MILITARES & POLICIAIS

de Santino Antônio Fernandes Borges

 

Il n'est plus question, à l'heure qu'il est, de savoir si Homère, Platon, Cicéron, Virgile, sont des hommes merveilleux; c'est une chose sans contestation, puisque vingt siècles en sont convenus: il s'agit de savoir en quoi consiste ce merveilleux (BOILEAU).

 

America is rapidly devolving into the oppressive police state we've been warning readers about. Right now, cops are exhibiting thuggish, out-of-control "mafia" behavior as they run loose across America, terrorizing innocent citizens, shooting up the vehicles of people who are merely driving cars on public roadways, taking warrantless blood draws from drivers, shooting pet dogs of people who are merely filming police, raiding farmers at gunpoint over raw milk and terrorizing young women for buying bottled water and cookie dough.

All of these are real and happening right now in America.
The cause behind them? Police are being "militarized" through federal training while being given weapons of war through federal grants. Police departments across the country are now being handed armored assault vehicles, surveillance drones and full-auto assault rifles. Along with this equipment comes a training and engagement posture that is increasingly aggressive and militaristic, subjecting more and more Americans to the kind of "theater of war" engagement tactics that the U.S. military would typically use at a roadblock in Afghanistan, for example  – (NATURALNEWS[1], 6 de julho de 2013; o destaque da fonte é nosso).


Países civilizados não permitem o uso de tropas militares em funções civis e, salientamos, a função policial é estrita e ontologicamente civil - paisana, no jargão castrense.  Na Alemanha, por exemplo, não há dispositivo constitucional que vede, expressamente, a utilização das Forças Armadas (Exército, Marinha de Guerra e Aeronáutica Militar) para resolver problemas de ordem interna. Entretanto, das decisões de tribunais tedescos sabemos que a mobilização militar só se admite no espaço da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Contudo, depende de resolução do Parlamento estipuladora de detalhes e prazo da missão. Lá, os militares só podem atuar no meio civil desarmados e em tarefas humanitárias de socorro.

Militar, em qualquer lugar do mundo e isto desde os romanos, é quem defende o país de invasão ou de agressão estrangeira. Esta, pois, a função primordial das Forças Armadas.

Temos a impressão de que a Lei Federal n. 192, de 17 de janeiro de 1936, foi o diploma legal que outorgou, às incipientes polícias estaduais de então, esse simulacro de militar. Malgrado, com grave erro de imputar-lhes característica “militar” de pura aparência, deixou bastante claro, contudo, a total incontinência funcional entre atividades policiais e militares. Transcrevemo-lo naquilo que interessa:

Art. 1º As Policias Militares serão reorganizadas pelos Estados e pela União. na conformidade desta Lei, e são consideradas reservas do Exercito, nos termos do art. 167 da Constituição Federal,

 

Art. 2º Compete ás Policias Militares:

a)      Exercer as funções de vigilancia e garantia da ordem: publica, de accôrdo com as leis vigentes;

b)      garantir o cumprimento da lei, a segurança das instituições e o exercicio dos poderes constituidos;

c)       attender á convocação do Governo Federal em casos guerra externa ou grave commoção intestina, segundo a lei de mobilização.

 

Art. 3º As Policias Militares, formadas por alistamento voluntario de brasileiros natos, serão constituidas de Serviços e Corpos, das armas de infantaria e cavallaria, semelhantes aos do Exercito, e em Unidades especiaes com organização, equipamento e armamento proprios ao desempenho de funcções policiaes.

Art. 12. É vedado ás Policias Militares possuir artilharia, aviação e carros de combate, não se incluindo nesta ultima categoria os carros blindados.

 

A efêmera Constituição de 1934 trazia a inovação no art. 167:

As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União.

 

Observemos, então. Nenhum desses dispositivos da Lei conseguiu transformar a natureza jurídica de polícia ou, como outrora diziam e hoje redizem, “policial militar” em militar. Os artigos averbados bem refletem isso. Ser tido por “reserva” do Exército não é, evidentemente, ato de conversão de policial em militar. Todo mancebo que prestou o Serviço Militar é “reservista”; no entanto, é simplesmente civil. Logo, o mal-denominado policial-militar é, antes de tudo, civil e, depois, policial posto que desempenha - verba legis -  funcções policiaes. Essas polícias não podem ter artilharia, nem carros de combate, nem aviação militar, segundo aquela lei. Aliás – memento apropriado - a Lei do Caudilho gaúcho tinha por objeto a completa submissão das polícias de todos os estados ao presidente da República para evitar o que ocorrera em São Paulo com a Força Pública paulista cuja Guarda Civil (Força policial que somente em 1970 assumiu a marca-fantasia de “Polícia Militar”; também, no Rio Grande do Sul não há Polícia Militar, mas Brigada Militar, nome tradicional da polícia fardada gaúcha cujos membros são chamados de “brigadianos”) rebelando-se contra o Exército nacional (militares), no que se convencionou chamar de Revolução Constitucionalista.

Em preito à verdade, em França, começou esse ideal civilizatório de polícia como força pública apartada das funções militares para proteção do povo e não só do cidadão. É o que haurimos da Déclaration des Droits de l’Homme et de Citoyen de 1789:

Art. 12. La garantie des droits de l'Homme et du Citoyen nécessite une force publique : cette force est donc instituée pour l'avantage de tous, et non pour l'utilité particulière de ceux auxquels elle est confiée.

Segundo perversos formantes histórico-culturais (e, dentre tais, o pior, o golpe militar de 1964 que, efetivamente, arrebanhou as polícias estaduais uniformizadas para ter-lhes o controle e, inclusive, usá-la em misteres menos nobres, p. ex., tortura), cremos, o Brasil trilhou caminho contrário à própria ratio essendi da atividade militar universal e juridicamente aceite ao adjetivar segmento de sua Polícia, aquele uniformizado e ostensivo, de “militar” e, mais recentemente, já na Carta Política, ao denominar de militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios aqueles meros policiais, querendo, desse modo, formalmente fazê-los naquilo que, materialmente, é impossível. Pensamos, inclusive, que esse agnome foi-lhes consagrado no afã de produzir status mais elevado, conferindo-lhes certa aura prussiana, em comparação com a outra comparte policial. Todavia, lá fora, isso vem a ser puro apodo. Basta observar as aspas utilizadas, por ex., em referência da Wikipedia:

In 1831, after independence, each province started organizing its local "military police", with order maintenance tasks[i][ii][iii].

Contudo, essa esquisitice não é novidade no campo da segurança pública, já que há – por igual - inquestionável equívoco na locução “Polícia Civil”. O tempo pode até obliterar a verdade, não a elide embora; nem convalida inadequação ou falta de conhecimento.  Ora, se é polícia, só pode ser civil. “Polícia civil” é locução extremamente redundante ao papel constitucional a que se destina. E não estivesse ali na CF, sem embargo, o direito consuetudinário, o direito comparado e a etimologia far-lhe-iam as honras. Tolera-se, mundo afora, o dizer-se polícia militar (Military Police - EUA, Militärpolizei - Áustria, Feldjäger - Alemanha) porém para aquelas polícias – exclusivamente – militares. E são-no, exatamente, porque fazem parte das Forças Armadas. Agora, polícia comum (p. ex., a Schutzpolizei alemã que usa farda mas não é militar), seja ostensiva, uniformizada etc. jamais é militar stricto sensu. Deveras, consubstancia-se absoluta aberração jurídica que desserve nossa nomenclatura constitucional e legal a um só tempo, bem como se presta a sarcasmo  do país lá fora[iv]. E não importa que a própria Carta Magna tenha dito que são militares dos estados etc. Se a CF dissesse que vinho é água, nem por isso estaria certa, ou dizendo a verdade. E bem sabemos todos que a famigerada emenda constitucional tinha outro objeto: o controle neoliberal de finanças. Felizmente, com a criação da Força Nacional de Segurança Pública não caíram na besteira de usar termos militares para essa corporação meramente policial.

Se verdadeira é a origem espúria “militar” das polícias do Brasil (Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro de 13 de maio de 1809 – o que, na Corte, era simples polícia, na Colônia virou instituição militarizada); não menos verdadeiro é o fato de que na Regência Trina (1831) criou-se a Guarda Nacional sob molde francês. O Exército caíra para segundo plano porque não merecia a confiança do governo liberal pós-Pedro I. Em essência, a atividade dessa Guarda Nacional era local, de cunho cívico, reportava-se imediatamente aos juízes de paz; era nitidamente uma instituição civil e politizada cuja única possibilidade de militarização forçada dar-se-ia em caso de guerra, quando auxiliaria a Força Terrestre de primeira linha – o Exército.

Não podemos deixar de anotar, a CF88 foi um retrocesso em não desvincular essas polícias ditas militares da nefasta dependência do Exército e em não unificar todas elas num só corpo policial. Ainda que, eventualmente, houvesse grupo fardado, especializado, ostensivo etc. como sói acontecer em países desenvolvidos (p. ex. as SWAT – Special Weapons and Tactics – das polícias ianques). Nefasta porque brutaliza, torna truculenta e subserviente de interesses extra-policiais, imiscíveis com a vocação civil e cidadã de toda organização policial do mundo civilizado.

A República foi desterro da Guarda Nacional que era a tropa de segunda linha, já que aquela fora instalada pelo Exército.

Não existe – materialmente - polícia militar a desempenhar o serviço público de segurança pública.  A atividade policial é estritamente civil. Já a militar, volta-se à questão da soberania nacional. É função essencial do estado que o assegura íntegro no concerto das nações. É claro, sabemos, há protetorados, mas isso é lá outra história.

Nos Estados Unidos, por exemplo, não há essa excrescência jurídica, embora saibamos que há MP – Military Police – que são, de fato, agentes militares (das Forças Armadas) para cuidar da disciplina e da ordem da tropa, dentre outras atividades estritamente bélicas. Não são cops como nossos tiras (policiais) erroneamente adjetivados de militares. No Brasil, há, também, polícia de tropas: no Exército, a PE (Polícia do Exército); na Marinha, a Polícia Naval (geralmente, a cargo do Corpo de Fuzileiros Navais, infantaria de elite da Marinha de Guerra); e, na Força Aérea, a PA (Polícia da Aeronáutica). Não obstante, merece atenção o fato de que as nossas “polícias-militares” (PE, PA e PN) tiveram origem por imitatio dei do modelo ianque. Em 1944, na II Guerra Mundial, militares patrícios foram agregar-se ao comando norte-americano e, lá, vendo que havia a instituição castrense Military Police que cuidava do policiamento de trânsito, das tropas etc. copiaram-na.  Curiosamente, nosso destacamento MP, depois, PE, era composto de 19 infantes-expedicionários do Exército e, anotem, 44 guardas-civis da Polícia Civil do estado de São Paulo. Isso mesmo:  paisanos.

O Código Penal Militar – CPM – preceitua, lá no art. 22:

É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

 

Embora a letra da Lei seja assaz evidente, alguma técnica há que deve ser aclarada. Assim, o CPM 22 define o que é militar: ... qualquer pessoa, na paz ou na guerra, incorporada às forças armadas – e só a elas, salientamos – para nelas servir em posto, graduação (aí, respectivamente, oficiais e praças) e alunos de suas escolas e academias que, sem posto ou graduação, sujeitam-se à rigorosa disciplina militar para moldar-lhes o comportamento pro futuro. E porque falamos de alunos, exemplifiquemos: alunos das escolas de sargentos especialistas, das preparatórias de cadetes do Exército e da Aeronáutica, do Colégio Naval, da Academia Militar das Agulhas Negras etc.

Incorporação, no texto legal, não é qualquer palavra. Ela tem significado próprio, eminentemente técnico e trá-lo a Lei 4.375/1964, art. 20:

 

Incorporação é o ato de inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa das Forças Armadas.

Logo, no dispositivo da Lei do Serviço Militar – LSM, não há referência nenhuma às polícias “militares”, nem a corpos de bombeiros “militares”, nem a policiais ou bombeiros militares, nem a segurança pública. Forças Armadas são, apenas, as três: Exército, Marinha de Guerra e Aeronáutica Militar.

Qualquer dúvida remanescente poder-se-ia sanar com o só perpassar de olhos na LSM 4º., parágrafo único:

O Serviço prestado nas Polícias Militares, Corpos de Bombeiros e outras corporações encarregadas da segurança pública será considerado de interesse militar. O ingresso nessas corporações dependerá de autorização de autoridade militar competente e será fixado na regulamentação desta Lei.

Antes de continuar, vimos falando de “organizações militares”. É mais uma locução jurídico-militar e encontra-se definida no Decreto 57.654/1966 que regulamenta a LSM, art. 3o., n. 30:

Organização Militar da Ativa – Corpos (Unidades) de Tropa, Repartições, Estabelecimentos, Navios, Bases Navais ou Aéreas, e qualquer outra unidade tática ou administrativa, que faça parte do todo orgânico do Exército, da Marinha ou Aeronáutica.

Algum desavisado poderia, de boa-fé, contra-argumentar: mas ali se faz menção à “autoridade militar competente” daquelas corporações. Então? Simplesmente, não há então nem senão, porque temos de fazer a exegese devida, já que na época da Lei, geralmente, conferia-se a um coronel do Exército a figura de comandante das PM. De notar, ademais, que a Lei fala, pura e simplesmente, “Serviço”, logo não se trata de Serviço Militar, mesmo porque esse, prestado nas polícias e nos corpos de bombeiros militares, é atividade - efetivamente - paisana, de polícia e que diz respeito à segurança pública e à defesa civil o que, de resto, não é atividade, nem função militar, juridicamente compreendida. Há, na dicção legal, inclusive, reforço à condição não-militar quando diz que aquele serviço prestado naquelas corporações será considerado de interesse militar. Ora, nada mais óbvio do que isto, posto que as Forças Armadas têm todo o interesse do mundo em controlar, fiscalizar, restringir o contingente policial ostensivo e, portanto, não querem que tais corporações sejam mal administradas e acabem por criar tumultos e conflitos federativos. Eis, logo, o interesse militar estampado.  E aquele mero considerar de interesse militar per se não instaura, nas forças policiais paisanas uniformizadas, o caráter essencial militar.

Para ceifar, de vez, eventuais dúvidas, o caput da LSM 4º. estatui:

Os brasileiros nas condições previstas nesta Lei prestarão o Serviço Militar incorporados em Organizações da Ativa das Forças Armadas ou matriculados em Órgão de Formação de Reserva.

De novo, aquele distraído, poderia redarguir: mas, além das Forças Armadas, há, ali, referência aos matriculados em órgão de Formação de Reserva... E, dizem, as PM e os CBM são reserva do Exército.

Comanda a Constituição “cidadã”:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:"  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

A longa transcrição do artigo voltado à Segurança Pública da Carta Política, permitimo-nos, com a precípua função de salientar alguns pontos, inclusive aquele trazido por nosso incauto interlocutor, alhures referido.

Primeiramente, enfatizemos a perenidade atribuída a determinados órgãos policiais: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal conferida pelo Estatuto Político. Nada se diz disso, ou seja, da perpetuidade institucional com respeito às polícias, mal alcunhadas de civil e, pior, de militar. Depois, Forças Armadas (militares) e Segurança Pública (policiais “civis” e “policiais-militares”) alojam-se em capítulos e artigos distintos. Bastante lógico: funções estatais amplamente conhecidas e, absolutamente, distintas: militar e policial. O § 6º. do art. 144 é a fonte de onde bebeu nosso interlocutor. Contudo, devemos interpretar a norma porque, no caso, não vige o brocardo in claribus cessat interpretatio. Esse imbroglio conceptual vem de muito, muito longe. A má-formação histórica dos estamentos policial e militar, o “coronelismo”, a usurpação de funções civis pelos militares (não policiais, militares de 1ª. linha) etc. tudo isso é responsável por essa balbúrdia, insensatez e inadequação terminológica.

Por agora, sentimos necessidade de convocar alguns diplomas legais antigos – e já aludimos à Lei 192/1936 - que teriam sido o pano de fundo dessa confusa inserção na norma da CF 144, § 6º. Referimo-nos ao DL 200/1967 e o DL 667/1969.

O DL 200/1967, 61 reza:

O Exército é constituído do Exército ativo e sua reserva.

§ 1º. O Exército ativo é a parte do Exército organizada e aparelhada para o cumprimento de sua destinação constitucional e em pleno exercício de suas atividades.

§ 2º. Constitui a reserva no Exército todo o pessoal sujeito a incorporação no Exército ativo, mediante mobilização ou convocação, e as forças e organizações auxiliares, conforme fixado em lei.

Então, esclarecemos que a palavra matriculado (LSM 4º., caput) é termo técnico, próprio, dado ao ato de ingresso de alunos nas escolas militares (Decreto 57.654/1966 – regulamenta a LSM). Logo, essas escolas são organizações militares que formam militares. Por outro lado, os órgãos de formação de reserva das Forças Armadas são, por exemplo, os NPOR, CPOR, Tiro de Guerra.

São estabelecimentos de ensino militar de formação de grau médio, da linha de ensino bélico, destinado a formar o Aspirante-a-Oficial da Reserva de 2ª classe, habilitando-o a ingressar no Corpo de Oficiais da Reserva do Exército (CORE) e a contribuir para o desenvolvimento da Doutrina Militar na área de sua competência.

Os candidatos à matrícula nos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) ou nos Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR) devem comparecer à seleção, conforme indicado pela Junta de Serviço Militar.

Condições para ingresso:

Só é possível durante o período de seleção para o Serviço Militar Obrigatório (alistamento);

Os candidatos, se considerados aptos na Seleção Geral a que forem submetidos, serão encaminhados à Seleção Especial para CPOR / NPOR.

Os candidatos para CPOR / NPOR devem ter grau de escolaridade igual ou superior à 3ª série do Ensino Médio.[v]

Quanto aos tiros de guerra (TG), temos:

Outra forma de prestar o serviço militar é por meio dos Tiros de Guerra (TG) – órgãos de formação de reserva que possibilitam aos convocados, mas não incorporados em organizações militares da ativa, prestar o serviço militar inicial nos municípios onde estão residindo. Desse modo, os jovens convocados recebem instrução, conciliando-a com o trabalho e estudo. No Tiro de Guerra, o Atirador deverá permanecer por um período de 6 a 10 meses participando de atividades específicas das Forças Armadas, ao término do período o referido militar é licenciado das fileiras do Exército[vi].

No que tange à definição legal de Órgão de Formação de Reserva, vamos ao Decreto 57.654/1966, 3º., n. 31:

Órgão de Formação de Reserva – Denominação genérica dada aos órgãos de formação de oficiais, graduados, soldados e marinheiros para a reserva. Os Órgãos de Formação de Reserva, em alguns casos, poderão ser, também, Organizações Militares da Ativa, desde que tenham as características dessas Organizações Militares e existência permanente. Existem órgãos de Formação de Reserva das Forças Armadas, que não são constituídos de militares, mas apenas são orientados, instruídos ou fiscalizados por elementos das citadas Forças.

Essas mal denominadas polícias “militares” são, antes de tudo, polícias. O uso de farda, o aquartelamento, a incompleta estrutura formal de cargos elaborada por decalque a partir daquela dos militares (exclusivamente os do Exército e, ainda, sem as patentes do generalato) não as convolam em Forças Armadas, daí, ipso facto, jamais serão militares. Sequer os princípios da disciplina e da hierarquia mavórcios ou o uso de diplomas legais castrenses (Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar) para resolver problemas jurídicos dessas corporações policiais (idiossincrática e equivocadamente adjetivadas de militares) têm aptidão lógica e jurídica de torná-las militares. Nem mesmo a estapafúrdia redação da norma constitucional formal tem esse dom. A Polícia Rodoviária Federal veste farda e não é militar. Essas polícias, não obstante mal denominadas de “militares”, cuidam da segurança pública, do policiamento ostensivo,  da ordem interna, combatem o crime, administram o trânsito rodoviário etc. Tudo isso não é função militar, senão estritamente policial. Elas não defendem a soberania nacional – não têm preparo, nem treinamento militar (têm-no, somente, as Forças Armadas), nem destinação constitucional para tanto - não têm livre-trânsito no território nacional, suas atribuições são meramente locais, não são reconhecidas internacionalmente como organizações militares stricto sensu. Não participam do sistema do Serviço Militar Obrigatório. A bem da verdade, uma das condições sine qua non para ingressar em corporação policial “militar” é estar em dia com o Serviço Militar – que é prestado, exclusivamente, nas Forças Armadas. Essas polícias, ademais, não têm permissão legitimada do uso da violência (em que a instrumentalização da morte é permitida), devem contornar tumultos sem causar baixas. Ou deveriam.

Apesar da relativa anarquia com que surgiram essas corporações policiais no Brasil, certo é que o R-200, baixado pelo Decreto 88.777/83 – Regulamento das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, define-as lá no art. 46:

Os integrantes das Polícias Militares, Corporações instituídas para a manutenção da ordem pública e da segurança interna nas respectivas Unidades da Federação, constituem uma categoria de servidores públicos dos Estados, Territórios e Distrito Federal, denominado de "policiais-militares". (Destacamos).

Por seu turno, a Lei 6.880/1980, o Estatuto dos Militares dispõe:

Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.

 Forças Armadas são o braço operacional da soberania estatal; polícias “militares” são parcela do organismo da segurança pública estadual, Distrital ou territorial. Estados não são soberanos, fruem de certa autonomia, não são reconhecidos per se na ordem internacional, sequer têm personalidade jurídica de direito público internacional. O princípio federativo não lhes reconhece atribuição militar, senão policial local. Aliás, o Exército é que controla e administra os contingentes “policiais-militares” dos estados e o estoque de armamento (não é material bélico).

Por falar de princípio federativo, é interessante observar os artigos 1º. e 18 da Constituição Federal de 1988. É neles que se lhe apreende a noção e a relevância.

Não obstante o caráter colaborativo entre entes da Federação brasileira (União, estados, municípios e Distrito Federal), não podemos nos arredar da proeminência da União como baricentro do poder público, única detentora da soberania nacional e responsável pela permanência perpétua do Estado brasileiro independente no concerto das nações. Eis onde surge - sobranceiro e onipresente - e instala-se o conceito de soberania nacional; daí, por consequência, a missão das Forças Armadas como seu braço forte.

Não seria despiciendo colocar, por agora, a questão: se, como erroneamente posto na CF88, os membros das polícias “militares” dos estados e do Distrito Federal são seus “militares”, haveria de admitir-se a remota possibilidade, no mínimo hipotética, de que um estado qualquer  pudesse rebelar-se contra a União, ou a outro agredir, seja para obter a soberania e, portanto, transformar-se noutro país ou, então, para anexar outro a seu território em detrimento da própria União. Ou, então, àqueles limítrofes, atacar países vizinhos etc. Todavia, bem sabemos, tudo isso são ilações e não podem, nem devem, acontecer porque, a lume do princípio federativo, essas especulações não têm guarida jurídica. Um estado tem uma corporação policial, um corpo policial “ostensivo”, porém eminente e efetivamente civil, destinado a missões civis – isto é, policiais – já que eles não têm soberania. Ah, bem. Não nos esqueçamos da etimologia da palavra grega polícia, de πολις “polis”, relativo à cidade.

Em lúcido e ponderado discurso alusivo à Semana do Exército, nos idos de 2001, o general Paulo Roberto Laranjeira Caldas, afirmava[vii]:

Usar Forças Armadas, compostas, em sua maioria, por jovens recrutas não profissionais, no combate aos assaltos, seqüestros, roubos e violência de toda a ordem é uma irresponsabilidade, quando não leva em conta a natureza diferente entre a atividade policial e a atividade militar, e é um desrespeito à lei, quando não considera a destinação constitucional da mesma.

Repensar o papel constitucional das Forças Armadas, unicamente para legalizar sua utilização no combate à criminalidade, é demagogia que não vai resolver o problema da segurança pública e, ainda, vai destruir suas estruturas organizacionais e especificidades técnicas e profissionais, bem ao gosto dos interesses internacionais, que não precisam, repetimos, de Forças Armadas Nacionais comprometidas com a soberania ou com a função de defesa. É mais conveniente colocá-las na condição de Forças Policiais, bem afastadas do contexto das definições políticas do governo. (Grifamos).

De notar, Sua Excelência analisou bem, e muito bem, em poucas palavras objeto e função militar destrinçando-os da função policial.

Vários dispositivos do DL 667/1969 atestam, cabalmente, a natureza jurídica policial, logo não-militar das “polícias militares”. Vejamos, pois, alguns deles.

 

Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

 

a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;

d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial;

e) além dos casos previstos na letra anterior, a Polícia Militar poderá ser convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à Corporação o nível necessário de adestramento e disciplina ou ainda para garantir o cumprimento das disposições deste Decreto-lei, na forma que dispuser o regulamento específico.

§ 1º A convocação, de conformidade com a letra e deste artigo, será efetuada sem prejuízo da competência normal da Polícia Militar de manutenção da ordem pública e de apoio às autoridades federais nas missões de Defesa Interna, na forma que dispuser regulamento específico.

§ 2º No caso de convocação de acordo com o disposto na letra e deste artigo, a Polícia Militar ficará sob a supervisão direta do Estado-Maior do Exército, por intermédio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares, e seu Comandante será nomeado pelo Governo Federal.

§ 3º Durante a convocação a que se refere a letra e deste artigo, que não poderá exceder o prazo máximo de 1 (um) ano, a remuneração dos integrantes da Polícia Militar e as despesas com a sua administração continuarão a cargo do respectivo Estado-Membro. (Artigo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

 

(...)

Art. 6º O Comando das Polícias Militares será exercido, em princípio, por oficial da ativa, do último posto, da própria Corporação. (“Caput” com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§ 1º O provimento do cargo de Comandante será feito por ato dos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal, após ser o nome indicado aprovado pelo Ministro de Estado do Exército, observada a formação profissional do oficial para o exercício de Comando. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§ 2º O Comando das Polícias Militares poderá, também, ser exercido por General-de-Brigada da Ativa do Exército ou por oficial superior combatente da ativa, preferentemente do posto de Tenente-Coronel ou Coronel, proposto ao Ministro do Exército pelos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§ 3º O oficial do Exército será nomeado para o cargo de Comandante da Polícia Militar, por ato do Governador da Unidade Federativa, após ser designado por Decreto do Poder Executivo, ficando à disposição do referido Governo. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§ 4º O oficial do Exército, nomeado para o Comando da Polícia Militar, na forma do parágrafo anterior, será comissionado no mais alto posto da Corporação, e sua patente for inferior a esse posto. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§5º O cargo de Comandante de Polícia Militar é considerado cargo de natureza militar, quando exercido por oficial do Exército, equivalendo, para Coronéis e Tenente-Coronéis, como Comando de Corpo de Tropa do Exército. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§6º O oficial nomeado nos termos do parágrafo terceiro, comissionado ou não, terá precedência hierárquica sobre os oficiais de igual posto da Corporação.

§7º O Comandante da Polícia Militar, quando oficial do Exército, não poderá desempenhar outras funções no âmbito estadual, ainda que cumulativamente com suas funções de comandante, por prazo superior a 30 (trinta) dias. (Parágrafo com redação dada pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§8º São considerados no exercício de função policial-militar os policiais-militares ocupantes dos seguintes cargos:

a) os especificados no Quadro de Organização ou de lotação da Corporação a que pertencem

b) os de instrutor ou aluno de estabelecimento de ensino das Forças Armadas ou de outra Corporação Policial-Militar, no país ou no exterior; e

c) os de instrutor ou aluno de estabelecimentos oficiais federais e, particularmente, os de interesse para as Polícias Militares, na forma prevista em Regulamento deste Decreto-lei. (Parágrafo acrescido pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§9º São considerados também no exercício de função policial-militar os policiais-militares colocados à disposição de outra corporação Policial-Militar. (Parágrafo acrescido pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§10º São considerados no exercício da função de natureza policial-militar ou de interesse policial-militar, os policiais-militares colocados à disposição do Governo Federal, para exercerem cargos ou funções em órgãos federais, indicados em regulamento deste Decreto-lei. (Parágrafo acrescido pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

§11 São ainda considerados no exercício de função de natureza policial-militar ou de interesse policial-militar, os policiais-militares nomeados ou designados para:

a) Casa Militar de Governador;

b) Gabinete do Vice-Governador;

c) Órgãos da Justiça Militar Estadual. (Parágrafo acrescido pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12/1/83)

 

(...)

 

Art. 27. Em igualdade de pôsto e graduação os militares das Fôrças Armadas em serviço ativo e da reserva remunerada têm precedência hierárquica sôbre o pessoal das Polícias Militares.

Apontadas as fontes, podemos apresentar o resumo seguinte.

Essas, iteremos, mal denominadas “polícias militares” são, efetivamente, polícias ostensivas cuja natureza jurídica institucional é de polícia, competência de mantenedoras da ordem e segurança pública das unidades federativas; polícia preventiva e repressiva “fardada” (DL 667/1969,  3º.  caput e alíneas a, b e c).

Atender à convocação e mobilização do Governo Federal, em caso de guerra ou grave distúrbio da ordem pública, subordinando-se ao Exército para atuar em atividade policial de segurança pública na defesa interna e territorial. Cabe, aqui, um parênteses. O DL 667/1969 refere-se, sempre, à atividade policial que desempenhará a força auxiliar (esta locução não encontra nenhum significado técnico-jurídico, nem por aqui, nem no Direito Comparado de terras civilizadas; é oca e só vinga por mera repetição histórica. É mais uma daquelas persistentes idiotices da república dos bacharéis) nos casos de convocação e mobilização, além de, expressamente, falar de convocação e mobilização (o que, de resto, ocorreria para todo e qualquer reservista – que é paisano, como as polícias mal apelidadas de militares), nunca de incorporação; este último, sim, ato inaugural do ser militar.  Isso, portanto, já evidencia a impossibilidade jurídica de transformar essas forças policiais ostensivas em tropas militares. Evidente: funções distintas e estanques: policial e militar. O diploma pisa e repisa esse detalhe. Diz, aqui e ali, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas; que as polícias militares assim convocadas ou mobilizadas desempenharão funções específicas de polícia militar. As polícias militares poderão, ainda, ser convocadas, em conjunto, para fins de adestramento e disciplina e fiel execução do próprio DL (DL 667/1969, 3º., alíneas d e e).

Grave, parece-nos, o dispositivo da alínea e porque pode traduzir estado de anarquia geral e de falta de controle da corporação. Ainda assim, determina o diploma que essa situação será sem prejuízo de sua competência normal (policiamento). Nessa convocação global, ficará sob a supervisão direta do Exército e ser-lhe-á nomeado comandante oficial da Força Terrestre pelo Governo Federal. Essa convocação não poderá ultrapassar de um ano e o encargo da corporação continuará por conta da unidade federada (DL 667/1969, 3º., §§ 1º., 2º. e 3º.). Outro mal dessa previsão é possibilitar o arrebatamento das polícias estaduais, distritais etc. para fins que não se enquadram no ideário democrático.

O comando das polícias militares será, de preferência, exercido por oficial da própria corporação, do mais alto grau do oficialato, nomeado pelo governador, após  aprovação do Exército. Poderá, todavia, ser exercido por oficial combatente da ativa do Exército, general-de-brigada ou, ainda, tenente-coronel ou coronel. Nesse caso, o nome será sugerido pelo governador, após designação do Poder Executivo Federal. O oficial militar, nessa circunstância, ficará em disponibilidade do Estado e será colocado no mais alto grau do oficialato policial se sua patente militar for inferior àquela (DL 667/1969, 6º, §§ 1º., 2º., 3º. e 4º.).

Um ponto bastante interessante e que deve ser bem apreendido desse regramento é a preocupação expressa quanto à caracterização da natureza jurídica da atividade do militar do Exército posto à disposição da corporação policial militar. O diploma, toda vez que se refere à função das polícias militares realça-lhes o aspecto, a natureza jurídica, de polícia (eventualmente adjetivada de “militar”, mas, ainda assim, polícia). Todavia, no caso de comandante egresso da Força Terrestre de 1ª. Linha, o Exército, por opção ou por convocação, faz questão de repisar a natureza jurídica da atividade, que não se transforma, mantendo-se-lhe intacta a função militar, o que não se dá quando a “polícia militar” tem no comando um de seus pares: aí a função é (e é correto) policial, nunca militar. Há mais. Em qualquer situação, o oficial do Exército terá precedência sobre o policial militar. É nítida, pois, a impossibilidade de convolação de funções estatais: a policial na militar ou vice-versa. Este, pois, o ponto crucial da matéria. (DL 667/1969, 6º., §§ 5º., 6º.).

Para o policial militar inexiste outra possibilidade que não a de ser, sempre, policial “militar”, qualquer que seja sua disponibilidade. Assim, a natureza jurídica de sua função, de sua atividade, é única: policial “militar”, jamais militar ex vi legis. Ainda que aluno ou instrutor de instituição das Forças Armadas ou de outra corporação policial, no país ou no exterior; ou instrutor ou aluno de instituições federais de interesse policial (DL 667/1969. 6º., § 8º., a, b e c).

Estarão, sempre, em exercício de funções policiais-militares os policiais colocados à disposição de outras corporações policiais-militares. Da mesma forma, a função será policial-militar ou no interesse policial-militar quando o policial estiver cedido a órgãos federais (DL 667/1969, 6º., §§ 9º. e 10.).

A norma regente continua e salienta que estão, igualmente, em exercício de função policial-militar ou de interesse policial-militar aqueles policiais designados ou nomeados para casa militar de governador; gabinete de vice-governador e órgãos da Justiça Militar estadual (DL 667/1969, 6º., § 11, alíneas a, b e c). Isso é mais um ponto a evidenciar a inexistência de militar dos estados, territórios e do Distrito Federal. Eles não têm casa militar por uma singela razão, assaz jurídica: as unidades federativas, salvo a União, não têm soberania, não têm de defender-se de guerra. Por outro lado, inexiste o direito de secessão para elas e vige o princípio federativo. A República Federativa do Brasil é una, indivisível e soberana (CF88, 1º., I).

Pois muito bem. Pensamos ter deixado bastante claro e bem delineados os lindes entre função policial e função militar. A atividade policial, malgrado batizada de “militar” não confere a esses servidores estaduais e distritais status militar e gera execrável dicotomia departamental na segurança pública.