Quando ela aceitou o trabalho de ter que organizar a obra daquela escritora falecida ficou muito envaidecida por ter sido a escolhida dentre os diversos acadêmicos que estavam postulando aquela chance. Seriam horas de dedicação, pesquisas de campo, cercadas de muitas entrevistas. A família já havia lhe dado o aval para vasculhar toda vida da escritora, mas ela preferira concentrar-se na obra. Sempre acreditou que vida e obra não se misturam e a obra do escritor dá-se a partir de suas experiências somadas a todo um detalhe que ganha forma à medida que o elaborador textual lê. A leitura mexe com a imaginação, proporciona-lhe argumentos dantes nunca vistos, é uma avalanche de idéias.

Depois de colhido o material bastava agora ordenar todos aqueles textos, agrupá-los através de temas e só assim liberá-lo para ser publicado. A Editora esperava ansiosa pela obra, esta seria uma publicação que geraria certa polêmica. Era esse o objetivo da responsável pela publicação.

Na noite em que a pesquisadora começou a digitar os argumentos colhidos, o cansaço era seu companheiro, as pálpebras reuniam forças para manterem-se abertas, vivas, prontas para os detalhes. Era isso que os leitores e a Editora esperavam: detalhes. Elementos que não cabiam a pessoa da escritora falecida e isso poderia estar contido ali, nas peculiaridades das entrelinhas. Quem vê a cara, não olha o coração. O sono foi o seu grande inimigo nessa noite. Sonhou, acordou assustada, pois jurava ter visto o espírito da falecida. Lá pelas tantas da madrugada fez um café para mantê-la com os olhos bem abertos. Na cozinha a xícara caíra e se quebrara, mas foi mais uma questão de malabarismo de sua parte. Acreditar em espíritos era algo contido na literatura gótica, talvez nos escritos que continham uma pitada da psicanálise de Jung. Ela era adepta da teoria freudiana. Insistiu no trabalho, pois queria entregar a obra no mínimo tempo possível. Gastou horas sem ser interrompida. Foi atrapalhada pela luz que queimara. Sentiu medo, mas era sozinha e naquele momento, àquela hora da madrugada não poderia atrapalhar a vizinhança. Trocou a luz. Recomeçou o trabalho. Ao se dirigir à sala forçou os olhos que insistiam dormir e na cadeira de balanço, sentia que alguém havia sentado ali, o perfume denunciava e o balançar do ornamento também. Era psicológica, coisa da mente possuída pelo excesso de trabalho. Não deu bolas e mais uma vez prosseguiu com o seu trabalho. Árduo, mas prazeroso.

Quando o sol nascia a pesquisadora se acordara, com ar de tristeza pelo fato de não ter terminado o livro. Na mesa ao lado do cinzeiro com vários cigarros fumados, um bilhete exalava perfume feminino ao lado dos escritos. E lá dizia: "Nasce aqui uma obra em que a vida e a morte se unem em busca da arte". Estava pronto.