Microcrédito e pobreza sobre a perspectiva de Vera Schattan

A autora, num primeiro momento, faz uma distinção entre os chamados programas de microcrédito “desenvolvimentistas” e “minimalistas”, que foram praticados pelos formuladores de políticas sociais no Brasil a partir da década de 90.

Os primeiros garantiam que os mais pobres tenham acesso não só à linha de crédito, mas também a uma gama de outros recursos financeiros que, combinados, os ajudariam a superar a condição de vulnerabilidade. Os programas desenvolvimentistas, pela amplidão dos serviços, exigiam alto volume de subsídio governamental.

                Já os programas minimalistas buscam processos de democratização do crédito via instituições auto-sustentáveis, que não requerem para o funcionamento qualquer tipo de investimento público para se propagarem e fortalecerem ao longo do tempo.

                A autora traz exemplos na Região Metropolitana de São Paulo. As instituições de microcrédito garantem a sustentabilidade mesclando em suas carteiras clientes pobres e os com alguma condição, de forma a diluir os riscos. Há, porém, uma dificuldade conceitual de se classificar quem, de fato, é “pobre” ou que necessita mais crédito do que os outros. Um problema que, segundo Vera, reflete até na forma de avaliar os reais impactos dos programas.

                “A pobreza se caracteriza não só pela baixa renda e pela falta ou precariedade de habitação, mas também pela carência de nutrição, saúde e educação, além de um sentido de falta de poder e de fatalismo. Dessa forma, os impactos devem ser buscados tanto no plano estritamento econômico quanto no social”.

                O artigo traz a tentativa de mensurar os impactos de três programas praticados na capital paulista e cidades do entorno: o Banco do Povo do Estado de São Paulo, mantido pelo Governo Estadual; o Banco do Povo de Santo André, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que recebe recursos do BNDES; e o Real Microcrédito, do Banco Real/ ABN Amro.

                “Ao selecioná-los, nosso objetivo não foi compará-los entre si, mas desenvolver uma metodologia de pesquisa que permitisse traçar um perfil dos clientes que estão sendo atendidos por esses programas e verificar se os créditos oferecidos estão contribuindo para ampliar seu bem-estar e suas perspectivas de vida, bem como de suas famílias”.

                Os dados são de 2002 e 2003, tempo em que usufruíram dos programas 901 clientes.

O valor médio dos empréstimos foi de R$ 2144, com juros cobrados entre 1%, do banco do Estado, a 3,5%, praticado pelo Banco Real e o de Santo André. 76% dos créditos são garantidos por um único avalista. 

                A autora iniciou uma pesquisa, em que 103 dos clientes se dispuseram a responder um questionário sobre os empreendimentos para os quais obtiveram crédito facilitado. As respostas indicaram que 18% dos que receberam crédito recebiam menos de um salário mínimo. Até cinco salários mínimos eram 84%. Entre os com até um salário mínimo, 75% se utilizam da rede de saúde pública. Em relação aos indicadores de educação, verificou-se que 42% chegaram a freqüentar o segundo grau. Apenas 5% ingressaram na universidade.

                Antes de se tornar empreendedor, 87% dos entrevistados tinham trabalhado como empregado. A maioria mantinha negócios individuais, dos quais 61% funcionavam em sua residência. Negócios variaram em venda de alimentos, costura, lavanderia, borracharia, transporte escolar. E 82% dos clientes que auferiram renda de até um salário mínimo nunca haviam recebido qualquer crédito anteriormente.

                Os questionários demonstraram que os resultados do microcrédito foram positivos. 47% dos que clientes que tinham renda até um salário mínimo no momento da contratação do crédito afirmaram que a sua alimentação se tornou mais variada e abundante. Verificou-se também que 25% dos entrevistados declaram ter aumentado os seus gastos com vestuário e 15% com educação. Constatou-se também que, após a obtenção do crédito foi comum a aquisição de telefone celular, máquina de lavar roupa, microondas e aparelho de som.  78% dos com até três salários mínimos afirmaram ter havido melhora no lucro de seus empreendimentos. Houve tamb´[em avanços na formalização dos negócios.

                 Em relação aos empregos, os 103 entrevistados reportaram a criação de cinqüenta vagas de trabalho. 34 micro empreendedores garantiram realizar remunerações regulares aos empregados.

                 “Essas informações apontam impactos socioeconômicos positivos dos programas de microcrédito, mas ainda se referem a experiência de curto prazo dos clientes Fica portanto a questão de investigar em que medida esses impactos se sustentarão ao longo do tempo”.