A preocupação de vários missionários e agências missionárias em treinar obreiros locais para formar igrejas autóctones e dar continuidade à obra que Jesus nos delegou aqui na terra, é uma preocupação saudável. Porém atingir este alvo está um pouco aquém do idealizado por estes homens. Temos ouvido relatos de várias denominações e também observado que em várias localidades a tal "liderança" formada tem trazido mais prejuízo do que bênçãos para a igreja local, e consequentemente, à Igreja de Cristo. Ciúmes, inveja, divisões, facções, desânimo e ambição egoísta despontam como alguns dos sentimentos mais latentes nestes líderes locais. Por que? O que estaria saindo errado? Devemos culpar apenas os homens naturais (nos dois sentidos: da terra e da carne) por isto?

Gostaria de compartilhar as observações de quem já vem atuando como missionário no meu próprio país a vários anos, e teve a oportunidade de trabalhar sob a liderança de um missionário estrangeiro que insistia em fazer prevalecer sua cosmovisão de "leader".

1. Ingenuidade.
No antigo programa "A praça da alegria" (naquele tempo dava para assistir) havia um quadro protagonizado por Kate Lyra que fazia o papel de uma estrangeira ludibriada por brasileiros que, depois de narrar as gentilezas promovidas por estes homens, sempre concluía: "brasileiro é tão bonzinho...". O quadro se tornava engraçado porque nós brasileiros entendíamos a malandragem que havia por trás de cada ato. Este quadro é bem real no campo missionário. Mas não tem nada de engraçado. Alguns missionários estrangeiros encontram verdadeiros "homens de Deus" em quem investem muito por não enxergar alguns detalhes que nós enxergamos. É fácil perceber a "malandragem" (literalmente) que movem alguns destes santos-do-pau-oco (expressão brasileira, diga-se de passagem). Um conselho: Não chegue perto destes e nem queira tentar abrir os olhos do irmão estrangeiro...

2. Preferência por eventos e números.
Algumas missões querem saber apenas de números. Quantidade. Quanto maior, melhor. Para poder gerar relatórios gordos, alguns missionários trabalham promovendo eventos. Estes eventos são, na maioria das vezes, muito dispendiosos, pois envolve muitas pessoas, transporte, combustível, alimentação, materiais diversos, filmes, equipamentos como gerador, note book, data show, etc. Sem dúvida são acontecimentos que atraem um grande número de pessoas em comunidades de interior, onde nada acontece.
Como o evento é evangelístico, tem que haver uma mensagem e um apelo em algum momento. Algumas pessoas vão à frente, o pregador ora com elas e as vezes dá uma Bíblia de presente. Até aqui, tudo bem, certo? Só precisamos saber o que motivou aquela pessoa "aceitar a Cristo" ou se ela entendeu o que fez. Quem continua no campo depois do evento tem condições de avaliar melhor...
Fotografias são tiradas, relatórios preenchidos, e isto garantirá tanto a continuidade do sustento do missionário (que não é pouco) quanto mais verbas para mais eventos, e quem sabe, no próximo ano a igreja não manda uma equipe para participar também com recursos para construir um templo para 200 pessoas...

3. Alvo: formar líderes.
Quero analisar estas duas palavras. Alguns missionários vêm de uma cultura que dá muita enfase à forma, deixando de lado a essência do cristianismo. Dando continuidade ao seu plano pré-elaborado, agora é hora de identificar um "líder" e treiná-lo para assumir a liderança da nova igreja. Isto é feito sistematicamente. Aqui o caldo começa a engrossar. Primeiro porque invariavelmente será ensinado "formas", e a Lei ganha grande destaque neste processo: isto pode e isto não pode!. Segundo porque sem perceber a malícia do brasileiro e nem a real motivação daquele súbito interesse pelas coisas de Deus, o missionário piora a situação implantando na mente do nativo a genuína idéia de Leader, palavra inglesa que também pode ser traduzida no Brasil como chefe, pagé, tuchaua, manda-chuva, "o homi", "o cara", entre outros brasileirismos. Isto o novo convertido conhece bem ? e aceita sem nenhum problema.
Este conceito não é novo. Embora a palavra líder não apareça na Bíblia, Jesus já havia alertado seus discípulos: "...Sabeis que os que são reconhecidos como governadores dos gentios, deles se assenhoreiam, e que sobre eles os seus grandes exercem autoridade" (Mc 10:42). Autoridade, poder e evidência sobre os moradores de sua comunidade. Infelizmente é isto que muitos crentes estão buscando.

4. Muito dinheiro e pouca atenção.
A valorização do TER e não do SER é comum nas culturas mais capitalizadas. Além disto, o volume de dinheiro que corre à vista de todo aquele povo com quem se está trabalhando, é muito grande. O povo começa a vislumbrar todos os benefícios que eles podem conseguir através do novo elemento naquela sociedade (interprete $ ou missionário, pois neste caso são sinônimos). Todo mundo quer ser beneficiado, e o fato de somente um ou dois conseguirem é motivo de discórdia, inveja e ciúmes também entre o povo.

5. Pouca ou nenhuma disposição de aprender com o brasileiro.
Mas para o missionário estrangeiro, ele está fazendo tudo certo. Os alvos estão sendo atingidos, tem desenvolvido bons contatos aqui no Brasil, a igreja mantenedora está contente com seus relatórios e novos projetos estão pipocando. Já ouvi da boca de um missionário: "EU estou ensinando como deve ser feito", e numa outra ocasião: "EU estou implantando na cabeça do brasileiro a melhor maneira de viver", referindo-se aos seus recursos e aparatos tecnológicos, muito distante da realidade e do bolso daquela população. Normalmente o missionário que pensa assim demonstra um espírito crítico e, inconformado com certos costumes populares, está sempre zombando da nossa cultura (também cansei de ouvir isto!).

Talvez muitos possam torcer o nariz para minhas observações. Tem todo direito. Mas não quero ser apenas um crítico. Gostaria de mostrar onde podemos encontrar a solução para amenizarmos estas discrepâncias.

Em primeiro lugar, seja prudente. Paulo já orientara Timóteo no seguinte: "A ninguém imponhas precipitadamente as mãos, nem participes dos pecados alheios; conserva-te a ti mesmo puro" (I Tm 5:22). Já naquela época temos casos de homens que queriam ser "donos da igreja", como o apóstolo João relata em sua terceira epístola, a respeito de um certo Diótrefes. Lobos vorazes e comerciantes da fé também são alguns títulos bíblicos para estes líderes. Temos um ditado que diz que você precisa comer um quilo de sal junto para conhecer a pessoa. Não seja precipitado e nem chegue distribuindo presentes para conquistar a simpatia do povo (que com certeza, atrai muitos "simpáticos" à sua causa).

Segundo, a igreja mantenedora deve estar ciente que o trabalho de implantação de igrejas e discipulado é algo lento, que pode demorar anos. O missionário que sofre pressão da sua igreja para multiplicar a qualquer custo (focada em resultados) ou que traz consigo esta idéia de linha-de-montagem-com-resultados-imediatos (a mentalidade da igreja-instantânea), certamente colherá seus frutos ? a realidade que estamos observando.

Terceiro: a Igreja de Cristo não precisa de duas coisas Lei e Leader . A Igreja precisa de servos, salvos pela graça e que aprendam a andar no Espírito. Vou repetir: A Igreja precisa de servos, salvos pela graça e que aprendam a andar no Espírito. É isto que deve ser ensinado. Continuando a conversa que Jesus teve com seus discípulos após demonstrar o conceito secular de liderança, ele concluiu: "...Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos". (Mc 10:43-45). A aplicação deste princípio, por si só, é o crivo que fará a separação do joio e do trigo. Sem mais comentários.

Em quarto lugar, o missionário estrangeiro precisa aprender a "esvaziar-se" por dois motivos: identificar-se com o povo e não ser apenas objeto de interesse. A identificação com o povo tem a ver com construção de pontes para aproximar-se e comunicar-se de forma eficaz; e trabalhar com poucos recursos impedirá a criação de certos vícios na igreja que dificilmente serão supridos quando o missionário partir. Casos como este tem-se visto aos montes. O missionário deve ser portador do Evangelho da graça, e mais nada. Muitas igrejas simplesmente fecham quando o missionário vai embora.

Por fim, a humildade. O missionário deve ser humilde o suficiente para saber que:
a. sua cultura não é superior em nada. Não existe cultura superior ou inferior, apenas culturas diferentes.
b. antes de ensinar qualquer coisa, o missionário deve ser um aprendiz. Quando ele assume esta posição, descobrirá que há muito que aprender com a cultura onde vai trabalhar.

Assuma o princípio que nós nunca saberemos o suficiente, que sempre temos algo novo para aprender ? até com o povo mais simples de cultura diferente. Viva como o povo vive. Se o povo dorme em rede, cozinha na lenha, alumia suas noites com luz de lamparina, viaja de canoa a remo, mora em casa de pau-a-pique, etc., não queira trazer inovação e modernidade para aquele povo. Fomos chamados para pregar o Evangelho e discipular homens fiéis e idôneos que farão isto com o próximo. Não fomos chamados para levar nossa cultura e todo o nosso lixo tecnológico a outros povos. Se algum missionário estrangeiro não se conforma com o jeito que o povo vive e quer levar conforto e tecnologia para poder viver entre este povo, fique em casa, pois lá já tem tudo o que ele precisa e da forma como ele gosta.