MÍDIA TELEVISIVA E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE

IDENTIDADE E CIDADANIA

 

 

Leonardo José do Carmo Silva[1]

Catarino de Oliveira[2]

RESUMO

           

            Tendo em vista os conceitos de emissor e receptor de informações, e atribuindo a função emissora à mídia televisiva, nos defrontamos com inúmeros exemplos de violência, segregação e perpetuação do capitalismo. Afinal, a velocidade de informação muitas vezes não oferece ao receptor tempo o suficiente para filtrar conteúdos e elaborar sua opinião acerca dos mesmos fazendo, portanto, que estes receptores simplesmente reproduzam os comportamentos, idéias e pensamentos oriundos do emissor, quando na realidade emissor e receptor, em tese, deveriam estabelecer uma relação mútua na transmissão de mensagens. Este estudo se deu em uma instituição escolar de Educação Infantil ao 1º ano do Ensino Médio.  Este estudo visa Associar o desenvolvimento da identidade individual ao sensacionalismo apelativo da mídia televisiva tendo como consequência o exercício, ou não, da cidadania e valores morais. A coleta de dados se deu baseada em Um questionário respondido por um grupo de vinte alunos adolescentes com faixa etária de 12 a 16 anos, da rede particular de ensino e pela observação de seus comportamentos cotidianos no ambiente escolar. Até que ponto a mídia televisiva pode influenciar no desenvolvimento comportamental e na formação de identidade dos sujeitos? As diferenças de nível intelectual alteram a maneira de compreensão de informações? Questões como estas serão discutidas e analisadas.

Palavras-chave: Mídia, influência, informação, comportamento.

 

ABSTRACT

            Considering the concepts of communication source and receiver, and assigning the source function to television media, we are faced with several examples of violence, segregation and capitalism perpetuation. Eventually, the information speed often does not provide to receivers long time enough to filter the content in order to develop their own point of view forcing them to take all those information, so that these receivers just reproduce the behavior, ideas and thought from that source, when, as a matter of fact, both source and receiver, in theory, should have a mutual relationship in the communication process. This study took place in a school that provides Educação Infantil until 1º ano do Ensino Médio. This study also aimed to associate the development of individual identity to sensationalist appeal of television media with the consequent exerting, or not, citizenship and moral values. Data collecting was based on a questionnaire answered by a group of twenty 12-16 years old student teenagers from a private Education Institution and on their school daily behavior watching. How far can television media influence the behavioral and identity development and individual formation? Questions like these will be discussed and analyzed.

 

Key-words: Media, Influence, Information, behavior.

Manipulação midiática e suas manifestações na sociedade

            Quem detém as elites culturais acaba detendo o poder de influenciar e até mesmo manipular, e embasados nessa premissa podemos associar o termo elites culturais à mídia que nos cerca. O paradigma neoliberal implica na velocidade rápida das informações, especialmente por meios tecnológicos, sendo o mais comum e popular o meio televisivo, que além de ter uma função comunicativa e de entretenimento, exerce considerável influência nos telespectadores, uma vez que, segundo Heidegger (2002), desde que o ser humano descobriu ser o único ser consciente de sua existência, há a tentativa exasperada de manipular um ao outro.

            A mídia pode ser considerada como um dos maiores segmentos econômicos do mundo que se converte em uma ferramenta de controle social, com o poder de fazer com que grande parte da sociedade passe a enxergar o mundo através de seus vieses, de sua ótica ditando e persuadindo com sua linguagem e recursos fantásticos e sedutores aos olhos humanos. Associada à subjetividade impõe discursos ideológicos gerando novos comportamentos, maneiras de agir, e por que não modelos sociais. Exemplos não faltam, estamos cercados pela linguagem conativa midiática presente nas telenovelas, seriados, filmes, programas de TV e desenhos animados.

            Para Debord (1997, p.14) “Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade”, e a parte mais sensível de nossa sociedade está centrada nas crianças e adolescentes, fase esta em que o desenvolvimento do caráter e aprimoramento dos valores sociais são trabalhados com mais intensidade principalmente no ambiente escolar. Associando a afirmação do autor esta pesquisa, percebemos a extrema relevância da discussão sobre os efeitos e consequência do poder da mídia na formação do sujeito.

            Ressaltar a constante distorção de valores culturais resultantes da má-interpretação de conteúdos assistidos, analisar discursos televisivos e seus poderes de persuasão e mimese são alguns dos problemas abordados neste estudo, afinal Para Popper (1994) "Ora, a televisão tomou-se hoje em dia um poder colossal; pode mesmo dizer-se que é potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus”.

            A manifestação da mídia televisiva em alguns casos viola os direitos básicos do ser humano e passa a se evidenciar a impossibilidade do raciocínio e da argumentação dos receptores fazendo surgir a necessidade da orientação quanto ao uso saudável e de utilidade pública dos Meios de Comunicação em Massa (MCM). Efeitos negativos podem ser sentidos como reflexos em todas as esferas sociais e os laços da relação entre mídia, educação, cidadania e desenvolvimento de personalidade se reforçam ainda mais quando, por exemplo, nos deparamos com programas de TV apelativos e sensacionalistas dos quais a TV se utiliza quase que a todo tempo.

            Para Ramonet (2002) as ações midiáticas são desenvolvidas a partir do contato com as necessidades do ser humano, suas vontades e suas limitações, com isto já se tem o foco de como e onde agir uma vez que tudo o que supre nossas necessidades nos remete a ideia de identidade, de afirmação de nossa personalidade, enfim, de poder. A mídia utiliza-se de recursos que seduzem os desejos do ser, simplesmente pelo fato de satisfazer nossos prazeres, ainda para Ramonet (2002, p.21):

Os colonizadores e seus opressores sabem que a relação de domínio não está fundada apenas na supremacia da força. Passado o tempo da conquista, soa a hora do controle dos espíritos. E é tanto mais fácil dominar, quando o domínio permanece inconsciente. Daí a importância da persuasão clandestina e da propaganda secreta, pois, a longo prazo, para todo império que deseja durar, a grande aposta consiste em domesticar as almas, torná-las dóceis e depois subjugá-las.

 

Adolescência

            A adolescência se caracteriza por mudanças em todos os sentidos e é inegavelmente o período em que a personalidade definitiva do indivíduo vai se estabelecer. É o momento no qual se tem a consciência do “eu”, e esta consciência se dá na busca de identidade baseada no outro, o que gera uma espécie de “crise de identidade”, o que acarreta preocupações, angústias, e também conflito de valores, uma confusão de conceitos e a eventual perda de determinadas referências.

Este período de sensibilidade exacerbada é o momento certo para que a mídia comece a seduzir através da proposta de ser o melhor, de estar sempre à frente, de ser notado, reconhecido e amado.

            Uma metáfora muito pertinente para ilustrar o comportamento adolescente é feita por Becker (2003, p.13):

Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo. Este ser que vivia em contato íntimo com a natureza e a vida exterior, se fecha dentro de uma “casca”, dentro de si mesmo. E dá inicio à transformação que o levará a um outro ser, mais livre, mais bonito e dotado de asas que lhe permitirão voar.

            Desta forma, é sentida a necessidade que a saída deste casulo seja a saída de um ser diferente, esteticamente bonito (mais uma imposição padronizada da mídia) e independente. Em outras palavras, este período de transição fica evidenciado pela fragilidade que abre as portas para a manipulação através de ideias e modelos ditados pelo ser mais forte, neste caso os meios de comunicação em massa.

            Segundo James (1867) a personalidade emerge da interação entre as faces instintuais e habituais da consciência com os aspectos pessoais e volitivos, ou seja, a personalidade se desenvolve no contato das múltiplas faces (ou vozes) de cada ser com suas vontades e desejos. Para tal, James (apud BALLONE,2008) ressalta que:

Frequentemente nós nos impressionamos com as estranhas diferenças em visões sucessivas de uma mesma coisa. Perguntamo-nos como pudemos ter opinado da forma que o fizemos no mês passado sobre um certo assunto. Superamos a possibilidade daquele estado de mente, embora não saibamos como. De um ano para outro vemos as coisas sob uma nova luz. O que era irreal tornou-se real, o que era excitante é agora insípido. Os amigos por quem costumávamos virar o mundo são deixados de lado; as mulheres, divinas em certo momento, as estrelas, as florestas e as águas, quão mundanas e comuns são agora; as garotas que trouxeram uma aura do infinito são, no presente, existências dificilmente distinguíveis; os quadros, tão vazios; assim como os livros, o que havia de tão misteriosamente significativo em Göethe, ou de tão pesado em John Mill?

Desta forma, notamos a inevitável inconstância humana resultante da oscilação de vontades e desejos de cada indivíduo, esta instabilidade se revela como uma fresta para que informações rápidas e variadas manipulem o indivíduo quanto à sua maneira de agir e de pensar e consequentemente de existir. São pontos de vista variados, são valores distorcidos, são muitas vezes elementos persuasivos subliminarmente disfarçados que a mídia televisiva em sua revela com sua linguagem apelativa e sensacionalista.

 

 

 

Uma abordagem prática

Não é de hoje que observamos o elevado índice de criminalidade entre jovens, uma mudança brusca de comportamento e uma brutal ruptura de valores em consequência de fatores diversos. É sabido que não podemos culpar única e exclusivamente a mídia por todas as mazelas de nossa sociedade, pois seres humanos vivem uma eterna disputa por domínio e manipulação.

Dados preocupantes fornecidos pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, sobre infrações e delitos praticados por adolescentes no período de 2000 a 2003 no estado da Bahia, nos mostra que crimes contra o patrimônio e contra pessoas tiveram seu índice consideravelmente elevado, seguidos de uso de entorpecentes, porte de armas e outros. Outro exemplo de domínio e influência midiática se faz notado na prática de jogos eletrônicos violentos por adolescentes. Estudos comportamentais do mesmo Centro nos oferecem dados que demonstram que nossos jovens preferem jogar vídeo games violentos a jogos não violentos.  Segundo pesquisas a cada 16 jovens jogadores 87,5% jogam jogos violentos e 12,5% não violentos.

Diante de tais informações, houve a necessidade de averiguar o que os adolescentes têm assistido na TV, com o objetivo de estabelecer uma relação com os gestos, atitudes, hábitos e comportamento por eles apresentados no ambiente escolar, tendo em vista a familiaridade que soa nos bordões, brincadeiras, vestuário e trejeitos como oriundos de determinados programas de TV, muitas vezes sendo reprodução mimética dos mesmos.


METODOLOGIA

Através de uma pesquisa descritiva visando observar, averiguar, registrar e analisar os aspectos curiosos e surpreendentes da relação mídia x influência, foi aplicado no Colégio Santa Clara COC em Caldas Novas – GO um questionário com perguntas fechadas para um grupo de vinte alunos adolescentes, visando investigar se o comportamento dos mesmos teria alguma possível relação com programas televisivos, filmes e jogos eletrônicos populares e de alto nível de audiência.

Este questionário facilitou a análise das respostas destes adolescentes com base nas suas realidades expondo suas ideias e conhecimentos acerca de determinados filmes e programas de TV de notória audiência e que veiculam programas com cenas de violência


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Vinte alunos responderam ao questionário, com faixa etária de doze a dezesseis anos, do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental.

25% dos adolescentes já assistiram a pelo menos um dos filmes “Jackass” (Paramount Pictures), filme este no qual em cenas reais, os personagens ultrapassam todos os limites e quebram regras, isto inclui colocar uma maçã entre as nádegas de um amigo e fazer com que um porco a coma, introduzir um carrinho de brinquedo no ânus e ir ao médico tirar raio – x, dentre outras atividades violentas e insanas.

85% dos entrevistados preferem o filme brasileiro Tropa de Elite (Universal Pictures do Brasil), filme que retrata o dia-a-dia do grupo de policiais e de um capitão do BOPE no ano de 1997 que está querendo sair da corporação e tentará encontrar um substituto para seu posto, paralelo a isso tem a história de dois amigos de infância que se tornam policiais e que se destacam pela honestidade e honra de serem policiais, e se indignam com a corrupção no batalhão em que atuam. Este filme é caracterizado por cenas fortes e sangrentas.

Aos domingos à noite 70% dos respondentes preferem assistir ao Programa Pânico na TV, exibido pelo canal Rede TV, que segundo Bastian (2006) é a afirmação do circo midiático. Um programa de humor caracterizado pela sátira cujo primeiro quadro foi "A Hora da Morte", em que uma pessoa se fantasiava de "Morte" com roupas pretas e uma máscara, e realizava brincadeiras de ofensivas com integrantes do programa ou pessoas que caminhavam pela rua. No entanto, o quadro foi extinto em 2005, quando o ator Diogo Lucas caminhava nu por uma rua e foi atropelado por uma motocicleta e encaminhado ao hospital, sem lesões graves. 

Perguntados aos entrevistados se acreditam que programas de TV violentos influenciam no comportamento das pessoas, 80% disseram que sim. Com base nos resultados, pode-se projetar um perfil do que os participantes têm como modelos, pois é cada vez mais comum vivenciarmos, principalmente no ambiente escolar, brincadeiras ofensivas que hostilizam e segregam ainda mais os indivíduos. Tais brincadeiras e comportamentos em sua maioria são reproduções do que foi visto em um determinado programa de TV, na cena de um filme ou de uma telenovela.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A mídia televisiva está intimamente ligada ao sensacionalismo de imagens e fatos que ao invés de comover os receptores, desenvolve neles uma tendência a normalizar e se acostumar com os mais hediondos atos, além da violência e da violação do respeito mútuo. A cada dia o ser humano passa de certa forma a deixar de existir atuando como cidadão crítico e argumentador, passando apenas a exercer um papel de mero receptor de informações variadas se sujeitando à distorção de seus valores, de sua cidadania e de sua cultura.

Há, no entanto uma possível solução para amenizar e até erradicar essa situação; quando educação e mídia estabelecem uma relação de parceria, grandes mudanças ocorrem. A educação tem a função de formar cidadãos críticos e reflexivos, produtores de sentido e construtores de conhecimento, utilizando a mídia como ferramenta para compartilhar conhecimentos e experiências.

            Expostos a tal realidade, os alunos, através de iniciativas que partam da escola, têm total capacidade de disseminar tudo o que nela retêm e atingir a outra extremidade deste processo de conscientização, ou seja, eles propagarão esses novos ideais na comunidade e no ambiente familiar que estabelece total importância no combate à violência em todas as suas formas, uma vez que o processo de educação se inicia em casa, e assim, a aplicabilidade dos conhecimentos fora da escola tenderá sempre a oferecer resultados eficazes e positivos na formação intelectual de caráter do ser humano. 

            Embora este estudo tenha sido feito e espelhado na realidade de uma escola particular, é interessante também ser executado na rede pública de ensino, pois o choque entre as classes sociais em nosso país é muito intenso e a pluralidade maior ainda. Em uma abordagem que sugere um resgate à cidadania e aos valores, esta pesquisa foi desenvolvida para que também suscite novas investigações

 


REFERÊNCIAS

 

BALLONE, G. J. - William James, in. PsiqWeb, internet, disponível em<www.psiqweb.med.br> revisto em 2008.

BASTIAN, Mariana. Pânico na TV: a (a)firmação do circo midiático.UNIrevista – vol.1, nº 3,jul.2006 disponível em: <http://www.alaic.net/ponencias/UNIrev_Bastian.pdf>.

BECKER, Daniel. O que é adolescência. 13. ed. Coleção primeiros passos. São Paulo, Brasiliense, 2003. 

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 12. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

POPPER, Karl; CONDRY, John. Televisão, um perigo para a democracia. Lisboa: Gradiva, 1994.

RAMONET, Igmacio.  Propagandas silenciosas: massas, televisão, cinema. Petrópoles,RJ: Vozes, 2002.



[1] Graduado em Letras – Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás; Tradutor e Professor de Idiomas no Ensino Fundamental e Médio do Sistema COC de Ensino; Tutor de pólo do Curso de Pedagogia da UNIP – Caldas Novas; e-mail: [email protected]

[2] Mestre em Ciências Ambientais e Saúde, Orientador do TCC/Artigo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4246375448718762.