FIAPOS VERMELHOS

“... um grito desumano e misterioso, que fez toda a floresta silenciar de pavor, em respeito ao pavor dos pavores...”.


Margarida era uma camponesa que vivia numa fazendola numa vila chamada Crepurizinho (município de Itaituba/PA). Margarida vivia em companhia de seu esposo Juvenal. Juvenal era um homem misterioso e todos falavam que tinha olhos malévolos. Era um caboclo com traços indígenas fortíssimos, bravo e admirável pela sua força. Às vezes, ele ia à caça, mas de modo diferente dos outros caçadores: não levava armas, mas sempre voltava com veados, tatus, pacas, antas e outros animais. Algumas pessoas diziam que ele tinha armas escondidas na mata, outros que ele era macumbeiro e outras tantas conversas  mais.

 Sua esposa Margarida tinha muito medo, no entanto muita curiosidade também. Sabia que o marido não tinha armas nem em casa, quanto mais no mato. Era um homem bem calado, simplório, porém muito misterioso, vivia sumido no mato, aparecendo depois de um ou dois dias. Margarida chorava enciumada, pois, seu amor a cegava e ela não percebia que Juvenal era tão feio, perebento, fedorento, cabeludo e ignorante, que não precisava ter ciúme, pois dificilmente ele arranjaria outra parceira.

              Certa vez ela pensou, repensou e decidiu que iria com Juvenal para vê-lo caçar, mas ele não permitiu e desse dia em diante só saía escondido de Margarida. Ela brigava, chorava e Juvenal, quieto, sempre nas florestas caçando ou fazendo sabe-se lá o que. Ela então resolveu:

               _Vou segui-lo, pois sei que ele não passa uma noite de lua cheia em casa, e dessa vez eu pego este sem vergonha, mentiroso, mulherengo.

              Margarida ficou à espreita. Era noite de lua cheia e Juvenal foi saindo devagar, disfarçando e Margarida de olho... Ele saiu para o terreiro, olhou para o céu, pôs as mãos no bolso e foi saindo em direção à floresta. Margarida de olho correu logo atrás. Nem deu tempo de pegar uma roupa apropriada para enfrentar a floresta. Então se foram. Juvenal de repente parecia estar com uma dor de cabeça. Ela percebeu e teve vontade de ajudá-lo e perguntar se estava passando mal, mas o ciúme e sua curiosidade falaram mais alto.

              _ Se ele brigar comigo, contarei que estou grávida e ele ficará feliz, mas se eu pegá-lo com uma rapariga...  Mato os dois!!!

             Nesses pensamentos ela se descuidou e perdeu Juvenal de vista. Então apertou o passo, começou a correr, mas nada de ver Juvenal. Andou e correu tanto... tanto... Já eram nove para dez horas da noite. Sentia medo, raiva e arrependimento. Já tinha rezado tanto que estava de joelhos inchados e nenhum sinal de Juvenal. Então teve uma idéia: subiu numa árvore alta, bem alta e começou a gritar muito alto:

             _ Socooorro! Socorroooo! Alguém me ajude. Juvenaaaal!

              Gritou várias vezes e nada. De repente, ela ouve um grito indescritível, todos os pavores e medos continham neste grito desumano e misterioso, que fez toda a floresta silenciar de pavor em respeito ao pavor dos pavores.

             Margarida acabou adormecendo completamente. Sua língua não se mexia, sua voz não saía, seu sangue não corria nas veias, o coração parou e seu cérebro conseguiu perceber mais dois medonhos gritos. Seu corpo ficou imóvel sobre a árvore sem tremer, era proibido tudo. O medo era tão grande que em vez de tremer, sentia paralisada fibra por fibra do seu ser...

               De repente um monstro asqueroso, grande e fedorento, fazendo barulhos esquisitos veio farejar a pobre Margarida, que o fitava incrédula e quase morta. O bicho saltava querendo pegá-la, dava pulos tão altos que podia puxar com os dentes a beirada da sua longa saia vermelha. Ela gritava, rezava e ele pulando... pulando. Então Margarida fez um apelo a Deus:

               _ Senhor, se eu escapar darei ao meu filho o nome de Jesus, e farei dele o homem mais religioso da face da terra, pois sei que  só por um milagre sobreviverei. Senhor, prometo que nunca mais vou querer desvendar os mistérios de ninguém e respeitarei a privacidade dos outros, não acusarei ninguém sem provas e nem com provas...

             Depois de umas duas horas de batalha, o bicho que parecia um iô-iô, subindo e descendo, já tinha comido metade da saia da pobre mulher. Então ela novamente clamou:

             _ Deus, não é por mim, é pelo meu filho que tem direito de vir ao mundo. Proteja-me, faça com que esse bicho vá embora.

               Nesse instante o bicho se foi, sumiu na mata e ela ficou parada no mesmo lugar rezando sem parar. Uns dez minutos depois Juvenal sai do mato, assoviando, parecendo alegre. Lá de cima da árvore, Margarida gritou:

               _ Juvenal pelo amor de Deus, me ajude, um bicho tentou me comer, mas graças a Deus você chegou meu amor. Nunca mais desconfiarei de você e nem te seguirei.

           Ele a tirou da árvore e a levou para casa. Margarida, ainda apavorada, nem dormiu, porém Juvenal dormiu bem. Na manhã seguinte, na hora do café, Margarida fez uma surpresa para o marido revelando que estava esperando o filho que ele tanto desejava. Então se abraçaram. Juvenal deu um sorriso gostoso e Margarida viu nos dentes do marido os fiapos de sua saia vermelha.

Atiana Gomes e Mara Nascimento