DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco,1986. Capítulo 7 - O modo de navegação social: a malandragem e o "jeitinho".


Conforme DaMatta, nós brasileiros vivemos uma realidade ambígua, em que, existe a desordem (carnaval), que nos permite o excesso, como também, a fuga das regras, temos a ordem, que exige a disciplina e a obediência às leis, gerando desta forma, uma dificuldade na compreensão de uma norma universal e sua aplicabilidade. A consequência disso nos leva a aprender que há sempre um jeito de satisfazer nossas vontades.
Segundo sua tese lançada no livro: "Carnavais, malandros e heróis", temos um dilema, que consiste na existência do indivíduo (incutido de leis universais, sujeito que moderniza a sociedade) e a pessoa (usuário de um sistema de relações sociais pessoais, sujeito do pólo tradicional), ocorrendo assim, um combate entre leis que devem ser gerais. O resultado foi um sistema social dividido e equilibrado, mo meio de ambos, a malandragem, o jeitinho e famoso "sabe com quem está falando?". Seriam modos de enfrentar essas contradições e paradoxos, de modo tipicamente brasileiro. Também há essa mediação na lei, tornando-a desmoralizada.
No terceiro parágrafo, ele exemplificou situações, que nos fazem encontrar modos, para solucionar nossos problemas, como diante de um "proibido estacionar!", "proibido fumar!" e até a famosa "fila quilométrica", enfim, as dificuldades do nosso cotidiano.
Através de uma comparação entre o Brasil e os países: Estados Unidos, França e Inglaterra, o autor demonstra que nestas sociedades, há uma coerência entre a regra jurídica e as práticas da vida diária, o que nos deixa confundidos e, ao mesmo tempo fascinados ao ver a obediência desses povos, em relação às leis universais, e isso acaba sendo traduzido em termos de: civilização, disciplina, educação e ordem. Repassando aos cidadãos dessas nações, a confiança que tanto sentimos falta. Aqui perdemos o prazer e desmanchamos os nossos projetos.
Devido a esses fatores, DaMatta diz que é por isso, que conseguimos descobrir e aperfeiçoar modos, um jeito, um estilo de navegação social, pois passa sempre nas entrelinhas do "não pode!". Também é pelo fato de termos um sistema legal dividido, que nem sempre condiz com a nossa realidade.
No sexto parágrafo, o mesmo começa a conceituar o "jeito", sendo um modo e um estilo de realizar as coisas, um simpático, desesperado ou humano de relacionar o impessoal com o pessoal, pacífico; e até legítimo de resolver tais problemas, provocando essa junção inteiramente causística da lei, com a pessoa que a está utilizando. Para exemplificar esse processo, o autor cita três atos, que consistem na relação da pessoa humilde, com superioridade do servidor público e este, com o "sabe com que está falando?". No primeiro ato, ele fala da hierarquização das posições sociais, em que a pessoa ignorada por sua aparência, não é atendida com respeito pelo funcionário público. No segundo, cria-se um impasse, porque o atendente complica as coisas e começa a falar das penalidades legais que o usuário pode sofrer. Após isso, o autor explica a posição do servidor e o valor social do solicitante. Dando continuidade, no terceiro ato, ele fala da questão do "pode" e do "não pode" dito pelo funcionário.
Numa breve comparação de países igualitários e o Brasil, DaMatta percebeu a grande diferença que há para resolver as coisas, visto que, no nosso caso, sempre encontramos um "jeito". Desta forma, como busca de uma resolução satisfatória ou menos injusta, tenta-se conciliar-se todos os interesses, para isso, busca-se uma relação aceitável e até mesmo banal (relação pessoal, regional, gosto, religião e outros fatores em comum).
Na relação entre a autoridade e o servidor, ele explica que não há busca de uma igualdade simpática, pois o "jeitinho" dessa vez é provindo do "sabe com quem está falando?" Desta forma, tem-se uma hierarquização inapelável, entre o usuário e o atendente. Ele diz, que existe um modo harmonioso de resolver a disputa e outro conflituoso, um tanto direto de realizar a mesma coisa. Há sempre outra autoridade, ainda mais alta a quem se poderá recorrer.
A outra forma de navegação social dita pelo autor é a Malandragem, um profissional do "jeitinho" e da arte de sobreviver nas situações mais difíceis, figura que possui um relacionamento complexo e criativo, entre o talento pessoal e as leis. Cria artifícios pessoais que nada mais são que modos engenhosos de tirar partido de certas situações (a venda de um bilhete premiado da loteria) como exemplo. Porém, existe a figura do despachante, com o seu oposto social, esse especialista entra em contato com as repartições oficiais, para obtenção de documentos. Ele é um mediador entre a lei e uma pessoa, pois deve guiar seus clientes, fazendo com que eles sigam o caminho certo, seria uma espécie de padrinho das classes baixas.
No desfecho desse capítulo, DaMata fala das diversas formas de navegação social, que nós brasileiros acabamos por fazer, já que seria uma forma ou estilo de conciliar ordens impossíveis de serem cumpridas com situações específicas. Mencionou que há grandes tipos de malandragens e como bom exemplo, citou Pedro Malasartes, incluindo nesse meio, até o famoso Pero Vaz de Caminha, quando escreveu a sua carta histórica do descobrimento, caracterizando-a como fundadora do nosso modo de ser.
Podemos perceber com a leitura de DAMATTA, como somos pobres coitados, por tentarmos fugir dessa contradição. Infelizmente, ainda temos esse "defeito" que Roberto DaMatta indaga tão criticamente, que nos faz dar sempre aquele jeitinho pra tudo, sujando a nossa imagem a cada passo errado". O autor não dá o devido valor às questões histórico-sociais de cada povo analisado, em especial, o Brasil.