SINHARÓ

“... e a água do Sinharó passou três dias e três noites transformada em sangue...”

Sinharó era um pequeno igarapé que ficava numa vicinal que levava a um pequeno povoado chamado Morada Nova, próximo a Rurópolis. Não havia residência perto do Sinharó devido a alguns fatos vivenciados por pessoas que trafegavam pela vicinal e eram obrigadas a passar pelo Sinharó. Ninguém se atrevia a passar por lá sozinho, pois lá ocorria um fenômeno que se pode chamar de sobrenatural. Uma força estranha prendia e puxava os pés do povo para a água. Muitas pessoas já foram encontradas aos gritos sem poder sair, porém com água apenas dando nos joelhos.  Ninguém até hoje atravessou o Sinharó sozinho, nem passa por ele sem se arrepiar inteiro sentindo a presença do desconhecido... Ninguém.

    Dona Creozolina, sábia velhinha, que habitou pelas bandas da Morada Nova, sempre dizia, antes de morrer:

      _ Esse rebuliço todo aí é João Luis, meu falecido noivo, que se matou dentro do Sinharó. Ele era muito, muito apaixonado por mim. Noivamos mas, no dia do casamento eu tive que desistir. Disse a ele que ia ser freira. Ele ficou indignado e inconformado pediu que continuássemos a conversa à beira do igarapé, que ficava perto da casa do finado meu pai. Acompanhei João Luis, conversamos, expliquei, implorei que me entendesse, pois eu atendia ao último pedido de minha avó moribunda, que desejava que eu fosse freira. Ele não entendeu, se desesperou e me violentou como uma fera faminta e sedenta. Depois de abandonar meu corpo suado ainda em êxtase por sensação tão contraditória e tão carnal, degolou-se com uma navalha tirando sua própria vida, na minha frente, bem ali, ás margens do Sinharó, mas antes disse estas palavras:

     _ Você nunca mais passará por aqui, se passar eu te mato. Você não vai para o convento. Estás grávida agora e não terá coragem de abandonar o teu filho. Ficarás para sempre comigo. Quando você morrer quero que te enterrem perto de mim, e da mesma forma será com o nosso filho. “Creozolina, nunca me abandone!”!

Todos ficavam atônitos quando Creozolina contava estas histórias da sua mocidade.

 _ Saí nua, me arrastando e gritando até chegarem casa. Todosforam ver o corpo de João Luis e mas não encontraram, apenas se depararam com a água do Sinharó transformada em sangue, o que durou por três dias  e três noites.

Minha idade não me permitiu assistir a esta transformação das águas do Sinharó, mas o restante da história eu pude presenciar.

_ Depois de nove meses, nasceu nosso menino ao qual dei o nome de João Luis Filho. Quando o menino completou sete anos, foi encontrado morto no Sinharó. Morreu afogado e a água do Sinharó que passou três dias e três noites transformado em sangue novamente. O menino parecia que estava sorrindo, foi enterrado com uma expressão de felicidade e satisfação no rosto, que todos admiraram. Fiz com que ele fosse enterrado às margens do Sinharó. Eu deixo a todos bem explicado que quando eu morrer, quero ser enterrada ao lado de meu filho, as margens do Sinharó.

 Creozolina comentava tudo isso com certa mórbida satisfação:

_Antes da minha criança ser enterrada, se ouviam gritos de lamentos, mas depois  o Sinharó  ficou alegre. Nasceram flores às margens do igarapézinho. Porém, o Sinharó ficou com um assombro avacalhado. Sempre que alguém passava por lá, se arrepiava, ouvia assovios no ouvido, era molhado e preso pelo pé por alguns minutos.

     Sessenta e três anos depois da morte de João Luis, Creozolina falece Foi enterrada, como havia pedido, às margens do igarapé, e o estranho fenômeno torna a acontecer: a água do Sinharó se transforma em sangue durante três dias e três noites.

     Nunca mais ouviram um piu no Sinharó. Nem um puxãozinho de pé, nem de cabelo. Suas águas não pulavam mais para molhar as pessoas e as flores continuavam lindas, enfeitando suas margens.  Dizem que o amor de João Luís foi tão forte que formou uma família contra tudo e todos, até mesmo contra o destino. Mesmo depois de sua morte, seu amor continuara forte e capaz de agitar as águas para chamar a atenção, capaz de chorar sangue, de construir um jardim florido e capaz de esperar sessenta e três anos  por alguém do outro  lado da vida, para enfim encontrar a felicidade... Deus é amor, por isso perdoa quem morre de amor e que continua amando mesmo do inferno.

Atiana Gomes  e Mara Nascimento