Crônica

                                              MESMO QUE AMANHÃ NÃO FAÇA SOL

                                                                                     Edevaldo Leal

 

                                          Nonatinho não reclama. Mesmo que amanhã não faça sol, ele levará o recado para alguém em algum lugar. Os passos de Nonatinho são  rápidos, seguros, vigorosos, como os passos de quem  tem pressa de chegar. E Nonatinho tem pressa. São muitos os recados que ele precisa levar. Até recados de amor  já entregou. É assim que ele ganha a vida , levando recado dos outros, quando não está entregando panfletos de propaganda comercial. Entregar panfletos, fazer mandados, levar recados, é isso que Nonatinho sabe fazer, pontual no que lhe pedem, ainda que meio impronunciadas saiam as palavras de sua boca  quase desdentada.

                                          Conversei com algumas pessoas em busca de informação, mas ninguém, por estas bandas do sertão nordestino, soube informar sobre a origem de Nonatinho. O que me disseram é que ele recita perfeitamente o  recado aos destinatários, recebe uns trocados pelo que faz e, de quando em quando, alivia as frustrações de alguns, recebendo sem revolta as pilhérias que  lhe fazem. Nenhuma vaia, nenhum desdém lhe debilitam a alma  . Leva tudo na brincadeira, mostrando a gengiva descoberta.

                                           Bem vestido? Nunca alguém o viu em trajes de festa ou de missa de domingo, que Nonatinho só sabe, mesmo, trabalhar. Dizem, até, que seria estranho vê-lo assim em roupas domingueiras. Bem vestido, ele seria ridículo. Roupa nova e bem passada não lhe cairia bem no corpo magro coberto com as vestes do trabalho informal. Nonatinho é conhecido por ser prestativo, pelo jeito apressado de andar, pelo sorriso fácil, pela   vida quase errante que leva e  pelo que tem: o nada  de indefinidos paradeiros. Sua marca registrada é a da simplicidade extrema: as sandálias gastas arrastando-lhe os passos, a camisa barata de estampa colorida colada ao corpo suado e uma felicidade que transborda  na boca  sorridente. Ao abrir-se em  sorrisos,  um  grande, visível e estragado dente salta-lhe da boca, o  que o torna  o alvo predileto  da curiosidade alheia.

                                         

                                         Família? Origem? Esse homem de um só dente na imperfeição da boca, dizem, é meio reticente, quando perguntado sobre sua família e sua origem; outros o defendem: a mente de Nonatinho não é capaz de organizar ideias. Juntar os pedaços da vida dele seria fazê-lo mergulhar em uma história que sua mente provavelmente não conhece. As letras que formam essa história foram apagadas ou nunca existiram nas páginas da sua memória.

                                        Nonatinho não tem estudos, não tem emprego, não tem casa, mora de favor.

                                         Há até quem diga que ele veio não se sabe de onde para Pedreiras, pensando que aqui fosse o Rio de Janeiro. Ainda bem que veio  para cá. Lá, talvez fosse um anônimo e viraria estatística na curva perdida do desconhecido. Aqui, pelo menos, foi bem recebido, é estrela que às vezes brilha para alguns, às vezes um sonolento e indesejado estorvo para quem poderia melhorar-lhe a vida  e o ignora .

 

                                        Tanto faz.  A vida, para Nonatinho, se resume a servir à cidade que o acolheu.                                          

                                        Nonatinho nunca lerá esta crônica, mas, amanhã,  poderá levar um recado  meu para alguém em algum lugar.

 

                                                         Pedreiras/MA, 19 de julho de 2013.