs. Ohio, é de relevo o caso Linkletter vs. Walker, quando a Suprema Corte deliberou que a Constituição nem proíbe e nem determina o efeito retroativo e, casuisticamente, deve ser definido se se aplica o efeito retroativo ou o prospectivo. Em 19.06.1961, a Suprema Corte, em decisão tomada em Mapp vs. Ohio, 367 U.S. 643, contrariando o julgamento da instância inferior , assentou que a “regra de exclusão” - fundada na Quarta Emenda da Constituição -, que proíbe o uso de provas obtidas por meios ilegais nas Cortes federais, deveria ser estendida também às Cortes estaduais. A decisão provocou muita controvérsia, mas os defensores da “regra de exclusão” sustentavam constituir esta a única forma de garantir que provas obtidas ilicitamente não fossem utilizadas . Em 11.03.1965, a “Suprema Corte americana admitiu o certiorari requerido por Linkletter, restrito à questão de saber se deveria, ou não, aplicar efeito retroativo à decisão proferida no caso Mapp” . Em tal julgamento, um condenado pelo crime de simple burglary na Corte de Louisiana impetrou habeas corpus, desejando um novo julgamento com fundamento na decisão do caso Mapp vs. Ohio. Em 07.06.1965, a Suprema Corte decidiu o caso Linkletter vs. Walker, 381 U.S. 618, postulando, quanto àqueles casos que tiveram o julgamento final antes da decisão proferida no caso Mapp, no sentido contrário à aplicação retroativa da “regra de exclusão” estabelecida neste caso. Fundamentando o indeferimento do efeito retroativo, a Suprema Corte, asseverou que: “Uma vez aceita a premissa de que não somos requeridos e nem proibidos de aplicar uma decisão retroativamente, devemos então sopesar os méritos e deméritos em cada caso, analisando o histórico anterior da norma em questão, seu objetivo e efeito, e se a operação retrospectiva irá adiantar ou retardar sua operação. Acreditamos que essa abordagem é particularmente correta com referência às proibições da 4a. Emenda, no que concerne às buscas e apreensões desarrazoadas. Ao invés de ‘depreciar’ a Emenda devemos aplicar a sabedoria do Justice Holmes que dizia que ‘na vida da lei não existe lógica: o que há é experiência’. ” Em acréscimo: “A conduta imprópria da polícia, anterior à decisão em Mapp, já ocorreu e não será corrigida pela soltura dos prisioneiros envolvidos. Nem sequer dará harmonia ao delicado relacionamento estadual-federal que discutimos como parte do objetivo de Mapp. Finalmente, a invasão de privacidade nos lares das vítimas e seus efeitos não podem ser revertidos. A reparação chegou muito tarde.” Em resumo, os primordiais arremates do caso Linkletter vs. Walker são os seguintes, em tradução livre: (a) O efeito de uma decisão subsequente de invalidade sobre os julgamentos anteriores, quando atacados de maneira colateral, não leva à invalidade automática retroativa, mas depende de considerações sobre as relações e condutas particulares, ou direitos reivindicados como adquiridos do que de determinações anteriores que seriam presumidas com certa finalidade, bem como política pública à luz da natureza do ato normativo e sua prévia aplicação. [...]. (b) Nenhuma distinção é estabelecida entre lide civil e criminal. (c) A Constituição nem proíbe e tampouco requer efeito retroativo e em cada caso a Corte determina se é apropriada a aplicação retroativa ou prospectiva. Essa abordagem é particularmente correta com referência aos ditames desarrazoados de busca e apreensão vedados pela Quarta Emenda. (d) O propósito principal de Mapp v. Ohio foi a execução (enforcement) da Quarta Emenda pela inclusão da regra de exclusão (exclusionary rule) dentro dos seus direitos, e tal propósito não deveria ser avançado a ponto de tornar a regra retroativa. (e) A data da apreensão no caso Mapp (que precedeu o presente caso) não tem significado legal; a data crucial é a data do julgamento no caso Mapp que modificou a regra. Registre-se, por relevante, as dissidências levantadas pelo Justice Black, acompanhadas pelo Justice Douglas, que asseverou que a regra de exclusão estabelecida no precedente Mapp vs. Ohio deveriam se aplicar ao Requerente, sob pena de tratamento discriminatório em relação a duas situações semelhantes e separadas no tempo por um breve período, pouco maior que um ano. Posteriormente, após o julgamento de outros casos – na maior parte das vezes de índole criminal – com tal questão , a orientação que por fim predominou na Suprema Corte, com relação aos casos diretamente pendentes de revisão (cases pending on direct review) , foi no sentido da retroatividade, de modo que uma nova regra para a conduta nas persecuções penais deveria ser aplicada com efeitos retroativos para todos os casos, estaduais ou federais. No que se refere aos casos criminais pendentes de revisão colateral nos tribunais federais das condenações das cortes estaduais (cases pending on colateral review), a orientação que predominou foi no sentido da prospectividade, de modo que uma nova regra, decidida em tempo posterior à condenação definitiva do réu, não deve ser aplicada. A exceção ficaria por conta das lides não criminais e quando se reconhecesse um direito procedimental fundamental - sem o qual a confiança em uma condenação justa ficaria gravemente comprometida. Projetado esse quadro inicial, cabe o deslocamento da análise da evolução jurisprudencial da questão referente ao efeito prospectivo da área criminal para a área civil, notadamente tributária. Registre-se, desde logo, que, depois de muitas disputas iniciais, prevaleceu a regra da plena retroatividade em matéria tributária. Neste contexto, merece menção o caso McKesson Corp. vs. Div. of AB & T, 496 U.S. 18 (1990) decidido em 04.06.1990. Em interessante decisão que levou também em consideração a repercussão econômica do tributo, relata Eduardo Appio: Em data recente, a Suprema Corte foi chamada a decidir acerca da constitucionalidade de um tributo criado na Flórida. Tendo declarado a inconstitucionalidade da lei na qual se amparava a cobrança do tributo, conferiu efeitos retroativos ao julgamento (McKesson v. Florida - 1990). Afirmou que o Estado-membro responsável pela criação do tributo (inconstitucional) tinha o dever de conceder algum tipo de reparação em favor dos contribuintes que pagaram o tributo de modo indevido, por força da interpretação da cláusula do devido processo legal (due processo of law), rejeitando o argumento do Estado da Flórida de que a negativa de conceder a devolução do que já havia sido pago era uma medida equitativa, pois o autor da ação já havia repassado aos seus clientes o custo do tributo cobrado (indevidamente). Aplicou-se o entendimento de que é válida a lei vigente quando do julgamento da causa e não quando da prática do ato (recolhimento dos tributos) . Outro caso que merece menção é Harper et al. vs. Virginia Department of Taxation 509 U.S. 86 (1993) . A Suprema Corte assentou na ementa deste jugado que: Quando o Tribunal aplica uma regra de lei federal para as partes, tal regra é controle da interpretação do direito federal, o qual deve ser atribuído efeito retroativo pleno em todos os casos ainda pendentes e em todos os eventos, independentemente de serem anteriores ou posteriores a tal decisão; [...] a natureza da revisão judicial atribui ao Tribunal a prerrogativa essencialmente legislativa de estabelecer regras de direito retroativas ou prospectivas, como permite verificar que a aplicação seletiva de regras novas viola o princípio de tratamento semelhante para partes em situação semelhante; [...] a Corte proíbe a construção de barreiras de seleção temporal para a aplicação do direito federal nos casos não criminais . Ademais, ficou acertado que, nas hipóteses nas quais a Suprema Corte não indicar expressamente os efeitos temporais de sua decisão, ela deve ser concebida como seguindo a regra geral da retroatividade. Quanto a este caso, Eduardo Appio sintetiza que: Em matéria tributária, após diversas discussões acerca da chamada eficácia prospectiva seletiva das decisões em controle difuso, a Suprema Corte se inclinou em favor da plena retroatividade (Harper v. Virginia Department of Taxation - 1993) sob o argumento de que deveria conceder igual tratamento aos contribuintes. Em matéria tributária a concessão de efeitos prospectivo sempre sofreu uma dura resistência na Suprema Corte, tendo prevalecido a tese da plena retroatividade . 2.2 Alemanha Os precedentes que serão considerados aqui remontam a duas célebres decisões “onde o TCF interpretou sistematicamente a Grundgesetz e a sua Lei Orgânica (BVerfGG)”. Cabe a referência feita por Leonardo Martins de que Decisões mais recentes, porém, cuja precursora fora a decisão abaixo (BVerfGE 21, 12) criaram aquelas que pela literatura especializada foram chamadas de “variantes de decisão”. Estas acabaram por relativizar, sobretudo, o efeito da nulidade que passou a ser, ainda que a principal, somente uma das quatro variantes existentes” . Pouco depois de iniciadas as atividades do Tribunal Constitucional Federal, em decisão tomada em 23.10.1951, em sede de controle abstrato de lei que redefinia fronteiras entre os Estados da República Federal da Alemanha, inclusive com a criação de novos Estados, tal Corte assentou o entendimento de que tal lei era inconstitucional, fulminando-a sob a pecha da nulidade . O primeiro aspecto que deve ser ressaltado de tal decisão diz respeito a sua capacidade de vincular todos os órgãos constitucionais da União: Uma decisão que declara uma lei nula não tem apenas força de lei (§ 31 II BVerfGG), como também vincula, nos termos do § 31 I BVerfGG, conjuntamente com os fundamentos da decisão, todos os órgãos constitucionais da União, de tal sorte que uma lei federal de mesmo teor não possa ser promulgada novamente . Um segundo aspecto – e muito mais relevante para o objeto em estudo - diz respeito aos efeitos temporais desta decisão: Se o Tribunal Constitucional Federal constatar que uma lei promulgada após a entrada em vigor da Grundgesetz é nula por causa de sua incompatibilidade com a Grundgesetz, tal lei não tem, desde o início (ex tunc), eficácia jurídica. Em 20.12.1966, o Tribunal se deparou com reclamações diretas contra lei tributária que fixava alíquota sobre faturamento final e também contra decisões judiciais que, segundo alegavam os reclamantes, prejudicavam pequenas empresas de uma fase de produção em relação a grandes empresas de várias fases de produção . Para além da questão do direito material, importa mencionar que, apesar de enternecer-se com a argumentação posta, a Corte julgou improcedentes tais reclamações, “por entender que a declaração de nulidade causaria dano muito maior ao interesse público e, em última instancia, aos próprios contribuintes” . Embora o Tribunal houvesse feito menção a uma situação de “injustiça tributária”, apelando para o Legislador, decidiu que A falta de neutralidade em face de condições de igual concorrência da lei vigente do imposto sobre vendas, quando trata das empresas “de uma fase de produção” e “de várias fases de produção”, deve ser tolerada até o término da reforma do imposto sobre vendas já iniciada e que deve ser anunciada em tempo hábil pelo legislador . Diante das circunstâncias fáticas até então presentes, decidiu o Tribunal Constitucional Federal de forma a considera a lei ainda constitucional: “Se a lei do imposto sobre vendas mantiver sua atual forma incompleta, estando o faturamento externo de empresas de uma faixa e de várias faixas equiparado de forma inflexível, sua validade deve ser limitada no tempo” . Cabe mencionar novamente que dessas duas decisões derivou, no âmbito do Tribunal Constitucional Federal, todo a doutrina dos efeitos temporais da decisão oriunda do controle de constitucionalidade. Dessa forma, o Tribunal Constitucional Federal, valendo-se de sua autonomia, desenvolveu outros tipos de decisão, com efeitos diversos. Assim, ao lado da possível declaração de nulidade, encontramos a declaração de “mera incompatibilidade” com a Grundgesetz de uma norma inconstitucional, a declaração de “norma ainda constitucional” e a decisão pela “interpretação conforme a Constituição” . 2.3 Portugal A Constituição portuguesa possui dispositivo específico que dispõe acerca dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, sendo o teor do artigo 282º da Constituição da República Portuguesa o seguinte: 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. 4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2. Referindo-se a nº 4, J.J. Gomes Canotilho observa que: Trata-se de uma norma de particular importância, pois, ao permitir-se ao TC a ‘manipulação’ dos efeitos das sentenças de declaração de inconstitucionalidade, abre-se-lhe a possibilidade de exercer poderes tendencialmente normativos. O Tribunal Constitucional tem aproveitado (de forma excessiva) esta possibilidade expressamente conferida pela constituição, restringindo os efeitos normais da inconstitucionalidade . Acerca da controvérsia quanto a aplicação de tal dispositivo no âmbito da fiscalização concreta, assevera Canotilho que: Esta competência do Tribunal Constitucional está expressamente prevista para a fiscalização abstracta sucessiva, sendo questionável que ela possa exercer-se nos processos de fiscalização concreta . Importa destacar que tal artigo, em seu nº 3, permite ao Tribunal Constitucional ressalvar os casos julgados, que podem ser afastados em situações específicas e bem delimitadas. Em interpretação extensiva, é interessante transcrever o elucidativo ensino de Canotilho: Não é líquido que a Constituição tenha considerado como limite à retroactividade da declaração de inconstitucionalidade apenas o caso julgado [...] Pode também entender-se que os limites à retroactividade se encontram na definitiva consolidação de situações, actos, relações, negócios a que se referia a norma declarada inconstitucional. Se as questões de facto ou de direito regulados pela norma julgada inconstitucional se encontram definitivamente encerradas porque sobre elas incidiu caso julgado judicial, porque se perdeu um direito por prescrição ou caducidade, porque o acto se tomou inimpugnável, porque a relação se extinguiu com o cumprimento da obrigação, então a dedução de inconstitucionalidade, com a conseqüente nulidade ipso jure, não perturba, através da sua eficácia retroactiva, esta vasta gama de situações ou relações consolidadas. Em relação aos casos pendentes, observa Canotilho: O mesmo já não se verifica relativamente a relações ou situações ainda abertas (por ex.: ainda a discutir em tribunal, ainda não consolidados por qualquer decurso do prazo) e às quais se pode ainda aplicar, com efeitos úteis, a norma declarada inconstitucional. Nestas hipóteses é claro o efeito da declaração de inconstitucionalidade: ela impede a sua aplicação e neutraliza os efeitos jurídicos que dela poderiam resultar . Com a intenção de esclarecer a diferença entre o efeito normal da declaração de inconstitucionalidade e o efeito de alcance mais restrito, Canotilho constrói o seguinte quadro esquemático: o primeiro relaciona-se aos efeitos retroativos (ex tunc) previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 282, à nulidade total e aos efeitos repristinatórios; em contraste, o segundo relaciona-se aos efeitos pro futuro, considerados como sinônimos de efeitos ex nunc, à nulidade parcial e aos efeitos não repristinatórios . De J. J. Almeida Lopes, cuja obra reúne diversos acórdãos do Tribunal Constitucional de Portugal, destacamos os seguintes jugados em matéria tributária: XI – Nos termos do artigo 282º da Constituição , a declaração do despacho referido em IV só produz efeitos a partir da publicação deste acordão (para evitar uma espécie de enriquecimento sem causa por parte dos subsistemas de saúde), e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do despacho referido em VIII são restringidos por forma que não haja lugar à restituição das taxas pagas até à mesma publicação (pela conveniência de evitar qualquer perturbação financeira ou no bom funcionamento dos serviços) – Acórdão 92/85 XVI – Por razões de interesse público – e considerando muito em particular a perturbação que adviria para os serviços autárquicos se estes tivessem de restituir toda a ‘tarifa de saneamento’ entretanto cobrada dos contribuintes -, entende o Tribunal Constitucional deve fazer uso da faculdade contida no nº 4 do artigo 282º da Constituição, especificando que os efeitos derivados da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas da Deliberação nº 17/CM/85, com ressalva, no entanto, dos contribuintes que ainda não houveram pago a tarifa, só haverão de produzir-se, e com valência ex nunc, a partir da data da publicação do presente aresto no jornal oficial – Acordão 76/88 XLII – Tendo a maior parte das normas consideradas inconstitucionais directa incidência financeira ou orçamental, razões de segurança jurídica aconselham a que o Tribunal Constitucional proceda, ao abrigo do disposto no artigo 282º, nº 4, da Constituição, a uma limitação, de ordem categorial, dos efeitos de tal declaração, de modo a evitar que as operações financeiras ou orçamentais entretanto levadas a cabo, no quadro dos preceitos inconstitucionais, venham subitamente a deixar de ter suporte legal – Acordão 267/88 3 CONCLUSÃO Como se pode ver, a modulação temporal dos efeitos da decisão em sede de controle de constitucionalidade não é insólita e, como se observou, tampouco é original do direito brasileiro. No direito estrangeiro, alguns países já dispuseram sobre a possibilidade de aplicação do instituto, seja prevendo-o em sede constitucional, seja em sede infraconstitucional, seja em sede jurisprudencial. No Brasil, mesmo antes da Lei 9.868/99, alguma mitigação do dogma da nulidade da lei inconstitucional, em hipóteses singulares, já vinha sendo admitido . Assim, a própria experiência pretérita brasileira e a experiência estrangeira devem servir para a construção dos limites de aplicação do instituto da modulação na jurisdição constitucional pátria. 4 REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. J. Constituição da República Portuguesa. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2005. APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos, uniformização de jurisprudência e coisa julgada, Curitiba: Juruá, 2008. BARROSO, Luís Roberto. Parecer: Mudança da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. Segurança jurídica e modulação dos efeitos temporais das decisões judiciais. Revista de Direto do Estado. Rio de janeiro: Renovar, ano 1, nº 2, abr-jun 2006. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law, 2. Ed. New York: The Foundation Press, 1988. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Efeitos da Inconstitucionalidade da Lei. In Direito Público, nº 8, abril/junho, 2005. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2006. DALLAZEM, Dalton Luiz. O postulado da nulidade da lei inconstitucional – Temperança. In Repertório de Jurisprudência IOB, nº 11/2002 – Caderno 1. LIMA, Christina Aires Corrêa. O Princípio da Nulidade das Leis Inconstitucionais, UnB, 2000. MARTIN, Leonardo (org.), Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Montevidéo: Konrad Adenauer, 2005. SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Disponível em: < http://www.supremecourt.gov/>