O FIM DO MISTÉRIO DO LAGO

“... a canoa tinha pendido pro lado.  Aí ele  viu aquele vulto escuro na beira da canoa...” 


 Meninos, empurrem esse saco de laranja mais pra cá, pra perto de mim e vocês outros pegam lá em casa uns sacos velhos, que estão num emborná grande  perto da minha rede de dormir. Não é aquela de saí não, é aquela de dormir. Vê lá, traga lá. Que é pra nós bota as casca, esse lixo aqui, que nós estamos fazendo, depois põe lá pro caminhão levar. Nós meninos não queremos ser daqueles homens que né, que estão destruindo, acabando com tudo né.

_ É mesmo  seu Doval, se não daqui a pouco não tem mais rio Tapajós, rio nenhum, ?

_ Nem rio, nem água, e nem história, porque não vai ter mais homem pra contar, porque os seres vivos tudinho e o homem também não vivem sem água, a água é tudo pra nós, água é vida, né.

     _ Mas seu Doval, não estamos sujando a água do rio. Este nosso lixo aqui só tá na beira.

     _ Jacózinho, tu não pensa não, não? Daqui da beira o vento vai devagarzinho empurrando o lixo pra mais perto d’água, depois o vento agita o banzeiro  e leva todo lixo  pro fundo do  rio; chove, e aí tá feito o carreto da desgraceira, lá vai o lixo daqui se misturando com os outros lixos de lá, que nem as águas que lá e vão, provocando a poluição dos rios, que deságuam  um no outro, misturando a lixaiada da moléstia, acabando com os peixes, né, com a bicharada toda, inclusive, com a vida  do próprio homem. Bora, bora, bora  se acabar tudo.

     _Ta certo! E o mistério do lago?

    _ Por volta de 65 /67, quando os cearenses vinham do nordeste, né, pra cá pro norte, uma família veio se instalar, né, aqui na Amazônia. Foram morar numa região da ilha grande, aqui na boca do Tapacurá. Lá eles arrumaram uma terrinha, bem na época que a fartura era grande, peixe muito, caça, frutos. Dias depois, uma das pessoas recém chegada que gostava de pescar, queria pegar uns peixe, né, mas aí alguém falou pra ele:

     _ Olha, aqui existe um lago que é muito rico em peixe, só que toda pessoa que vai pescar lá, chega lá, não sei o que diaxo tem, que, depois quando volta, volta transfigurada da noite pro dia. Volta assim, uma pessoa entanguida, amarela.. Uma pessoa que parece estar doente há muito tempo. Até hoje nós não conseguimos, ninguém descobriu o mistério, o que é que acontece neste lago.

      Mas o cabra, cearense cabra macho, disse:

    _Não, eu vou pescar lá e vou desvendar este mistério.

     _ Então tá bom. Olha, cê sai aqui assim,  um lago que tem bem aqui assim...

      O outro disse tá bom. E aí ele pegou o facãozão 128, amolou bem amoladinho e “vazô” na boca da noite. Desceu, pegou a canoa e se foi pescar. Aí, quando já estava pescando lá, já no que era umas 9/10 horas da noite, sentiu que a canoa dele, o casco tava virado de lado.

Sabia que estava sozinho, não tinha ninguém com ele, então porque aconteceu aquilo, né.. Sentiu que a canoa tinha pendido pro lado. Aí ele viu aquele vulto escuro na beira da canoa.

     _ O que ele fez, seu DovaL ?

     _ Ele levou a mão aqui para trás, pegou no cabo do 128, né, e levantou o braço, né, o que a força deu ,né,e arriou e... TAM!!!  Quando o facão bateu... Tam... Ele só viu aquilo fazer “vamp”.  Aí ele guardou o facão, sabia que tinha cortado uma coisa, que não sabia o que era. Continuou a pescaria. Pegou o peixe dele, de madrugada achou que estava suficiente, fez a cambada dos peixes e foi embora pra casa, né..

     _ E o bicho?

     _ O que é que era a coisa, o vulto?

_ No outro dia ele conversando com lá alguém, disse:

    _ Olha, aconteceu uma coisa ontem de noite, mas eu não sei bem o que aconteceu. Só sei que eu cortei uma coisa grande, grande e preta..

   _ Dois dias depois, ele voltou a pescar novamente, no tal lago e quando chegou lá na beira do lago, olhou e viu aquela coisa boiando, né. Ele pegou o casco dele, remou e foi olhar. Olhou, viu e então se lembrou do que tinha acontecido com ele. A coisona que ele cortou com o 128 era uma sanguessuga preta de mais ou menos uns quatro metro pra mais. Era ela que sugava o sangue dos pescadores naquele lago à noite, bem quietinho, bem de mansinho, deixando todos doentes. Ela tinha morrido, com o golpe. A cortada foi tão grande que ela não resistiu, e como qualquer coisa que morre na água, né,, bóia, logo ela foi encontrada. Acabou então o mistério do lago.

     E digo mais a vocês: se digamos, se uma sanguessuga pegar na sua perna, né, você não pode arrancar com uma faca não, não arranque ela não. Não arranque porque se ficar um pedaço da língua dela dentro da pele vira uma ferida muito grande e vira o zezeu, viu. Você tem que pegar o tabaco, ou o sal, ou limão e espremer ali que ela sai na hora. É assim que é feito.

Atiana Gomes e Mara Nascimento