Modernidade e sua nova forma de organização social. E a interferência desta no indivíduo
Fernanda de Oliveira Maia
Esta reflexão ao analisar a época estabelecida como Modernidade visa à percepção da influência social na construção do indivíduo. É neste período que surge a Psicologia como uma necessidade social na tentativa de "ajustar" o indivíduo dentro do formato social. Assim como toda época possui características próprias, a Modernidade pode ser descrita como um período em que o sujeito é visto como possuidor de uma subjetividade totalmente individualista, atingindo seu apogeu durante o século XIX. A Modernidade tem como modo de produção predominante o capitalismo, e juntamente com este o racionalismo e o consumismo se fazem presentes, transformando valores e criando novos sentimentos como o ressentimento, por exemplo, quando Deus, deixa de ser o centro do mundo, e o homem passa à assumir este lugar, do qual tem como resultado, a interiorização da moral e na emergência da consciência. Essas, entre outras questões, caracterizam a época de que estamos falando.
A modernidade é marcada por um novo modo de subjetivação. Segundo Mancebo (2002, p. 2), "[...] o homem, na sua constituição mais íntima, é o centro e fundamento do mundo". Assim sendo, começa a pensar e conseqüentemente a agir primeiramente em seu benefício próprio, passando a se ver como um ser individual e não mais apenas social, um dos fatores, que estabelece o inicio, de um processo de constituição da subjetividade individualista na sociedade moderna. Cria-se assim certa interioridade que abre caminho para uma nova experiência de si mesmo, o homem passa a sentir que há algo vazio dentro de si e ao mesmo tempo sente a necessidade de preencher este espaço, no entanto, acaba buscando tal suprimento apenas, nos bens materiais, passando a se preocupar mais com o ter do que o próprio ser.
Vários fatores influenciam nesta questão de subjetividade individualista que foi se instalando e ainda instala-se de forma muitas vezes tão sutil que chega a ser imperceptível pelo homem, tais como: O Renascimento (séc. XV - XVII), marcado pela idéia de renascer do humanismo clássico, se constituindo como reação ao domínio da Igreja, pois se antes, na Idade Média, o homem se preocupava com a salvação e colocava Deus acima de tudo, agora, na era renascentista, ele volta a se preocupar consigo mesmo, ganhando cada vez mais centralidade. A consolidação do capitalismo como modo de produção com seu ideário de liberdade e igualdade também influencia na individualização do ser. A Reforma Protestante de Martinho Lutero teria sido um outro marco na consolidação da Modernidade que possibilitou a construção da solidão interna, pregando a idéia de que entre o homem e Deus não deveria haver tantos intermediários, apresentando uma relação mais direta, que não dependeria muito da Igreja, mas apenas caberia ao individuo a salvação de sua alma. (MANCEBO, 2002).
Outros aspectos importantes teriam sido a Revolução Científica e o Reducionismo Cartesiano, do qual afirma-se que a verdade estaria no objeto, sendo que ao analisar o objeto o indivíduo, por ser auto consciente, teria uma opinião neutra, desconsiderando nesta análise a influência de seus sentimentos, emoções e história de vida. Segundo Mancebo (2002, pg. 3) "[...] um sujeito autoconsciente e com total domínio da própria vontade [...] ". E por fim o Liberalismo com seu ideal de possibilitar que todos alcançassem o mais alto nível de prosperidade de acordo com seu próprio potencial (em razão de seus valores, atividades e conhecimentos).
É entre estes acontecimentos que nasce uma nova forma de organização social, onde agora o Estado Nacional é quem passa a organizar toda uma nação, buscando garantir direitos naturais pautando-se na filosofia do Direito Nacional, resultando na construção de uma nova estrutura social, que acaba por estabelecer certo distanciamento entre o público e o privado, uma garantia de que os direitos e a liberdade individuais seriam resguardados. A esfera da vida pública limitava-se a comportamentos racionais e civilizados, já a privada, garantia a liberdade individual livre de interferências alheias, sendo um dos fatores responsáveis pela formação da subjetividade individualizada.
Dessa forma Mancebo destaca:
[...] o indivíduo é apenas um dos modos de subjetivação possíveis e que cada época, cada sociedade põe em funcionamento alguns desses modos, sendo a categoria "indivíduo", o modo hegemônico de organização da subjetividade da modernidade (MANCEBO, 2002, p. 02).

Esta individualidade acaba por contribuir de forma significante para um outro marco da modernidade, o surgimento de um novo sentimento, o ressentimento. Na medida em que o homem começa a se preocupar cada vez mais consigo (com o individual) ele começa a atribuir a ele mesmo a responsabilidade de suas ações consideradas "erradas" pelo fato de ir em oposição à moral da época, que seriam os valores estabelecidos pela Igreja e a chamada moral dos bons costumes. Assim, a consciência passa a ser a maior aliada desta moral cristã, ou seja, a partir do momento que o indivíduo não age de acordo como a maioria da sociedade sente-se culpado, ressentido (ELSIRIK & TREVISAN, 2008).
Sendo assim, a Psicologia nasce como uma possibilidade de interferência no individual dentro do social, do qual tem como objetivo moldar o sujeito de forma com que este se encaixe na sociedade da melhor maneira possível, evitando e ao mesmo tempo prevenindo conflitos internos que possam vir a ocorrer com o passar do tempo, como resultado desta ligação mútua entre o indivíduo e o meio social.
Segundo Figueiredo (2002), esta nova Ciência dentro de um contexto social, esta intimamente ligada a três importantes movimentos: o liberalismo, o romantismo e o regime disciplinar. A relação entre esses, tanto as afinidades quanto oposições seriam o território onde os processos de subjetivação se firmam.
A partir desta análise, é possível a compreensão de que o individual está inevitavelmente atrelado ao social. Do qual este acaba por ser influenciado de forma direta e conseqüentemente tendo sua subjetividade modificada pelo social de acordo com a época em que está inserido. A subjetivação individualista, neste caso, é resultado da Modernidade.

O Poder disciplinar, o surgimento das prisões e o nascimento das Ciências Humanas dentro deste contexto.

Sendo o individuo fruto de sua época, Michel Foucault ao estudar o sujeito moderno, se depara com um tipo de sociedade disciplinar. A modernidade seria cenário, da predominância de um novo tipo de poder, o disciplinar, que reforçaria o modo de produção capitalista, ao ligar o homem ao aparelho de produção.
Este poder é chamado por Foucault, de panóptico, que seria uma estrutura, que possui o formato arquitetônica circular, com a função de vigiar o maior número de indivíduos possível, sem que eles saibam se há alguém ou não os vigiando, tornando-se um poder exercido sobre o indivíduo em forma de vigilância individual e contínua. "Para o panoptismo a vigilância não é sobre o que se faz, mas no que é. Não do que se faz, mas do que se pode fazer" (FOCAULT, 2003, p. 104).
Fazendo parte de uma sociedade capitalista, o indivíduo acaba por ser educado e de certa forma moldado dentro desta visão. Aprendendo desde muito pequeno através de um processo de disciplina a obedecer a regras e cumprir normas, sendo que quando adulto, acaba por já possuir esta idéia internalizada, tornando-se algo invisível aos próprios olhos, transformando-se, e gerando indivíduos cada vez mais alienados.
O poder disciplinar estaria presente no funcionamento quotidiano de todas as Instituições que enquadram a vida e os corpos dos indivíduos, tendo como função principal encarregar-se de seu tempo, transformando-o em trabalho (FOUCAULT, 2003).
[...] sob a forma destas Instituições aparentemente de proteção e de segurança se estabelece mecanismo pelo qual o tempo inteiro da existência humana é posto à disposição de um mercado de trabalho e das exigências do trabalho (FOUCAULT, 2003, p.118).

Além de seqüestrar o tempo e o corpo do indivíduo, estas Instituições, teriam outras funções como, a criação de um novo poder disciplinar, polimorfo, sendo este complexo e constituído através de diversas outras formas de poder como: o econômico, o político, o judiciário e o epistemológico, este último seria uma forma de poder-saber, do qual tem como objetivo extrair dos indivíduos um saber, e ao mesmo tempo, extrair um saber sobre estes mesmos indivíduos, que são submetidos a um olhar vigilante (FOUCAULT, 2003).

Este poder, instala-se de maneira muito sutil, ao olhar do indivíduo, por utilizar técnicas simples como: a vigilância hierárquica que apenas vigia, a sansão normalizadora, que pune ou recompensa com a função de normalizar, e o exame que seria a combinação destas duas técnicas para a extração de um saber. Sendo assim, a base desta forma de poder disciplinar, seria o vigiar, antes de ser necessário punir (FOCAULT, 2003).
Como controle de punição, surge as prisões, que seriam uma forma de corrigir o sujeito infrator.
O objetivo destas Instituições seria o de "formatar" o indivíduo, do qual a principal preocupação não seria a de como o sujeito sente-se, se culpado ou não, por infligir uma ou mais leis, mas o interesse estaria em que, uma vez permanecendo naquele local isolado socialmente, este aprenderia e não o faria novamente.
Na Modernidade vê-se o indivíduo dentro de uma sociedade do qual é vigiado o tempo todo, seguindo-se regras, normas, horários, metas. Mas o sujeito, não o percebe como um poder de controle, por ser essa disciplina invisível ao homem, este a percebe como meras obrigações da vida cotidiana e não como uma forma de correção. Menos insignificante ainda quando comparado, a estas Instituições denominadas de prisões, pelo fato de acreditar-se que basta estar do lado de fora destas, para ser considerado um sujeito livre (FOCAULT, 2003).
O poder disciplinador existe, mas foi naturalizado, fazendo parte do dia-a-dia, ao vigiar e conseqüentemente punir ou recompensar, todos os atos, mesmo que não se tome consciência deste.
Segundo Foucault (2003), assim como, o poder disciplinar, outros saberes também surgem das Instituições. Sendo assim, o nascimento das Ciências Humanas dá-se como resultado desta "normalização" dentro das Instituições, derivada de um mecanismo de disciplina específico, o exame, que tem como função vigiar e consequentemente determinar o que seria o "normal", através da qualificação, classificação e punição.
Os indivíduos acabam por ser moldados por este poder disciplinar, e o sujeito que se encontra fora desta formação, passa a ser rotulado como portador de uma patologia, ou seja, objeto das Ciências Humanas. Considerando que este objeto, seria exatamente, o indivíduo que esta acima ou abaixo do que é considerado, o "normal" pela maioria, aqueles que ao serem analisados não estariam na rotulada "média", que é determinada de acordo com a moral e o modo de organização de cada época. Sendo a Modernidade o espaço e o tempo, pelo qual se firmam e desenvolvem-se as chamadas Ciências Humanas.





















Referências:
ELSIRIK, Marisa F. e TREVISAN, Juliano F. A invenção do ressentimento no século XIX e os desejos da Psicologia Social no séc. XXI. Psicologia : Ciência e Profissão. Brasília, v. 28, n.1, p. 04 ? 17. 2008.
FIGUEIREDO, Luíz Cláudio Mendonça. A invenção do psicológico : quatro séculos de subjetivação (1500 - 1900) / 5. Ed. ? São Paulo : Educ: Escuta, 2002.
MANCEBO, Deise. Modernidade e produção de subjetividades:breve percurso histórico. Psicologia: Ciência e Profissão. Brasília, v. 22, n. 1, p.100 ? 111. 2002.
FOUCAULT,Michel. A verdade e as formas jurídicas/ Michel Foucault, (tradução Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, supervisão final do texto Léa Porto de Abreu Novais...et AL. J.) ? Rio de Janeiro: NAU Editora, 2003, 160p.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete, Petrópolis, Vozes, 1987. 288 p.