Minha esposa costuma me criticar por eu não ter a capacidade de guardar informações como nomes ou fatos narrados por pessoas amigas ou parentes, durante encontros do dia-a-dia. Parei pra refletir sobre o que ocorre e sempre me desculpei com ela pela falta de memória, o que ela considera uma memória seletiva proposital. Mas, apesar de considerar estas situações como um aparente e grave desrespeito aos meus amigos e parentes, analisei os fatos da seguinte maneira:

Ao longo de minha vida fui pesquisador por quase 30 anos, onde minha tarefa era pensar com inovação para a criação de novos projetos e soluções tecnológicas nunca antes imaginadas. Neste exercício, as informações coletadas de trabalhos e pesquisas anteriores serviam como registros, mas não deviam criar barreiras ou paradigmas para uma nova solução a ser criada na mente.

O cérebro humano é como um computador com núcleo único. É incapaz de processar múltiplas informações ao mesmo tempo. E quanto mais leve sua memória ocupada, mais rápido consegue efetuar seu processamento. É como um liquidificador que, quanto mais leve seu conteúdo, mais velozmente e eficientemente consegue processar e triturar o que há dentro dele. Depois de processado, o conteúdo é entregue para seu consumo. Um liquidificador não existe como espaço de armazenamento, mas sim para o processamento do conteúdo que lhe foi entregue. Da mesma forma, considero que as informações entregues ao cérebro se destinam ao processamento na forma de ideias e experiências novas no dia-a-dia. Após processadas, as informações mais importantes podem ser preservadas de outras formas, através de registros como fotografias, diários, filmes e livros. Deste modo, cada vez que forem novamente consultadas serão novamente processadas, gerando novos sentimentos e sensações nem sempre iguais às percebidas da primeira vez.

Meu irmão, escritor, costuma dizer que os livros não são lidos pelos leitores, mas sim estes leitores são lidos pelos livros. Percebemos isto, pois ao relermos um determinado livro conseguimos alcançar sensações e percepções novas não experimentadas na primeira leitura, e assim sucessivamente, quantas outras vezes voltarmos a lê-lo. Por este motivo, as informações dos livros não precisam ficar integralmente armazenadas em nosso cérebro, mas se tornam registros importantes que são guardados em nossas estantes ou ebooks pelas experiências boas que nos permitiram e permitirão propiciar.

Recordo-me também das palavras de um grande amigo que sempre diz que a memória é a fraude da inteligência. Em sua análise, muitas pessoas dotadas de grande memória passam horas narrando suas informações nas rodas de amigos e são por estes consideradas muito inteligentes. Mas, por diversas vezes, estas mesmas pessoas podem ter dificuldade de abrir sua mente para novas ideias, pois já se consideram detentoras de toda a informação necessária e formaram sua verdade absoluta.

Nesta mesma linha, um antigo chefe de divisão e comandante de Marinha – com quem trabalhei há décadas no Rio de Janeiro - citava uma pérola de definição da ignorância humana. Ele descrevia a inteligência humana como o espaço contido numa esfera de conhecimento, e assim o desconhecido seria, portanto, todo o espaço restante fora desta mesma esfera. Neste raciocínio, a ignorância humana poderia ser definida como a interface entre o conhecido e o desconhecido e, portanto representada pela área da esfera do conhecimento. Ao admitirmos esta analogia, concordamos que a ignorância humana aumenta numa razão quadrática com o raio do conhecimento. Assim sendo, dizia meu amigo e antigo chefe: “Quando lhe chamarem de ignorante agradeça!” Na mesma linha ele ainda citava conhecer várias autoridades que se diziam detentoras da verdade, mas que seriam os chamados “cérebros de ervilha”. Para estes, não existia nada mais a aprender com os outros à sua volta. Daí sua grande facilidade para dar ordens, sem constrangimento algum.

Também, a parábola do empresário, que foi buscar sabedoria com um sábio monge num mosteiro tibetano, reforça esta mesma tese. Ao ser recebido pelo monge, este lhe ofereceu um copo de água. Para a surpresa do empresário, ao servi-lo o monge seguiu despejando água no seu copo mesmo após o transbordamento. Em resposta ao espanto do empresário o monge lhe disse: “Meu caro, se vieste a mim para buscar por sabedoria, antes esvazia teu cérebro para permitir que algo novo te seja passado”.

Desta forma, após todas estas reflexões, deixo aqui mais um registro de ideias processadas a respeito de meu próprio cérebro. Compreendo, portanto, que meu cérebro existe para processar as informações visuais, auditivas e textuais que recebo de forma a me prover experiências de vida. Porém estas mesmas informações, quando muito importantes, devem ser armazenadas sob a forma de registros e não mais ocupando a mente, que precisa estar livre para processar novas informações e construir novas experiências. Cada vez que sentamos de frente para o mar conseguimos observar a inconstância das ondas e da brisa sentindo uma experiência que jamais será repetida exatamente igual. Mas anos depois, ao olhamos uma fotografia daquele mesmo mar, conseguiremos despertar em nosso cérebro sensações muitos boas pelas lembranças daquela experiência vivida. Mesmo que voltemos a sentar na mesma praia, já veremos outras ondas em diferentes tamanhos e direções. Assim teremos outra experiência de vida diferente da primeira e, certamente, com novas percepções.

Portanto, não quero aqui que meus amigos e parentes se magoem pelo motivo de eu não ter a capacidade de armazenar em meu cérebro os fatos e informações que me narraram. Mas tenham certeza de que buscarei sempre estar novamente próximo deles para processar novas e ricas experiências para minha vida em mente e corpo.