1 ? LITERATURA

Literatura é a forma de se expressar por escrito, incluindo a visão individual e intuitiva do autor sobre algum assunto, podendo conter fatos reais ou imaginários. No que diz respeito ao real, o poeta desenvolve seus pensamentos, sobre determinado fato verdadeiro, utilizando uma forma própria de interpretar tal fato, repassando a realidade como ela é; usando seus próprios termos de percepção dessa realidade. Por outro lado, os fatos imaginários são criações da mente humana, onde se estabelece a ficção: uma mentira contada de forma artística, onde o autor faz parecer verdade o que escreve ao leitor - não que a ficção deixará de ser considerada uma obra ficcional se o leitor não acreditar nela.
Levando em consideração a definição de literatura dada acima, A história "A loira do carro dos vidros pretos" poderia ser considerada uma obra literária, se o contexto da história fosse elaborado de forma em que o autor utilizasse sua concepção intuitiva e individual em relação aos fatos da história, independentemente, de serem reais ou não.

1.1 ? A LITERATURA ORAL

Segundo Luís da Câmara Cascudo, em sua obra Literatura oral do Brasil (1984), a literatura oral "que seria limitada aos provérbios, adivinhações, contos, frases-feitas, orações, ampliou-se alcançando horizontes maiores. Sua característica é a persistência pela oralidade. A fé é pelo ouvir, ensinava São Paulo (CASCUDO, 1984, p.23)."
Todas as vezes que se aborda o tema da literatura oral ou popular, é comum relacioná-la com a literatura folclórica, porém, para Cascudo, toda literatura folclórica é popular, mas nem toda literatura popular é folclórica. A diferença está num inevitável processo de descaracterização. Para que uma literatura seja folclórica, são necessários quatro fatores: antiguidade; persistência; anonimato; oralidade. Ou seja, a literatura folclórica é uma produção de origem popular cuja fixação no tempo é improvável e as tonalidades da época de sua criação foram perdidas.

Câmara Cascudo revela, porém, a camuflagem e até marginalidade nas quais vive a literatura oral, quando comparada à chamada literatura oficial:

A literatura oral é como se não existisse. Ao lado daquele mundo de clássicos, românticos, naturalistas, independentes, digladiando-se, discutindo, cientes da atenção fixa do auditório, outra literatura, sem nome em sua antiguidade, viva e sonora, alimentada pelas fontes perpétuas da imaginação, colaboradora da criação primitiva, com seus gêneros, espécies, finalidades, vibração e movimento, continua rumorosa e eterna, ignorada e teimosa, como rio na solidão, e cachoeira no meio do mato. (CASCUDO, 1984, p.27).

Câmara Cascudo diz que a literatura oral ainda está fortemente ligada ao povo e é intensamente lida, em voz alta, nas fazendas, nas cidades, em varandas, calçadas, em roda;
ela é uma expressão vasta e poderosa.
Assim, essas características apresentadas por Cascudo nos remetem a toda uma tradição popular expressa pela literatura oral e vivida por ela; para o autor: "Entende-se por
tradição, traditio, tradere, entregar, transmitir, passar adiante, o processo de divulgativo do conhecimento popular ágrafo (CASCUDO, 1984, p. 29)."
No texto "A loira do carro dos vidros pretos", percebe-se uma aproximação às características da literatura, pois, a história contém oralidade popular e a fé pelo o ouvir, as duas características da obra literária oral; e, de certa forma, está ligada ao povo, o que caracteriza o texto como uma obra literária.

1.2 ? A LITERATURA E A NÃO-LITERATURA

É difícil explicar as características da literatura e da não-literatura seguindo as diferenças entre os vários gêneros literários. Para definir tais características deve-se proceder como sugere Amora:
1º - Devemos começar por estabelecer que, uma obra transmite sempre, ao leitor, uma concepção da realidade subjetiva (ou psicológica) e física (percebida pelos sentidos). Um poeta lírico que confessa seu amor, expressa uma concepção da realidade de seu estado passional; um economista que, por exemplo, expõe suas idéias a respeito da economia brasileira, expressa sua concepção de nossa realidade econômica; [...] (Amora, p.50-51, 2006)
Seguindo o pensamento de Amora, deve-se saber, em primeiro lugar, que a obra literária transmite uma concepção subjetiva da realidade. Entende-se por subjetivo aquilo que é único de um indivíduo em relação a um determinado assunto. A história "A loira do carro dos vidros pretos", confrontada com essa afirmação, não poderia ser considerada literatura, pois não possui subjetividade no seu contexto; mas, o texto se encaixa nas características de um tipo de literatura: a literatura oral - como vimos anteriormente.
Seguindo em busca de distinguir a literatura da não literatura, segundo Amora:
[...] 2º - Devemos, em seguida, estabelecer que, há dois tipos de concepção da realidade: a concepção intuitiva e individual, e a concepção racional e universal. A concepção intuitiva e individual é o modo que cada um de nós tem de sentir a si mesmo e ver a realidade externa (real ou imaginária); a concepção racional e universal é o modo como a inteligência humana, trabalhando segundo regras específicas, próprias de cada ramo das Ciências Humanas e das Ciências Naturais, interpreta a realidade psicológica ou física; [...] (Amora, p.50-51, 2006)
Agora, cabe a nós entendermos que a diferença entre os dois tipos de concepção da realidade é o que diferencia a literatura da não-literatura. Para Amora, a concepção intuitiva e individual é a forma do autor escrever sobre determinados assuntos expressando sua maneira única de interpretar os fatos. Na história "A loira do carro dos vidros pretos", o autor relata utilizando sua concepção racional e universal, expressando uma forma de pensar comum, semelhante ao de muitas pessoas em reação aos fatos.
E finalmente amora conclui que, seguindo algumas regras de reflexão, fica fácil estabelecer se determinado texto é, ou não, literatura:
[...] 3º - Estabelecer, finalmente, que a literatura, por exemplo, um romance, um poema, um drama, expressa uma concepção intuitiva e individual da realidade (em cada caso a concepção do autor da obra): e a não-literatura, que são todas as Ciências Humanas e Ciências Naturais, expressa uma concepção racional e universal da realidade. [...] (Amora, p.50-51, 2006)
Seguindo as regras estabelecidas por Amora, fica fácil entender a diferença entre literatura e não-literatura, e é possível partir com segurança para a análise da obra literária e procurar suas características essenciais. Um texto com o anexado neste artigo, não seria considerado literatura, se fosse baseado somente nessa afirmação de Amora, mas levando em conta que a literatura possui, numa de suas características, a oralidade ? o que contém na história "A loira do carro dos vidros pretos", o que determina tal texto como uma obra literária.

2 ? MITO

Mito pode ser definido como uma narrativa que simboliza os aspectos de determinadas culturas, onde se pode incluir a fé, as crenças, e tudo o que estiver relacionado aos costumes de determinadas comunidades. Geralmente a crença de determinadas comunidades é responsável pela propagação do mito e pela veracidade do mesmo. A oralidade é a forma de repassar os fatos ocorridos; a crença das pessoas nesses fatos faz com que o mito se propague.
O mito é sempre verdadeiro. A veracidade do mito é autenticada pela fé (quando determinado grupo acredita que uma história é verdadeira é por que esta é. A fé é incontestável, sendo que trata de algo em que se acredita mesmo sem que não haja uma prova científica de sua existência.
Levando isso em conta, alguns mitos, que para determinada cultura são considerados verdade, para outros pode parecer mentira. Um exemplo disso é a história contada na bíblia, que um ser supremo (Deus) teria criado o mundo em sete dias, utilizando apenas seus poderes divinos. Isso, para os religiosos ? que se baseiam na fé - é a mais pura verdade; por outro lado, os cientistas defendem outra versão para a "criação do mundo": o "big-bang" .
Mas relacionando isso à história "A loira do carro dos vidros pretos", pode-se notar que não existe muito de mitologia na história, sendo que a história relata fatos supostamente verdadeiros não relacionados à cultura de comunidade alguma, são apenas fatos que poderia ocorrer em qualquer grupo social. Porém, a história contém características do mito: a oralidade - que é o que garante que as histórias se propaguem pela comunidade -; apesar disso a história não se encaixa nos termos que designam o mito, assim, sendo tal história, apenas um conto popular, portanto literatura, e não mito.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão de tudo dito no presente artigo, para entender a literatura e a não-literatura temos que saber os diferentes aspectos da escrita (literária e não literária). A literatura é a forma de se expressar por meio de palavras expondo idéias de forma intuitiva e individual; a não-literatura é a forma de expressar ideais sobre algum assunto de forma racional e universal.
Enquanto aos mitos, que são histórias que relatam fatos ocorridos em tempos passados e histórias a respeitos de fatos relacionados, de alguma forma, á fé. Esta que é incontestável por que é a firme convicção de que algo é verdade, sem qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, pela absoluta confiança que depositamos nesta idéia ou fonte de transmissão.
Seguindo tais definições, de literatura e de mito, pode-se chegar ao entendimento de como proceder na busca de informações para identificar a natureza de um texto: se ele é mito ou não, e se pode ser considerado literatura.
Em relação ao texto "A loira do carro dos vidros pretos", anexado no presente artigo, trata-se de uma narrativa informativa, que relata fatos relacionados a um conto popular que ocorre em Manaus (AM). O texto "A loira do carro dos vidros pretos" possui algumas características do texto literário, portanto, é considerado pertencente à obra literária; em ralação à mitologia na história, apesar de existir a oralidade - uma característica do mito -, tal história não vem a ser literariamente um mito, diz respeito, prioritariamente, à literatura.




REFERÊNCIAS

PANDOLFO, Maria do Carmo Peixoto / MELLO, Cecília Maria Moreira de. Estrutura e Mito. Editoras: Templo Brasileiro/ UFC. Rio de Janeiro/ Fortaleza, 1983
FIGUEIREDO, Fidelino de. Últimas Aventuras. Editora: Empresa A Noite, Rio de Janeiro, 1941.
SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria da Literatura. Editora: Vozes, Petrópolis. 1999
AMORA, Antônio Soares. Introdução à Teoria da Literatura. Editora Cultrix. São Paulo, 2006
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Tradução de Pola Civelli. Editora Perspectiva. São Paulo, 2002
CASCUDO, L.C. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed.da Universidade de São Paulo, 1984.
















ANEXO

A LOIRA DO CARRO DOS VIDROS PRETOS

Uma lenda urbana que corre em Manaus - a de que uma mulher, loira, andava pela cidade em um carro preto, acompanhada por um homem e em busca de crianças para "roubar" os órgãos delas - criou confusão em uma delegacia da cidade.
Ao saber que uma mulher, loira, dirigindo um Fox preto, havia sido presa - junto com um homem - após perseguição policial pelas ruas da cidade, uma multidão se dirigiu ao Distrito Policial de Manaus para conhecer, de perto, a mulher de quem a lenda falava.
Alguns queriam linchá-la - e policiais militares tiveram de cercar a delegacia para impedir as agressões. Quando os suspeitos chegaram à delegacia, cerca de mil pessoas já estavam na frente do distrito para "pegar" a suposta ladra de órgãos, segundo o delegado.
A multidão, entretanto, havia se enganado de loira. A mulher que acabava de ser detida era suspeita de tráfico de drogas, e não de órgãos.
No local, um menino de seis anos, levado pelos pais, aguardava a pessoa que, segundo o garoto, havia tentado levá-lo dias atrás. Ao ver chegar a suspeita, disse que a reconhecia. Em seguida, mudou a versão.
A loira e o homem não chegaram a ser detidos e, como não houve flagrante, foram liberados em seguida, após os policiais dispersarem a multidão, ao dizerem que o alvo da investigação não tinha relação com tráfico de órgãos.
A suspeita era investigada por envolvimento com o tráfico de drogas. Naquela tarde, era observada por policiais e, ao notar que era seguida, resolveu fugir. Foi quando a perseguição teve início.
De acordo com a Secretaria da Segurança do Amazonas, o que aconteceu não passou de uma "confusão", e a assessoria da Polícia Civil informou que as pessoas foram "incitadas" por programas policiais da televisão local que, no início do ano, começaram a veicular algumas reportagens sobre um esquema de tráfico de órgãos em Manaus, comandado por uma mulher loira que dirigia um carro preto pela cidade e arrancava os órgãos de crianças - o que se revelou apenas uma lenda urbana.