MODELOS DE ESTUDO DIGITALIZADOS EM PERÍCIAS: IMPLICAÇÕES ÉTICAS E LEGAIS

 

 

BOTELHO, Maria Aparecida Rodrigues. Ortodontista (UNESP - Araçatuba) e Odontolegista (USP - São Paulo). Discente de Direito (UNIFEV - Votuporanga).

 RESUMO

Diante da necessidade inexorável de incorporação de novas tecnologias ao cotidiano da prática da perícia odontológica, o presente trabalho procurou considerar a contribuição da digitalização dos modelos de estudo para a especialidade de Odontologia Legal e suas possíveis implicações éticas e legais. Através de pesquisa bibliográfica e documental de referências em Odontologia, buscou-se rever o que histórica e tecnicamente se apresentava em relação às técnicas de reprodução e armazenamento digitais dos modelos de estudo; e no Direito Brasileiro, referências sobre a legalidade dos documentos eletrônicos. No presente trabalho, buscou-se conhecer a evolução dos métodos de reprodução e armazenagem dos modelos de estudo, sua contribuição para a Odontologia Legal, assim como as possíveis implicações éticas e legais deste novo método de registro Odontolegal, à luz da atual legislação e do Código de Ética Odontológica.

Palavras-Chave: DIGITALIZAÇÃO. MODELOS. ESTUDO. ÉTICA. LEGALIDADE. ODONTOLOGIA LEGAL.

ABSTRACT

Given the inexorable necessity of incorporating new technologies into the daily practice of dentistry expertise, this study sought to consider the contribution of digitization of study models for the specialty of Forensic Dentistry and its possible ethical and legal implications. Through literature research and document references in dentistry, we sought to review what is historically and technically presented in relation to reproduction techniques and storage of digital study models, and the Brazilian Law, references to the legality of electronic documents. The present study aimed to investigate the evolution of methods of reproduction and storage of study models, their contribution to forensic dentistry, as well as potential ethical and legal implications of this new method of forensic dental record, in the light of current legislation and Dental Code of Ethics.


Keywords: SCAN. MODELS. STUDY. ETHICS. LEGALITY. FORENSIC DENTISTRY.

1. INTRODUÇÃO

 

A Odontologia Legal é definida como: “especialidade odontológica que tem como objetivo a pesquisa de fenômenos psíquicos, físicos, químicos e biológicos que podem atingir ou ter atingido o homem, vivo, morto ou ossada, e mesmo fragmentos ou vestígios, resultando lesões parciais ou totais reversíveis ou irreversíveis”. (Brasil. CFO. Resolução 63/2005).

Considerada como uma das Ciências Forenses,a Odontologia Legal busca através de uma série de exames de coleta e cotejo de dados, objetivando a eficácia da perícia. Os dados anteriores e posteriores ao fato lesivo são analisados comparativamente, portanto é suma importância que estes apresentem boa definição, durabilidade e inalterabilidade, permitindo a possibilidade de análises futuras, afinal são meios de prova.

Devido ao avanço tecnológico, novas mídias de armazenamento para a documentação odontolegal tornaram-se atrativas ao meio científico, pois facilitaram o armazenamento e intercâmbio de informações entre profissionais distantes. Dentre os exames que compõem a documentação odontolegal, destacamos e concentramos nossa pesquisa nos modelos de estudo confeccionados em gesso. Estes apresentam características particulares e sérias limitações como: grande volume (requerendo grandes áreas para estoque) e friáveis (risco de quebras e perdas do registro), necessitando de cuidados e locais apropriados para sua armazenagem.

Portanto, devido à necessidade de boa conservação dos meios de prova e superação das limitações inerentes ao material de confecção dos modelos de estudo, propôs-se a revisar a literatura científica e documental, no âmbito da Odontologia, com o intuito de mostrar os métodos de reprodução e armazenamento digitais dos modelos de estudo e suas possíveis implicações éticas. E no âmbito do Direito Brasileiro conhecer a possibilidade de atribuição de validade jurídica a estes documentos, que constituem uma nova forma de registro Odontolegal.

1.1. Imagens como meio de prova

 

"A imagem é portadora, entre outros poderes do de tornar presente o ausente. A imagem pois, tem o poder de legitimar." (Martin,  1993)

A imagem original é considerada como a imagem em seu suporte nativo, ou seja, na mídia onde inicialmente foi gravada. O laudo impresso é um documento estático, e o fato de termos uma prova em vídeo impossibilita de colocarmos o original nesse documento, entretanto podemos digitalizar o mesmo e extrair o quadro que melhor ilustra a tal prova (COSTA, 2007).

Entretanto, considerando a natureza dos equipamentos e programas de computador, sabe-se que podem ser manipulados e modificados, fato que deixa um documento odontolegal desprotegido quanto a sua validade jurídica. Segundo Nery Júnior e Nery (1997), as imagens digitais (fotografias ou radiografias) podem ser mais facilmente alteráveis do que as processadas em película. Mas, identificam-se facilmente as adulterações grosseiras com ampliação das imagens. As adulterações mais perfeitas demandam maior tempo de construção e podem ser identificadas por perícia técnica. Em caso de repúdio, a perícia será ordenada pelo juiz (BRASIL, 1973).

1.2. Modelos de estudo

A acepção da palavra modelo é a representação em escala, de um objeto real. Assim, os modelos de estudo destinados à Ortodontia, em princípio, devem representar em escala real, os arcos dentários.

Figura 1 – Imagens de modelos de estudo para Ortodontia (arquivo do consultório – Maria Aparecida Rodrigues Botelho CD)

Marcel (2001) relatou uma alternativa digital para a representação 3D dos modelos de estudo, através do “computeraided design” (CAD). O programa descrito, OrthoCAD, é um sistema de computador patenteado (Cadent, Inc, Fairview, NJ) que reproduz digitalmente os modelos dentários. Então, os usuários podem armazenar, consultar, diagnosticar e transmitir informações dos seus casos eletronicamente.

 

1.3. Aspectos Legais

Castro (2002) examinou duas correntes jurídicas, considerando-se a materialidade do documento: uma delas sustenta a impossibilidade jurídica do documento eletrônico e a outra, admite a validade do documento eletrônico. Esta última desdobra-se em duas vertentes: admite o documento eletrônico como realidade jurídica válida por si e a que admite o documento eletrônico com o atendimento a certos requisitos, dada a sua volatilidade e a ausência de traço personalíssimo de seu autor. Observou ainda que a crescente utilização e aceitação jurídica do documento eletrônico, exige técnicas que garantam sua segurança, seja qual for a sua aplicação.                           

Simões e Pedrazas (2005) analisaram o Código de Ética Odontológica (BRASIL, 2003) na sua versão anterior, o Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) e o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) e observaram que muitos profissionais desavisados pensam que as imagens digitais perdem sua validade jurídica por serem manipuláveis. Mas, de acordo com o Art. 332 do Código de Processo Civil, a não exclusão da imagem digital pela lei, a considera legítima. Ainda no Código do Processo Civil, no Art. 429, considerando a imagem digital, uma forma de registro e não estando expressamente vedadas e podendo ser incluídas em “outras peças”, é admitido seu uso nos tribunais. Os autores concluíram que: a) as fotografias e imagens convencionais têm seu valor legal bem estabelecido, e em virtude da inexistência de leis específicas que invalidem o valor da imagem digital; b) observar os cuidados com a exposição inadequada de imagem do paciente sem sua prévia autorização, para não incorrer em infrações éticas e c) o arquivamento das imagens em pastas ou arquivos de computador são formas legalmente aceitas.

1.4. Documentos digitais

           

"Obviamente, não se pode confundir o sentido técnico-jurídico de uma expressão com o seu significado gramatical. Todavia, é altamente aconselhável iniciar uma análise jurídica a partir do significado gramatical. Afinal, a linguagem é o instrumento básico do Direito."  (PARENTONI, 2004)

Gandini, Salomão e Jacob (2002) nos apresentam de maneira clara e objetiva: Documento eletrônico é aquele "que se encontra memorizado em forma digital, não perceptível para os seres humanos senão mediante intermediação de um computador. Nada mais do que a sequência de bits, que, por meio de um programa computacional, mostrar-nos-á um fato".

Gico Júnior (2000) cita: em sentido amplo (lato sensu), documento é: "(...) é qualquer base de conhecimento, fixada materialmente e disposta de maneira que se possa utilizá-la para extrair cognição do que está registrado”. E em sentido estritamente jurídico (stricto sensu): “... a peça escrita ou gráfica que exprime algo de valor jurídico para estabelecer, instruir ou provar o que se alegou no processo pelas partes em lide".

Código do Processo Civil

Art. 332 - Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Art. 429- Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudocom plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças.

1.5. Direito à imagem

"A imagem consiste na representação gráfica da figura humana, podendo ser estática ou móvel, bidimensional ou tridimensional, de pessoa viva ou pessoa morta; não se restringindo à fisionomia da pessoa, compreendendo qualquer parte do seu corpo." (SAMANIEGO, 1991)

Observando a legislação brasileira, no que tange o assunto imagem, transcreve alguns trechos, sob a ótica da Constituição Federal (BRASIL, 1988) onde se observa a proteção da imagem de forma expressa e efetiva:

Art. 5.ºTodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

D’Azevedo (2000) nos ensina que o direito à imagem não pode ser dissociado de seu titular, portanto é inalienável e intransmissível, mas não é indisponível. Esta é a grande característica do direito à imagem, o indivíduo pode explorar a própria imagem (BRASIL, 2002; BRASIL, 1973).

O célere progresso tecnológico dos meios de comunicação (facilidade na captura, reprodução e transmissão de imagens em segundos para todas as partes do mundo), destacou o direito à imagem, dentre os direitos da personalidade, e assim, graças ao contexto publicitário, foi agregado à imagem um valor econômico expressivo. Entretanto, existem limitações impostas, restringindo o exercício do direito à própria imagem. Estas exceções são baseadas nos interesses públicos e culturais, o direito à informação, a presença do indivíduo em local público, desde que não atinjam a honra ou a respeitabilidade do indivíduo. Ao titular, pertence o consentimento, no uso de sua própria imagem. Uma vez autorizado o uso da imagem, cessa qualquer direito de pretender a indenização prevista pela lei (D’AZEVEDO, 2000).

Paula (2005) observa que crianças e adolescentes, no tocante à dignidade como pessoa humana, possuem particular proteção ao seu direito à imagem, citando o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

1.6. Aspectos éticos

"Do sentimento à intenção, da decisão à ação, a consciência moral emerge balizada nos valores concernentes ao bem, a busca da felicidade. O campo ético é, por excelência o conteúdo de valores para a conquista do bem, trabalhada pelo sujeito ético ou moral (a pessoa)." (MARCOS, 1999)

O código de ética é definido como um conjunto de normas que, por força de Lei, determinam quais são os direitos e deveres de um grupo profissional em relação às suas atribuições e responsabilidades, apresentando os princípios fundamentais e os direitos, responsabilidades e deveres dos que exercem determinada atividade (OGUISSO; SCHMIDT, 1999).

Apesar de chamarem-se códigos de ética, tanto o pertinente á Odontologia, quanto aos de outras profissões, não possuem normas dispositivas, ou seja, que permitem optar por seu cumprimento ou não. Os códigos de ética são legislações que tendem a estabelecer, de modo taxativo, padrões de conduta a serem seguidos pelos profissionais (SAALES et al.,2007).

Segundo Simões e Pedrazas (2005), o Código de Ética Odontológica (2003), não faz menção sobre o fato de poder ou não fazer fotografias do paciente. Se considerarmos a imagem do paciente sigilosa, pode ser considerada infração ética a revelação da imagem odontológica (fotográfica ou radiológica), sem justa causa. E não considera infração ética de quebra de sigilo profissional, a declinação do tratamento empreendido, quando da necessidade do CD defender seus interesses legítimos perante os tribunais.

CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA

CAPÍTULO VI - DO SIGILO PROFISSIONAL

Art. 14 – Constitui infração ética:

III - fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir paciente, sua imagem ouqualquer outro elemento que o identifique, em qualquer meio de comunicação ou sobqualquer pretexto, salvo seo cirurgião-dentista estiver no exercício da docência ou em publicações científicas, nosquais, a autorização do paciente ou seu responsável legal, lhe permite a exibição da imagemou prontuários com finalidade didático-acadêmicas.

Parágrafo Único. Compreende-se como justa causa, principalmente:

I - notificação compulsória de doença;

II - colaboração com a justiça nos casos previstos em lei;

III - perícia odontológica nos seus exatos limites;

IV - estrita defesa de interesse legítimo dos profissionais inscritos; e,

V - revelação de fato sigiloso ao responsável pelo incapaz.

CAPÍTULO VII - DOS DOCUMENTOS ODONTOLÓGICOS

Art. 17. É obrigatória a elaboração e a manutenção de forma legível e atualizada deprontuário e a sua conservação em arquivo próprio seja de forma física ou digital.

Parágrafo Único. Os profissionais da Odontologia deverão manter no prontuário os dadosclínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, emordemcronológica com data, hora, nome, assinatura e número de registro do cirurgião-dentista noConselho Regional de Odontologia.

A transmissão de informações via Internet, é uma das principais ferramentas utilizadas pelos imaginologistas, seja no aperfeiçoamento do conhecimento ou na telerradiologia. Para tanto, há de se ter sempre o cuidado necessário de preservar o sigilo médico das imagens transmitidas, o consentimento do paciente e observadas as implicações médico-legais, através de sistemas tecnológicos de segurança avançados (FENELON, 2003).

 

 

2.     DISCUSSÃO

A utilização da imagem é tão notória nas Ciências, que o seu estudo adquiriu alto grau de importância, tornando-se, na área biológica, uma das especialidades médico-odontológicas – a Imaginologia.

O conceito de imagem é abrangente, e foi descrito por Góes (1996), didaticamente assim: gráfica (figuras, estátuas), ótica (espelhos, projeções), perceptiva (dados dos sentidos, aparências), mental (sonhos, memórias, ideias) e verbal (metáforas, descrição).

Esta necessidade da imagem para a estruturação do pensamento em figuras, desenhos, remota a Antiguidade, com a filosofia de Platão.

Nossa viagem pela História, leva-nos a conhecer que em todas as épocas, a imagem esteve fortemente ligada à vida humana, sendo a principal característica da sua identidade cultural.        

De fato, toda a nossa cultura é essencialmente uma cultura de imagem, somos absolutamente dependentes do visual. O olho ajuíza a nossa relação com o mundo.

Muito embora os meios quantitativos de pesquisa científica tenham sido valorizados até os anos oitenta como prova da veracidade das afirmações, segundo Gomes (2003), discordamos do autor, afinal o papel da imagem é decisivo para a comunicação.

Fato é que a fotografia vem sendo amplamente utilizada nas Ciências, aceita como prova fática e jurídica nos Tribunais. Além do rigor científico exigido das fotografias de pacientes, há de se ter todo o cuidado na guarda e sigilo destes registros, afinal constituem documentos legais e, portanto podem figurar como prova jurídica em processos judiciais.

A prova, no transcorrer do tempo, teve sua representatividade na palavra empenhada e nos gestos representativos da vontade, mas só ganhou o “status” de prova jurídica quando alcançou o suporte material do papel, constituindo o marco da separação entre prova escrita e oral.

O volume das documentações odontológicas, adquirido ao longo de vários anos de trabalho, demanda espaços cada vez maiores para a guarda e implica em custos ao CD, fato este, incitou os pesquisadores à busca de uma solução para a melhor conservação, preservação e diminuição do dano de manuseio destes documentos.

Inicialmente, atenção especial foi dada aos modelos de gesso, já que dentre todos os exames complementares que compõem a documentação, são os que demandam maiores espaços para armazenamento e que sofrem maiores danos decorrentes do constante manuseio.

A documentação odontolegal, atendendo às exigências legais, deve apresentar características de durabilidade e inalterabilidade, tendo em vista o longo período de tempo de guarda. Mediante a informação sobre a exigência legal do tempo de guarda dos prontuários, esclarece que: a) de acordo com o antigo Código Civil Brasileiro (1916) exigia-se a guarda dos prontuários por vinte anos, mas com o Novo Código Civil Brasileiro (2002), este prazo foi alterado para três anos; b) o Código de Defesa do Consumidor estabelece o prazo de cinco anos; c) de acordo com o Código Processual Penal Brasileiro (1941), este prazo continua em vinte anos; d) segundo o Conselho Federal de Medicina, CFM 1.639/2002, “Art. 4 – Estabelece prazo mínimo de vinte anos a partir do último registro, para a preservação do prontuário médico em suporte de papel”. Assim, o entendimento é de que a guarda destes documentos seja por prazo indeterminado em qualquer tipo de suporte.

Documento eletrônico, documento digital ou documento digitalizado, são algumas das denominações para todo documento armazenado eletronicamente, tendo como diferença básica com o documento tradicional, em suporte papel, a sua forma de materialização.

Transportando o mesmo raciocínio para a Odontologia, pode-se pensar no documento digital como a representação de toda imagem que a tela do computador nos apresenta de um arquivo: uma ficha de anotações clínicas, a ficha de anamnese, fotos para acompanhamento de tratamento, imagens tridimensionais de modelos de gesso, etc.

Nitidez dos detalhes, precisão das medidas comparadas aos modelos originais, facilidade, segurança e rapidez na consulta de arquivos digitais ou digitalizados, somadas à durabilidade deste formato (mídia), são as características que tornaram o método atrativo aos profissionais da Odontologia.

Alguns programas para digitalização (CAD) dos modelos de estudo também foram criados e desenvolvidos, sendo amplamente utilizados em todo o mundo. O mais conhecido e difundido, e que mais referências encontramos na literatura científica, é o OrthoCAD.

A comunidade científica mais tecnicista voltou seus estudos e pesquisas destes novos programas, para a comparação entre as medidas originais do modelo e as medidas do modelo virtual. Comparadas, conferidas e confirmadas, as pesquisas ampliaram sua investigação para a área jurídica, afinal o mundo caminha para uma verdade irrefutável: a era digital.

O uso de arquivos digitais será maior a cada dia que passa. Sendo assim, é naturalmente compreensível que os avanços tecnológicos precedam as leis.

Nas sociedades globalizadas, os documentos eletrônicos transitam com agilidade em segundos de um lado a outro do planeta e é natural a preocupação quanto à autenticidade e segurança.

Concorda com Gandini, Salomão e Jacob (2002), analisando que esta discussão gravita entre dois aspectos distintos: criação de novas tecnologias em informática, capazes de gravar documentos em seu formato original garantindo a inalterabilidade dos mesmos e a reformulação das leis, na busca pelo amparo legal e igualitário, tanto da documentação tradicional quanto da digital.

Os mecanismos da informática podem conceder integridade, autenticidade e tempestividade, cumprindo as funções fundamentais dos documentos tradicionais: identificativa, integridade e probatória.

A validade jurídica dos documentos digitais depende da sua segurança, portanto a lei deve regulamentar tais mecanismos.Atualmente, os documentos eletrônicos podem atender as funções fundamentais dos documentos tradicionais, pelo uso de assinatura digital, assim quando ocorrerem adulterações,serão detectáveis através de perícias.

Portanto, discorda de Almeida et al. (2004), quando exemplificam que a fotografia e a escrita podem passar por perícia, mas que simplesmente o documento digital não tem aceitação jurídica, porque pode ser facilmente adulterado.

Concorda com Nery Júnior e Nery (1997). Realmente, as imagens digitais, sejam radiografias ou fotografias, podem ser mais facilmente alteráveis do que os processos antigos em película, entretanto, as modificações grosseiras são facilmente identificáveis por ampliação das imagens, enquanto que modificações mais perfeitas podem ser reconhecidas em exame pericial.

Após o desenvolvimento tecnológico de sistemas de segurança para garantir a autenticidade dos documentos digitais, tem o mesmo entender de Costa (2007), quando comenta que o uso do “hash” (assinatura digital) garante maior confiabilidade a estes documentos. As imagens podem ser feitas em formato “raw” (cru) permanecendo em seu estado original e sem possibilidades de alterações.

Em Direito, como apresenta Castro (2002), existem duas correntes jurídicas: uma defende a impossibilidade jurídica do documento eletrônico e a outra defende a sua validade.

A corrente que defende a sua validade subdivide-se em duas vertentes: a realidade do documento eletrônico é válida por si e a segunda, com a qual concordamos, de que somada às características da primeira deve-se atender a certos requisitos de segurança. Em atendimento a estes requisitos, surge a criptografia.

No ano de 2012, o Governo Brasileiro regulamentou a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos. Sua principal função é “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações seguras”.

Para garantir a autenticidade, usa-se a criptografia como método para o reconhecimento da autenticidade de um documento digital (certificado digital) como o reconhecimento de firma que é realizado em cartório de notas.

 A identificação e cadastramento do usuário são feitos por uma entidade oficial Brasileira, chamada AR (Autoridade Certificadora). A chamada chave é o “Token” (espécie de cartão magnético ou dispositivo USB) e funciona como uma espécie de carteira de identidade (assinatura digital).

A certificação digital ainda é considerada dispendiosa, quando temos um número elevado prontuários a serem certificados e rotineiramente inviável, quando a idéia é transportada, por exemplo, para a ficha de anotações clínicas do paciente. O acréscimo de dados, a cada consulta do paciente, implica em nova certificação do documento, já que, sua data é outra e seu conteúdo também.

Bem observado por Simões e Pedrazas (2005), no Código do Processo Civil Brasileiro, a imagem digital não sendo excluída pela lei, é considerada legítima.

Segundo Correa (2006) quando em um processo judicial, um documento digital é aceito, isto é, houve aceitação do meio pelo qual foi produzido, nada obsta que o teor do documento seja contestado. Apresentado por uma das partes, somente será contestado seu teor, se a outra parte se manifestar, exigindo exame pericial.

Partindo do entendimento que o documento digital já apresenta, nos dias de hoje, um respaldo legal, segue-se uma observação quanto ao seu conteúdo. Lembrando-se que basicamente, todos os documentos eletrônicos são imagens digitais, devemos analisar o direito à imagem.

O direito à imagem é indissociável do seu titular, portanto é inalienável e intransmissível, mas não é indisponível, assim pode o indivíduo explorar a própria imagem, como podemos observar no Novo Código Civil Brasileiro.

Autorizado o uso da imagem por seu titular, através de consentimento específico e por escrito, cessam os direitos de pleitear indenização pelo uso destas imagens, desde que os limites da autorização não tenham sido transpostos. Enquadrada no grupo das exceções, está o uso de imagens que podem ser utilizadas sem a autorização de seu titular, em situações que o interesse público sobrepuja o particular.

Crianças e adolescentes tem especial proteção à imagem, no que diz respeito à dignidade humana, resguardadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Simões e Pedrazas (2005) observam que o Código de Ética Odontológica não faz menção sobre o fato de poder ou não fazer fotografias do paciente.

Se considerarmos a imagem do paciente sigilosa, pode ser considerada infração ética a revelação da imagem fotográfica ou radiológica, sem justa causa.

Ressaltamos que as imagens obtidas pelos cirurgiões-dentistas, de seus pacientes com propósito diagnóstico, como radiografias e as realizadas com a finalidade de registro clínico, como as fotografias, mesmo digitais ou digitalizadas constituem documentação odontolegal e poderão serutilizadas na defesa do cirurgião-dentista em processos de responsabilidade profissional (TEDESCHI-OLIVEIRA, 2008).

O mesmo código não considera infração ética de quebra de sigilo profissional, a declinação do tratamento empreendido, quando da necessidade do CD defender seus interesses legítimos em processos judiciais.

No Código de Ética Odontológica, no capítulo VII, dos documentos odontológicos, art. 18, I, constitui infração ética: “negar, ao paciente ou periciado, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionem riscos ao próprio paciente ou a terceiros”.

Sendo assim, quando a pedido do paciente, deverá o CD fornecer a documentação solicitada e tomada a precaução de duplicar este documento. A possibilidade de digitalização dos modelos de gesso e a sua confiabilidade, em muito contribuiu para esta situação, pois assim toda a documentação ortodôntica pode ser digitalizada, certificada e facilmente guardada pelo CD

A constatação de que a transmissão de dados via Internet é uma realidade, e faz parte da vivência cotidiana entre os imaginologistas. Para tanto, Fenelon (2003) nos alerta que há de se ter sempre o cuidado necessário de preservar o sigilo médico das imagens transmitidas, o consentimento do paciente e observadas as implicações médico-legais, através de sistemas tecnológicos de segurança avançados.

 

  1. 3.     CONCLUSÕES

 

Concluimos, ao exame da literatura relacionada e da discussão contidas no presente trabalho, que:

1)         A união da Informática e Odontologia torna possível armazenar digitalmente         modelos e documentação ortodôntica. Os modelos de gesso ou os moldes em alginato podem ser reproduzidos digitalmente na tela do computador por           métodos de escaneamento de superfície e uso de programas específicos tipo           CAD, resguardando o necessário sigilo e preservado o direito à imagem do           paciente.

2)         A MP 2002/02 instituiu meios de validação jurídica para os documentos eletrônicos através da certificação e assinatura digitais. Com este amparo legal e institucional, não restam mais dúvidas a respeito do reconhecimento           legal dos arquivos digitais.  Verifica-se também, a aceitação da imagem      digital, pelo Código do Processo Civil Brasileiro, como meio de prova válido. Contestada a validade do conteúdo do documento digital, este poderá ser submetido à perícia.

Acreditamos que a progressiva evolução do mundo digital, mostre futuros desafios para a Odontologia e para o Direito, incitando a realização de novos estudos nessa área.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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