Método de Produção de Sabão à Base de Cinzas e Óleo de Coco

        Rodolfo Bernardo Chissico & José Soares Castelo Branco

Curso de Química, Universidade Pedagógica de Moçambique, Delegação de Nampula
e-mail: [email protected]; [email protected]

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Resumo

Considerando a intensa necessidade do sabão, um dos produtos de limpeza conhecido, usado pelas civilizações a bastante tempo e a situação económica, educacional e social de Moçambique, surgiu a necessidade do desenvolvimento da pesquisa que visa elaborar um método de produção de sabão à base de substâncias de fácil aquisição e produção (cinzas e óleo de coco) capaz de ser usado para a produção de sabão pelas comunidades, como também pelas escolas principalmente rurais para experiências laboratoriais nas aulas de Químic. A pesquisa consistiu no método experimental, através do qual fez-se a determinação da concentração de álcalis totais nos extractos de cinzas do carvão brachystegia spiciformis, comummente conhecido como messassa, mpapa, tsonzo e a realização de experiências de produção de sabão à base das matérias referenciadas no tema. Realizou-se duas experiências preliminares de produção de sabão com base nos métodos já estudados que empregam o hidróxido de sódio no processo de saponificação com objectivo de analisar a função das substâncias envolvidas e, seguiu-se a fase do estudo de método de produção de sabão à base de cinzas e óleo de coco.  Das diversas experiências desenvolvidas conclui-se que o sabão à base de cinzas e óleo de coco deve ser produzido a partir do extracto de cinzas e não a partir do emprego directo de cinzas como augurava-se. A reacção de produção do sabão deve ocorrer a quente e deve-se submeter ao processo de salga que consiste na transformação do sabão líquido em sólido e também contribui para a separação do sabão das lixívias e glicerina que possa conter. Verificou-se que muitas variáveis como: temperatura, proporções das substâncias: extracto de cinzas e óleo de coco, concentrações de álcalis totais nos extractos de cinzas definem a qualidade do sabão a ser produzido à base desse método.

 

Palavras-chave: sabão, cinzas, óleo de coco, extracto, método.

 

1.      Introdução

A melhoria das condições e qualidade de vida da sociedade em geral, depende em grande parte da aplicação dos conhecimentos da Química, que permitem a produção de diversos produtos desde a limpeza até às diversas necessidades. Num país do terceiro mundo, como Moçambique é indispensável o desenvolvimento de acções que visam facilidades na aquisição de certas substâncias do uso quotidiano, como é o caso do sabão, objecto do estudo da pesquisa.

 

Sabão é o mais antigo produto de limpeza, definido como resultado da reacção designada saponificação, que envolve ácidos graxos e hidróxidos principalmente de sódio e potássio, (ALLINGER, 1976).

 

No processo de produção do sabão são usadas variedades de matérias, de acordo com a metodologia e os tipos de sabões a produzir porém, essas matérias podem ser classificadas em três (3) tipos: graxas, alcalinas e auxiliares. Contudo, muitas metodologias estudadas envolvem o uso de matérias de elevado custo. Face a isso, a pesquisa encontra a sua extrema relevância pelo tipo de material a privilegiar.

 

Analisando a constituição básica das cinzas que inclui dentre muitos óxidos os de sódio e potássio (SILVA e LANGE, 2008), e na perspectiva de encontrar um método que possibilitará a produção do sabão (nas comunidades como nas escolas “práticas laboratoriais”), surge o seguinte problema de pesquisa:

 

            Como produzir sabão a partir de cinzas e óleo de coco?

 

O emprego directo de cinzas, ou, a extracção do material solúvel existente nas cinzas para o emprego na saponificação com o óleo de coco constituem as vias alternativas para a produção do sabão à base dessas matérias.

 

O objectivo geral do trabalho, centra-se na elaboração do método de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco, substâncias que podem ser encontradas, produzidas ou importadas/exportadas em ou para qualquer ponto do nosso vasto Moçambique.

 

  1. 2.      Parte experimental
2.1.Colecta da matéria – prima

As cinzas foram produzidas e colectadas pelo autor a partir da incineração do carvão das espécies: brachystegia spiciformis (messassa, mpapa, tsonzo) designado MS e bridelia micrantha (melacha, melelha, mussaba) designado ML, classificadas como espécies da 2ª e 3ª classes respectivamente, (Ministério da Agricultura, 2005). O carvão foi obtido em duas regiões do distrito de Massinga, província de Inhambane nomeadamente: Chicomo e Xihunze nos meses de Novembro de 2008 e Maio de 2009

 

O óleo de coco foi obtido em Massinga, província de Inhambane.  Geralmente para o produção do óleo de coco, primeiro descascam-se os cocos e são ralados.  Uma vez ralados, prensam-se para lhes extrair até a última gota do sumo que é comummente conhecido pelo nome de leite de coco.  Coa-se bem o leite de coco e é colocado numa panela para a cozedura.   A cozedura é feita até a massa secar pois, o óleo de coco fica pronto quando a água que o leite contem para de ferver.  Nesse momento retira-se a panela da fonte do calor e coloca-se num recipiente até esfriar por completo, engarrafando-se em seguida.

 

2.2.Caracterização das cinzas

Para os testes físicos, foram analisadas as características do carvão e das respectivas cinzas.

 

As análises químicas consistiram na determinação da concentração de álcalis totais (teste de lixiviação) por titulação com o padrão primário ácido oxálico (titulante) a 0,2 N.  Neste caso, preparou-se cinco extractos de cinzas (cinza:água 1:2) de carvão MS com tempos de maceração diferentes e submetidos ao processo de agitação por meio duma vareta, três vezes por dia até a efectivação das análises. Após aos resultados das análises, preparou-se o extracto a ser usado nos ensaios de produção do sabão. O processo de maceração durou nove dias.

 

3. Experiências de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco

Realizou-se uma série de experiências de produção do sabão com o objectivo de obter recomendações úteis para a elaboração do método de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco. As experiências consistiram no emprego de cinzas e extracto de cinzas, variando-se as proporções das substâncias, conforme resultados obtidos em cada experiência. Foram usadas as seguintes substâncias: cinzas, extracto de cinzas, óleo de coco, cloreto de sódio (sal da cozinha comum) e água. Os sabões obtidos foram submetidos aos testes de verificação das propriedades de acção de lavagem negro – de – fumo, tensioactivas e emulsionante, (CHITEVE, 2004 citando Teixeira).

 

4.      Resultados e discussão

Os resultados dos testes físicos das duas variedades de carvão e respectivas cinzas, mostraram favoritismo à espécie MS que é sensível ao fogo e produziu cinzas brancas, ricas em óxidos dos metais alcalinos (MONTEIRO, 1966).

 

A Tabela 1 mostra os resultados das análises químicas da determinação da concentração de álcalis totais nos extractos de cinzas do carvão MS feitas com objectivo de verificar a relação existente entre o tempo de maceração das cinzas e a concentração de álcalis totais.

 

Tabela 1: Concentração dos álcalis totais dos extractos de carvão MS

Extracto

Tempo de maceração (dias)

Volume em ml

Concentração normal dos álcalis totais

Extracto

Titulante

1

1

15

25,8

0,34

2

2

15

30,6

0,41

3

3

15

46,6

0,62

4

4

15

49,9

0,67

5

5

15

51,2

0,68

 

Os dados da Tabela 1 mostram claramente que quanto maior for o tempo do processo de maceração mais elevado será o valor da concentração de álcalis totais. Pois, a velocidade do processo de maceração é lenta. Consoante esta dependência o extracto a ser aplicado para os ensaios de produção do sabão, levou nove dias em processo de maceração, tendo alcançado uma concentração de 0,96 N de álcalis totais.

 

Tabela 2: Características dos sabões produzidos à base de cinzas e óleo de coco

Experiência e designação do sabão obtido

Características dos sabões obtidos

Consistência

Cor

Espuma

Estado físico

Cheiro

 

1*

Duro e áspero

Cinzenta à branco (cor das cinzas)

Não forma

Sólido

 

 

 

 

 

Semelhante ao cheiro do óleo de coco

 

 

2

 

Duro

 

Branca amarelada

Formação rápida, bolhas pequenas

 

Sólido

 

3

 

Líquido

Amarela vermelhada

Formação lenta e não duradoura

 

Líquido

 

4

 

Muito duro e quebradiço

 

Branca

Formação muito rápida, bolhas grandes e duradouras

 

Sólido

 

 

5

Muito duro e pouco quebradiço

 

 

Branca

Formação rápida, bolhas grandes e pouco duradouras

 

Sólido

6

Apresentam características semelhantes às do sabão 4

7

* Obtido a partir do emprego directo de cinzas.  Para os restantes empregou-se extracto.                                                    

 

A saponificação em 1 foi incompleta. Isso deve-se em parte as cinzas usadas que continham muitos resíduos sólidos alguns inertes e outros com propriedades desconhecidas. Também, o sistema de cozedura das substâncias operava a uma temperatura de 110º C, aquém da temperatura mínima (138º C) recomendada, (KOULECHOVA e MUAMBE, 2001) citando Manual da Saboaria.

 

Depois dos resultados em 1, usou-se para as restantes experiências extracto de cinzas, variando as proporções das substâncias. Para a experiência 2, obteve-se o extracto (0,2 N) via fervura de cinzas. A fraca solubilidade deste sabão, justifica a saponificação incompleta, (FERNANDO, 2002).

 

A validação do cloreto de sódio como substância fundamental no processo de salga, foi testada na experiência 3 que resultou num sabão líquido, impulsionado pela não adição do cloreto de sódio. Isso revelou o maior teor de óxido de potássio na composição de cinzas (CHIES, SILVA E ZWONOK, 2008) cujo hidróxido origina geralmente sabões líquidos.

 

Sabões altamente clarificados foram obtidos em 4, 6 e 7, resultados da saponificação completa do óleo de coco, comprovada pela não observação do excesso de óleo após a cura contrariamente aos sabões 1, 2, 3 e 5. Nessas experiências, elevou-se previamente a concentração do extracto de cinzas até 2N pela evaporação da água (experiências 4 e 6) e pela introdução repetitiva de extracto (experiência 7). As proporções das matérias para esses sabões foram: 40 ml de extracto, 2 ml de óleo de coco e 8g de cloreto de sódio excepto para o sabão 7.

 

O sabão 5 apresentava um excesso de óleo. Salienta-se que foi adicionado 10 ml de vinagre na perspectiva de diminuir o grau de alcalinidade do sabão, facto não comprovado devido a falta de equipamentos no local onde desenvolveu-se a pesquisa.

 

Quanto aos testes de verificação da propriedades, os sabões 4 e 6 produzidos apresentam alta capacidade tensioactiva na ordem de 80% quando comparados com o sabão maenato[1].  O mesmo verificou-se na propriedade da acção de lavagem negro-de-fumo onde as soluções desses sabões arrastaram maior parte das partículas do negro-de-fumo pela adsorção, tornando os seus filtrados bastante turvos e na capacidade emulsionante, o que leva a concluir que esses sabões são os melhores.

 

Com base nas experiências de produção de sabão à base de cinzas e óleo de coco desenvolvidas, obteve-se recomendações a partir das quais, propõe-se dois métodos de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco.

 

  1. 5.      Métodos de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco

Substâncias

Extracto de cinzas

Óleo de coco

Cloreto de sódio (NaCl) “sal de cozinha comum”

 

5.1. Método A
Procedimentos

1. Ferver no mínimo 80 ml de extracto até o volume baixar à metade e depois resfriar num banho–maria até a temperatura do extracto baixar aproximadamente para temperatura ambiente (25º C);

2. Introduzir 8 g de cloreto de sódio no recipiente a usar para a cozedura das substâncias;

3. Adicionar 2 ml de óleo de coco;

4. Introduzir 40 ml de extracto previamente concentrado do ponto 1;

5. Mexer a mistura muito bem até a dissolução total do cloreto de sódio;

6. Levar a mistura à fervura.  Após cerca de alguns minutos, poderá observar a formação de espuma que irá elevar-se de nível e depois de um tempo baixará até ao nível mais baixo.  Neste momento, aparecerão salpicos, o sabão está pronto.

7. Retirar o recipiente da fonte do calor.  Despejar a massa numa forma.  Depois de um dia do processo de cura do sabão já está em altura de ser usado.

 

5.2. Método B

Procedimentos

1. Pesar 8 g de cloreto de sódio e introduzir no recipiente a usar para a cozedura das substâncias;

2. Adicionar 4 ml de óleo de coco;

3. Introduzir 40 ml de extracto;

4. Mexer a mistura muito bem até a dissolução total do cloreto de sódio;

5. Levar a mistura à fervura.  Após cerca de alguns minutos, poderá observar a formação de espuma não consistente que baixará de nível imediatamente.  Neste momento adicionar mais 40 ml de extracto.  Depois, a espuma aparecerá novamente, eleva-se de nível e baixa seguidamente.  Finalmente, aparecem salpicos que indicam que o sabão está pronto. 

7. Retirar o recipiente da fonte do calor.  Despejar a massa numa forma.  Depois de um dia do processo de cura do sabão já está em altura de ser usado.

 

Nota: poderá observar na forma (recipiente onde vai despejar a massa) um líquido (excesso: glicerina e extracto). Retirar o excesso antes de usar o sabão. Caso queira quantidades elevadas, deve multiplicar todas variáveis pelo mesmo factor.

 

Precauções: Os extractos de cinzas são produtos cáusticos que podem queimar a pele por isso, deve-se tomar muito cuidado no processo da produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco. Deve-se usar recipientes de vidro ou de barro.


6.      Conclusões

O sabão à base de cinzas e óleo de coco, só pode ser produzido a partir dos extractos de cinzas (ricas em óxidos dos metais alcalinos, como o caso de cinzas da espécie MS). As cinzas a partir das quais serão obtidos os extractos, devem ser submetidos ao processo de maceração que deve levar o mínimo de nove dias e deve empregar quantidades elevadas de cinzas e água na proporção de 1:2.

 

O processo de salga é indispensável neste método para evitar a obtenção dum sabão líquido devido ao elevado teor de óxido de potássio que as cinzas contêm. O processo deve operar a altas temperaturas. Contudo, não existe um único método específico para a produção desse sabão.

 

7.      Recomendações

Recomenda-se a pesquisa doutras espécies de carvão e outras gorduras para a produção de sabão; que se desenvolva um método de produção do sabão sólido ou mole à base de cinzas sem o emprego de cloreto de sódio ou doutros sais; o desenvolvimento de um método de produção do sabão à base de cinzas e óleo de coco empregando corantes e perfumes.

 

8. Referência bibliográfica

1. ALLINGER, Normam L. et al, Química Orgânica, 2ª Edição, Rio de Janeiro, Editora                   Guanabara, 1976.

2. CHIES, F., SILVA, N. I. e ZWONOK, O., Desenvolvimento de blocos e tijolos a  partir de             cinzas de fundo de carvão–CIPECAL, [online] Disponível na Internet via             WWW.URL.http://habitare.infoorg.br, Arquivo capturado em 2008.23.08

3. CHITEVE, L. Rafael, Pesquisa Exploratória da Produção e Uso dos Detergentes             Naturais, Monografia Científica para a obtenção do grau académico de Licenciatura             em Ensino de Biologia–Química, Departamento de  Química – Biologia, Beira,             Universidade        Pedagógica, 2004.

4. Instituto de Tecnologia do Paraná, [online] Disponível na Internet via correio             electrónico: www.tecpar.br, Sabão em pó; Fabricação; Processo, 09 de Março de             2005.

5. Ministério da Agricultura, Manual de Legislação de Florestas e Fauna Bravia,             Maputo, Direcção Nacional de Florestas e Fauna Bravia (DPFFB), Volume 1, 2005.

6. MONTEIRO, Eugénio, Elementos de Física–Química, 6ª edição, Coimbra, Editora             Limitada, Volume II, 1966.

7. ------------------------------ Propriedades do Sabão [online] Disponível na Internet via             WWW.URL:http//www.cdcc.sc.usp.br/química/.../sabãohtml Arquivo capturado em             13 de Julho de 2008.

8. SILVA, M. L. e LANGE, L. C., Caracterização das Cinzas de Incineração de             Resíduos de Serviços de Saúde, [online] Disponível na Internet via             WWW.URL:http://www.scielo.br/scielo.php  Arquivo capturado em 02 de Setembro             de 2008.

9. KOULECHOVA, Tatiana e Manuel Muambe, Compêndio dos Trabalhos Feitos e             Defendidos no Departamento de Química Período 1999 a 2001, Departamento de             Química, Beira, Universidade Pedagógica, 2001.

 

 



[1] Sabão produzido na cidade da Beira