SINISTRO

 “... Delegado Matoso disparou cinco tiros em minha bola de cristal e a sexta bala em sua...”.

    Aqui em Marabá, da minha modesta banca de revistas, tudo vejo e de tudo sei, pois além da venda de jornais, revistas, e outros aparatos do gênero aproveito meus dons mediúnicos para ganhar um dinheirinho. Sou muito procurada pelas madames histéricas, por aqueles maridos traídos por vocação e pelas mocinhas casadoiras.

    _ É só barraco! Delegado Mattoso, é só tristeza, e nós disso entendemos bem. O senhor com o vício do álcool e eu viciada em bombons de chocolate e cigarros. O senhor delegado, faz bem o seu papel: investigar, acusar e levar para a punição. O senhor me acusa por eu dar um pouco de paz às almas apoquentadas pela desilusão. Eu evoco minhas entidades do cosmo, revelo a verdade e aconselho os desatinados. Bom, mas o senhor veio aqui para me entregar á polícia, não é? Espere, eu vou pegar a minha bolsa e vamos logo com isso.

     O delegado Mattoso, no auge de sua carreira, abandonou tudo e como por encanto, construiu uma enorme casa em um bairro mais afastado e tranqüilo da cidade, comprou carro do ano e várias outras mordomias, mas de repente ele ficou sozinho. Mulher e filhos foram embora sem explicação.

     O delegado Mattoso, passou a beber desde então. Perambula pelas ruas da cidade como um fantasma trôpego e desvairado. Já destruiu o carro num poste. Sempre usa uma capa de chuva cinza, mesmo quando não está chovendo. Carrega no bolsão da capa a garrafa de conhaque, o que bebe sedento, derramando pela vasta barba grisalha que já lhe cobre o peito. Sua ultima atuação, antes de abandonar o cargo, foi no caso do menor. M.A.P.S.Filho, menino prodígio de dez anos, seqüestrado por três marginais fugitivos  da Penitenciária Estadual do Pará.

Estes pediram como resgate a quantia de meio milhão de dólaresem ouro. Mattosodedicava-se, na época a este caso. Destemido e determinado foi ao local exigido pelos seqüestradores. O ouro deveria ser deixado numa vala do km 117, próximo a uma lendária castanheira.

     As manchetes correram pelo país. Nada de ouro, nada de menino. Houve um tiroteio, quando os seqüestradores eliminaram o menor, que segundo contam, tinha certos poderes sensitivos. O delegado Mattoso foi obrigado a matar os bandidos sanguinários, mas um teria fugido com o dinheiro.

     Por vezes, num misto de delírio e saudosismo, Mattoso volta à ativa se importando com macumbeiros que dizem saber do passado, do presente e do futuro e com as prostitutas que vagam pelas ruas que ele mesmo perambula pela madrugada com sua garrafa de conhaque.

     Voltei à sala com a bolsa, já pronta para ser levada para a delegacia, quando Mattoso desesperado e alucinado gritou:

     _ Dona Fátima Zoraide, esta bola maldita, aquele menino maldito, ele está dentro dela, ele me persegue...

                    Delegado Matttoso disparou cinco tiros em minha bola de cristal e a sexta bala em sua própria cabeça. Em sua casa, subterraneamente na parte da churrasqueira na área de serviço, foram encontrados os corpos de sua mulher e filhos, do menino seqüestrado e do terceiro seqüestrador.

Atiana Gomes  e Mara Nascimento