O SERVO DA COBRA

“... _ Não adianta lutar, debater, teimar, já tô paralisado; ela é poderosa e fatal, mas eu sou homem, filho de Deus...”.

 

O caso que eu vou contar agora, né, que aconteceu no Tapajós, também perto do Brasília Legal, é um pouco diferente dos demais, né. Uma certa tarde o pescador  Jacinto saiu de casa para a pescaria costumeira, ali, mais ou menos pelas quatro horas. Quando chegou na beira do Tapajozão,  ajeitou  seus apetrechos, né, entrou na canoazinha furada e remendada e se foi  remando, , remando... Remando... Tarde bonita, vento gostoso soprando, variada  espécie de peixe, né, de aves  que homenageavam o pôr do sol, uma paz que só a natureza pode oferecer, né.

              O pescador Jacinto, estava com uma baita preguiça que resolveu parar de remar e se deixar levar pelas á águas tapajônicas.  Aí se deitou no fundo da canoa admirando o céu por um bom tempo, depois se levantou, né,, e resolveu começar a sua pescaria. Foi jogar seu anzol perto de uma toicera de mato e ramagens, né. Começou a pegar tucunaré, pescada, e era só do puxa e puxa e puxa...

             Isso já pela cinco e meia da tarde né, Jacinto percebe que seu anzol está enganchado no fundo do rio, nas ramagens. Então tentou, tentou, puxa daqui, puxa dali e nada. Resolveu descer até o fundo para desenganchar a sua ferramenta de trabalho. Tirou a roupa e blung, blung, blung... Chegou ao fundo do rio. Desenganchou seu anzol e subiu. Subiu, entrou na canoa, que tinha deixado amarrada com medo que o banzeiro levasse e pra longe né., sentou para vestir a roupa, notou a água mexendo muito e olhou, já pensando:

               _ É peixe grande, filhote, pirarara, pirarucu, dourado ou surubim ou...

              Ficou quietinho, quietinho preparando outra ferramenta para pegar peixão e quando estava terminando de ajeitar seu espinhel... chulap. Uma cobra sucuri laçou Jacinto junto com a toicera, canoa e tudo. E foi apertando o laço, apertando o abraço, isso quase pra quebrar os ossos e dar cabo de Jacinto, sua presa. Jacinto já sentindo o gosto da morte na boca, sufocado no abraço da bicha, ainda conseguiu raciocinar:

              _ Não adianta lutar, debater, teimar, já tô paralisando. Ela é poderosa e fatal, mas eu sou homem e filho de Deus.

             Então Jacinto ficou imóvel, mortinho, mortinho, fingindo para criatura que é predadora, mas, não trás consigo a malícia do ser humano, que estava alí se fazendo de morto.  Então ela acreditou. Foi soltando o laço, desenrolando, devagar. Veio cheirar nas ventas de Jacinto pra ver se ainda tinha vida, porém Jacinto segurou o mais que pôde sua respiração. Ela então constatou que ele estava morto e foi-se “com os diabos”.

              Com o  abraço da sucuri  a canoa ficou toda quebrada. Então Jacinto remou até a beira, né, puxou a canoa quebrada para fora da água e correu sem saber o que fazer, pois sabia que a cobra ia voltar para terminar o serviço, no caso,  comer o pobre pescador.

             De repente, então Jacinto teve uma “eureka” de pescador. Subiu voando numa árvore bem alta e ficou olhando de uma posição que dava pra ver toda a moita. Ah, meu amigo, de repente o banzeiro aumentou e a passarada voando e gritando apavorada, foi aquele reboliço, a água doTapajós aumentando, saindo e alagando a floresta. Ele percebeu que era a sucuri voltando, mas dessa vez com sua amiga, que  era  uma  C-O-B-R-A  G-R-A-N-D-E. A baita tinha de mais ou menos, no olho, mediu e calculou, dava uns  50/60 metros de comprimento e de grossura uns 15/20 metros o que fazia com que ela ficasse curta, quando a gente olhava.

             A sucuri era pequena. Pequena assim de uns15 metrosde largura, né, porque comparando na frente desta outra, a cobrona, ficou parecendo uma minhioquinha de nada.

              Jacinto se arrepiou inteiro ao sentir o pitiú de cobra velha, que se juntava com o pitiú que estava no corpo dele  deixado pelo sucuri né. O pescador ficou se tremendo todo, enquanto a cobra gigante ficou parada olhando

a outra procurar alguma coisa atrás da moita, bem onde deixou Jacinto mortinho e largado. Assoviava e nadava por longe e nada, e nada. Com certeza procurava a presa que tinha deixado na moita para a cobra gigante, pois as cobras gigantes escravizam os machos menores, (só os machos), fazendo eles de servos. Eles que matam os bichos e depois vão buscar a cobrona para comer. Isso é assim porque a bichona é muito gorda e grande, fica difícil pegar bichos, pois de longe ela faz rebuliço, além do pitiú forte que possuí e se apossa do ar no raio quilômetros. Se a cobra-macha, que passa a servir a gigante não fizer tudo direitinho, né, acaba sendo engolida. Foi o caso desta infeliz cobra servo.  A cobrona se irritou, pensando que de certo, o servo brincou com a cara dela, mentiu da comida que guardou pra ela e que talvez ele mesmo já tivesse comido, então ai, ai, ai... Começou a piar horrivelmente, a se revirar na água e nhac... Engoliu o pobre servo, né. Depois foi abaixando a água, a cobrona foi afundando, deixando parte da barriga de fora boiada por 24 horas.

             Jacinto depois de ver aquilo tudo desceu da árvore, tentou remendar a canoazinha, mas não deu jeito. Aí ele fez uma jangada de paus pubos e foi se embora rio abaixo, para a sua humilde casinha.

              Todos admiraram a sorte de Jacinto. Muita gente foi ver aquela cobra boiada e foi aquela admiração porque a criatura parecia uma ilha de pedras gigantes.

                                               Atiana Gomes e Mara Nascimento