O ATEU

“... não se perdoava por ter comido seus próprios membros...”

 

Lá pelas bandas do Patrocínio aconteceu um fato interessante. Havia lá um micro empresário do ramo da aviação, proprietário de vários aviões, o que para ele havia de mais importante na face da terra. Paulo era seu nome, contava seus 38 anos de idade, muito trabalhador, mas tinha um defeito: era simplesmente miserável e avarento. Vestia-se mal, comia mal, economizando o que não podia. Até voava junto com seus pilotos para pessoalmente verificar se estavam trabalhando direito. Nas viagens levava farinha e bananas para não ter que gastar com comida. Quando o assunto envolvia dinheiro  não confiavaem ninguém. Sópensava em aviões... Aviões... Dinheiro e mais dinheiro.

Certa vez, Paulo foi fazer um vôo da vila do Crepurizão para o garimpo do Patrocínio. Já era tarde, seu piloto avisou que era perigoso, mas Paulo com a ganância de fazer mais uma perna de vôo foi logo dizendo:

_ Aqui, como em todos os lugares do mundo, quem dá às ordens é o patrão, que neste caso sou eu. Preciso de dinheiro e nós vamos fazer mais essa perna. E se eu resolver, passamos a noite inteira no ar.

Valério, seu piloto disse:

_ Não é possível, você está louco. Além do mais, estamos com pouco combustível, vamos pelo menos abastecer o avião, seu Paulo.

Paulo pulou zangado.

_ Deixa de papo. Vamos logo com isso, esse avião tem combustível suficiente para passar até uma semana no ar, quanto mais uma noite.

E o pobre piloto subalterno, teve que obedecer a seu patrão, mas antes de entrar no avião disse essas palavras que foram ouvidas por quem estava lá:

_ Nós vamos meu patrão, porém de uma coisa fique sabendo: vou porque lhe devo obediência e dinheiro, o qual não tenho como pagar agora, mas isso não vai dar certo. È o que meu coração está me dizendo.

E em voz alta o piloto orou a Deus.

_ Oh meu Deus, fique ao meu lado, entre neste avião conosco, por favor.

Ouvindo isso, gritou Paulo com toda arrogância possível.

_ Eu não dou carona nem pra Deus, se ele tiver cinco gramas de ouro, eu levo, mas do contrário ordeno que saia do meu avião.  “Agora bem aí”. Eu lá vou levar peão de graça, nem que seja Deus. Porque Deus manda lá no céu dele, mas nos meus aviões, mando eu. E vam’bora!

Valério o piloto, fez o sinal da cruz, preparou o avião que em seguida levantou vôo. O patrão pôs-se a rir e contar pilhérias. De repente o céu foi escurecendo e uma tempestade se formou num segundo. Todos do lugarejo admiraram-se daquele inesperado fenômeno da natureza que mais parecia um fenômeno sobrenatural; relâmpagos, trovões, ventos e chuva torrencial sem nenhuma coerência física ou climática. As pessoas que presenciaram a conversa do patrão com o piloto, comentaram:

_ Isso é castigo.

_ Mas não se preocupem que é direcionado para apenas uma pessoa.

_ É para seu Paulo, podem esperar!

 Neste momento no ar o piloto rezaem desespero. Pauloirritado diz:

_ Pare de falar besteira, que esse teu Deus, se existir, é surdo, porque o tanto que tu já clamaste, choraste e gritaste... Se nada fez, então é surdo ou idiota. E agora cala essa boca! O deus do homem é aquilo que o satisfaz. E neste momento tu estás pilotando um dos meus deuses. Cuidado para não derrubá-lo, pois se ele cair eu te desgraço. Pode ter certeza que se tu deixares meu avião cair e te como vivo.

Paulo falava aos berros e o piloto direto a rezar. Estavam na metade da viagem, quando o piloto disse:

_ Seu Paulo vamos voltar, o tempo está piorando. Amanhã faremos essa perna  logo cedo.

_ Não seu idiota. Amanhã faremos outras pernas.

_ Olha, e se o avião cair? E se morrermos ou quebrarmos nossas pernas, braços  ou ficarmos paralíticos, será pior, seu Paulo.

_ Pior para você, eu não preciso de pernas para andar, tenho vários aviões. Agora você precisa andar e bem na linha, para trabalhar para os outros. E torno a dizer se derrubares meu avião vou te comer vivo.

Nisso a turbina pára de vez. O piloto grita:

_ Meu Deus, perdoe meus pecados. Senhor cuide dos meus filhos. Estamos caindo, me proteja. Meu Deus tome conta deste avião, eu o coloco em tuas mãos.

Paulo esbravejando bradava:

_ Porra cara!!! Pára de falar besteira, e seguraaa!!!

Nisso o avião caiu em cima de uma árvore, no entanto ninguém se machucou. E falou então o humilde Valério:

_ Deus é maravilhoso, seu Paulo. Obrigado Senhor, obrigado meu pai.

_ Cala boca!  Meu avião está em cima de uma árvore, no meio da floresta amazônica e tu estás agradecendo? Abestalhado!

Ao fechar a boca, o avião carregado de inflamável, começou a pegar fogo. O piloto pula, eem seguida Paulotambém. Valério caiu em pé, quebrando as duas pernas, enquanto Paulo caiu num espinheiro. Uma das pernas de Paulo foi decepada e a outra ficou por um tris, ficando praticamente só no couro. Nem um dos dois tinha como se locomover. O avião explodiu atirando destroços ensandecidos. Paulo queimou-se bastante e Valério só quebrou mesmo as pernas, não teve nenhum outro ferimento. E ali ficaram durante a noite inteira, o piloto rezando e Paulo gritando de dor. O patrão perdera muito sangue, gemia segurando sua perna que já não pertencia mais a seu corpo. Valério cochilou e quando acordou  vendo a situação do patrão desesperou-se por um momento, mas logo aliviou-se ao ver que estavam vivos, e por tal voltou a agradecer a Deus.

Contaram-se dois dias de intensa agonia, então Paulo começou a comer sua própria perna, que já estava apodrecida. O companheiro pediu um pedaço, porém, Paulo negou. Contava-se quatro dias e os dois foram encontrados pelo exército. Valério para sobreviver comeu insetos e terra. Enquanto Paulo já havia comido pedaços do seu próprio corpo, como: sua perna direita, a metade da esquerda e o braço esquerdo também.

Os dois foram levados imediatamente para Belém do Pará. O piloto logo ficou bom. Foi observado que suas pernas quebradas haviam sido curadas miraculosamente.  O médico ficou perplexo com o que constatara: as pernas de Valério haviam sido quebradas sim, mas só restavam cicatrizes internas e nada mais. O piloto foi curado misteriosamente enquanto aguardava socorro médico, e este, até hoje diz a todos, que teve Deus como médico e se orgulha de sua fé. Já Paulo, infelizmente, perdeu suas duas pernas e um braço. Numa atitude insana, fez questão de guardar em casa os ossos de suas pernas e também do braço. Sua mente doentia, seu psique abalado levaram-no a morte dois anos depois dessa tragédia, totalmente mergulhado na depressão e numa nítida loucura. Nasceu e morreu ateu, não teve a dádiva de conhecer a verdadeira felicidade, o amor, a fé e Deus..

                                                    Atiana Gomes  e Mara Nascimento