MODOS DE SER E DE ESCREVER

É importante que as pessoas sejam diferentes no modo de pensar e de agir e principalmente no modo de expressar seus pensamentos; que suscitem sentimentos antagônicos em relação ao que são, ao que fazem, ao modo como se comportam em sociedade ou fora dela e sejam criticadas naquilo que exteriorizam.Isto lhes dá o direito e a oportunidade de discorrerem sobre certas coisas, que, de outro modo, continuariam inexpressas ou desconhecidas.

O mundo está demasiadamente cheio de malandrices, de chatices, de mesmices, de imitações baratas, de aplausos a nulidades e claques ao compasso de quaisquer imbecilidades em forma de ritmo; e também atulhado de leis absurdas, muitas das quais protegem e dão liberdade aos malandros e a outros indivíduos metidos a besta.

Chegamos ao absurdo da instituição e imposição goela abaixo das chamadas 'oficinas literárias' onde aqueles que se consideram ou são considerados "mestres" nisto ou naquilo e não sabem coisa nenhuma e não fazem mais do que copiar ou imitar, julgam e querem ministrar aulas de forma e de conteúdo, ensinando, na sua opinião e por aferição a modelos, o que seja um conto, uma crônica, uma novela, um romance e uma poesia -- como se a arte literária, o talento e a criatividade intelectuais obedecessem a padrões e fossem ensináveis, e o seu maior juiz não fosse o próprio leitor, que afinal é também o seu principal consumidor e maior beneficiário!

Por outro lado não é incomum numa entrevista formularem estas perguntas imbecis: "O que levou você a escrever?" "Como é que você escreve?""Quais são seus hábitos?""O que faz fora da literatura?" "A que horas costuma deitar e levantar?" "A que horas costuma escrever?""Que vestuário você usa para escrever? ""Escreve sentado ou em pé?".

Algumas respostas poderiam ser respectivamente: "Não sei." "Não me lembro". "Da forma que posso." "Meus hábitos são noturnos"."Não tenho horário." "Bebo"."Transo"."Roubo." "Vagabundeio". "Não faço nada." "Quando me dá na telha.""Escrevo pelado.""Fazendo piruetas".

Pois saibam que ninguém é perfeito ou serve de modelo: Voltaire escrevia mesmo pelado e Vitor Hugo em pé; o escritor brasileiro Lima Barreto e o poeta norte-americano Edgar Alan Poe eram alcoólatras; Bocage, o maior poeta da língua portuguesa, foi invejado por seus confrades da Nova Arcádia e por vingança destes perseguido pela inquisição portuguesa que o acusou de loucura e o internou a força num hospício; Franz Kafka era um sujeito tímido e estressado e viveu recluso em si mesmo durante grande parte de sua vida; Graciliano Ramos e Frederico Nietzsche eram pessoas arredias e paranóicas; Honoré de Balzac viveu atormentado por doenças e dívidas e morreu prematuramente em função disso; o grande Machado de Assis nunca freqüentou uma escola em sua vida e se alfabetizou sozinho vindo a ser o fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras; o irreverente dramaturgo Plínio Marcos, de camiseta de física, vendia seus livros na porta dos teatros em São Paulo; a sensível escritora negra Carolina Maria de Jesus era uma humilde e semi-analfabeta catadora de papéis de um subúrbio paulista; o poeta francês François Villon era ladrão e chefe de quadrilha. E muitos outros foram destrambelhados da cuca.

Quer dizer, todos eles foram seres humanos, curtiram suas vicissitudes, viveram como puderam e a seu modo escreveram.

(Luciano Machado)