Por psicólogo Geofilho Ferreira Moraes
CRP-12/10.011
20 de junho de 2011

Minha experiência como pessoa cega e agora psicólogo que busca vencer na vida

Por meio desse artigo que escrevo, apresento a síntese da minha história de vida até o dia de hoje. Descrevo a experiência de ser pessoa com deficiência visual, e de como fui realizando conquistas até concluir a graduação em psicologia e de como pretendo continuar minha vida como psicólogo.
Sou Geofilho, 31 anos de idade, solteiro sem filhos; natural de Araguaína ? Tocantins. Nasci com glaucoma congênito, sempre fui pessoa com baixa visão.
Perdi a visão do olho esquerdo aos 11 anos, quando eu e minha família estávamos na praia em Babaçulândia em To, passando as férias. Numa brincadeira de criança: comer melancia e jogar cascas um no outro, meu olho esquerdo foi atingido, tendo hemorragia interna e vindo a atrofiar-se com o tempo.
Do olho direito, aos 15 anos, fiquei cego por conseqüência do glaucoma. A pressão ocular foi aumentando e eu não tive consciência de que estava perdendo a visão, quando fui ao médico já era tarde demais para recuperar o que havia perdido.
Sou filho de uma família pobre, meus pais se separaram em 1998. Tenho um irmão e uma irmã mais velhos que eu, minha família mora em Araguaína. Desde que fiquei cego passei a receber o benefício LOAS.
Quando perdi a visão fiquei aproximadamente seis meses sem querer estudar, mas dentro de mim nunca me senti fraco, sempre senti confiança em mim mesmo. No início tinha preconceitos em relação a ter que utilizar Braille, de ter que andar com o auxílio de bengala. O principal sentimento que tinha era vergonha de estar nesta situação, de andar nas ruas de bengala, e imaginava as pessoas me olhando e me chamando de ceguinho ou coitadinho.
Aos 17 anos, descobri ouvindo os psicólogos e psiquiatras que iam aos programas da Silvia Popovic na rede Bandeirantes, que eu tinha facilidade para compreender os fenômenos psicológicos, a partir dos temas discutidos nos programas dela.
Em 2001 quando estudava no colégio Guilherme Dourado e estava na sétima série, ouvi uma reportagem no programa "A voz do Brasil" que informava que o governo federal distribuiria livros em Braille para alunos do ensino fundamental, mas esses livros nunca chegavam ao Tocantins. Enviei uma carta em Braille ao ministro da educação Paulo Renato Souza; fiz um desabafo por não ter recebido os livros, ele leu minha carta no programa A voz do Brasil, e afirmou que iria tomar providências. Passado alguns dias recebi uma carta do Instituto Benjamin Constant de que eu receberia os livros em casa.
A escola Modelo em Araguaína onde aprendi Braille recebeu do ministério da educação (sem passar por sorteio) impressora Braille e outros materiais para trabalhar com pessoas cegas.
Conheci Maria da Glória Batista Mota (popular Glorinha) em 2005 na festa de final de ano na ACIC (Associação Catarinense para a Integração do Cego). No período em que escrevi a carta ao ministro Paulo Renato, Glorinha trabalhava como assessora na secretaria de educação especial do MEC, ela transcrevia minhas cartas em Braille que enviava. Ela já declarou várias vezes que foi a partir dessa carta que enviei que vários núcleos de educação especial com equipamentos para cegos foram abertos no Brasil.
Passado esse período, queria fazer psicologia. Em Araguaína e regiões próximas não havia esse curso. A professora com quem aprendi Braille esteve num curso de AVD (atividade de vida diária) em Palmas-To, conheceu uma professora que trabalhava na ACIC. Neste período essa associação alojava pessoas de outros estados e não cobrava moradia e alimentação de quem não tivesse condições de pagar.
Essa professora de Braille da escola Modelo trouxe essa informação para Araguaína, eu que sempre quis sair para outro estado para tentar fazer faculdade e tentar uma vida melhor, já decidi e me determinei a ir para Florianópolis.
Eu, e um amigo também cego, chegamos a Florianópolis em 14 de março de 2005. Na ACIC fiz cursos de informática, AVD, orientação e mobilidade e outros.
Ingressei no curso de psicologia na UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) em 1º de agosto de 2005. Consegui bolsa de estudo do artigo 170 do governo do estado de SC, mas essa bolsa deve ser renovada de seis em seis meses e a mesma não cobre a matrícula, só consegui efetuar minha matrícula a primeira vez porque, uma voluntária da ACIC doou o dinheiro para eu pagar. Consegui pagar as demais matrículas porque amigos meus doaram o dinheiro.
Em 2009, quando estava na oitava fase do curso de psicologia, consegui bolsa integral do PROUNI e concluí a graduação.
Durante a faculdade não tive muitos problemas de adaptação, pois a UNISUL tem um programa de acessibilidade que cuida dos materiais e apóia aos alunos que são pessoas com deficiência. Na primeira fase na faculdade ainda utilizava Braille, depois que aprendi a utilizar o leitor de tela Jaws e ampliei meu conhecimento em informática, passei a utilizar materiais no formato digital. As estagiárias do projeto de acessibilidade scanneavam os textos, faziam as correções e me enviavam por e-mail.
Até novembro de 2006 vivia sob assistência da ACIC, no que se refere à alimentação e moradia. Desde então passei a morar pagando aluguel, pois só poderia ficar no alojamento da ACIC por um determinado tempo.
Em 15 de fevereiro de 2011 colei grau em psicologia e hoje sou psicólogo CRP-12/10.011 registrado pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina.
Penso que só consegui concluir o curso de psicologia: primeiro porque sou determinado e busco alcançar os objetivos que tenho na vida; segundo pelo apoio da família; terceiro porque a ACIC me ajudou no início de minha vida em Florianópolis SC; e quarto por outras pessoas que direta ou indiretamente me ajudaram de algum modo.
Hoje busco colocação profissional no mercado de trabalho, tenho confiança que conseguirei me realizar como profissional. Esta é mais uma etapa da vida que tenho de vencer e não tenho dúvida que vencerei, nem que demore um pouco.
Penso em continuar estudando, fazer uma especialização ou um mestrado em psicologia ou saúde pública.
Gosto muito da minha terra e estado natal, mas pretendo continuar minha vida em Florianópolis SC, pois nesta região há qualidade de vida e melhor e há mais possibilidades para que eu possa crescer como profissional. Também pretendo casar e ter filhos, constituir uma família na ilha.
Em psicologia no que mais tenho prazer em trabalhar é na área da saúde mental, desde que entrei na faculdade o tema sempre fez parte do meu foco de trabalho. Com o tempo e o conhecimento que fui adquirindo na psicologia essa vontade de ajudar pessoas com transtorno mental foi ficando mais forte. Gosto muito do trabalho desenvolvido pelos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), espero um dia trabalhar nessa modalidade de serviço.
Em 2009 quando estava na graduação, realizei estágio não curricular num conhecido hospital psiquiátrico da região da grande Florianópolis o IPQ (Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina), conhecido como a Colônia Santana. Fiquei 13 meses neste estágio e pude aprender muito e conhecer a dura realidade de quem vive numa vida institucionalizada.
Meu trabalho de conclusão de curso teve como tema: A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência. Esse TCC foi publicado na biblioteca da UNISUL, realizei correções para melhorar a redação do trabalho e reescrevi este na primeira pessoa do singular, quando essas correções estiverem finalizadas e o trabalho formatado, publicarei em meu site a versão atualizada.
Neste ano criei o site www.psicologogeofilho.no.comunidades.net e sou credenciado pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) a prestar em meu site os serviços psicológicos mediados por computador que são regulamentados pela RESOLUÇÃO CFP N° 012/2005 como: orientação psicológica e afetivo-sexual, orientação profissional, orientação de aprendizagem e psicologia escolar. Realizo os atendimentos por e-mail ou por MSN. Posso atender pessoas de todo o Brasil e outros países.
Torno público com muito orgulho a minha trajetória de vida e início de carreira profissional, espero que minha experiência de vida de algum modo possa ajudar motivando pessoas que querem vencer na vida. Muitas vezes, pela experiência do outro, mesmo que essa seja e sempre é diferente da nossa, podemos nos ver numa condição de vencer mesmo diante das dificuldades.
A história é constante e dinâmica, temos muitas possibilidades na vida, essas possibilidades dependem do nosso movimento no mundo, e só nós podemos escolher como nos movimentamos no mundo. A partir de nossas escolhas e de como buscamos realizar os objetivos que queremos é que ampliamos as possibilidades de vencer na vida.
Dificuldades estão presentes no dia a dia, o importante é não pararmos nestas. Vou continuar seguindo em frente, buscando realizar meus objetivos e criando outros, a vida continua!

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Telefone: 48-99362304 (TIM)
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