MENSALÃO: COMO SURGIU O ESQUEMA E O JULGAMENTO DOS ENVOLVIDOS

SANDRA CÁSSIA DA SILVA GUERRA

 

 

RESUMO

 

O artigo aborda o impacto do escândalo mensalão que foi veiculado pela imprensa nacional, mostrando que o Brasil vive um momento histórico com o julgamento do mensalão. No presente trabalho pretende-se apresentar o que é o mensalão, como o esquema iniciou e como o julgamento foi dividido. Pretende-se também analisar o Principio da Igualdade e da dignidade da pessoa humana sobre a dicção do artigo 5º da Constituição Federal.

Palavras-chaves

Corrupção. Mensalão. Igualdade Constitucional

 

1-                  INTRODUÇÃO

Os crimes “por excelência” que despertam a atenção, a indignação e a repulsa são aqueles já conhecidos: homicídio, latrocínio e estupro. Sugerindo uma perplexa retomada de debates travados no final do século XIX, assistimos neste final do século XX o retorno das discussões sobre a natureza dos criminosos, ou melhor, dizendo, dos monstros, endemoniados, ogros, loucos (SCHILLING, 1999). Na atualidade, porém, esses crimes disputam nas manchetes dos jornais e a atenção dos noticiários com outro crime pouco reconhecido que é a corrupção. A discussão sobre esse crime, sendo qualificado por muitos como tão antigo quanto a espécie humana, emerge com força e vitalidade surpreendentes no debate mundial. A corrupção é percebida como um “mal público”, cuja noção só é possível quando há direcionamento a uma violação do “bem público”.

O tema corrupção tem justificadamente permeado cada vez mais as discussões sobre políticas públicas no Brasil. Nos últimos anos, não faltaram episódios de escândalos políticos envolvendo graves suspeitas de desvio de recursos em detrimento do interesse público, causando sério descrédito da população em relação à atuação do Estado e sua capacidade de controlar a gestão da coisa pública.

O caso mais recente reforça como ainda são extremamente frágeis suas formas de controle quando se abre o jornal. No Brasil, é raro não nos defrontarmos com escândalos relacionados ao mundo político (FILGUEIRAS, 2009). Temos hoje em todos os noticiários o caso do mensalão, contudo apesar desse escândalo, a sociedade brasileira ainda tem uma sensação de impotência. Essa sensação de mal-estar coletivo com a corrupção cria um senso comum acerca de uma natural desonestidade do brasileiro.

O segundo semestre de 2012 foi marcado pelo início do julgamento da ação penal 470, conhecida como o escândalo do “mensalão”. Isso significou um rompimento com o tipo de corrupção que tradicionalmente marcou a política brasileira. A ação individual dos corruptos, para fins pessoais, foi sobrepujada pelo uso político-partidário do dinheiro sujo, causando sério descrédito da população em relação à atuação do Estado e sua capacidade de controlar a gestão da coisa pública.

Sete anos após o caso vir à tona, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar no dia 02 de agosto de 2012 o caso conhecido como o processo do mensalão. A ação penal 470 é considerada a de maior relevância a ser julgada pelo STF em seus 183 anos de história. O julgamento repercutiu em jornais internacionais que trouxeram reportagens anunciando o início do processo.

A expectativa é de que o julgamento seja o mais longo da história do STF. Em 120 anos, o Supremo conduziu processos que duraram no máximo sete semanas. Serão pelo menos 24 sessões ordinárias, entre colocações do relator, do procurador-geral da República e dos advogados de defesa, para então os ministros votarem (ESTADÃO, 2012).

A amplitude do caso, que colocou no banco dos réus políticos, empresários e servidores, se reflete nos números superlativos do processo: 38 acusados, 234 volumes, 500 apensos (documentos que foram juntados à ação ao longo do tempo) e mais de 600 testemunhas. O julgamento é um sinal positivo em um país onde o serviço público sempre foi marcado por corrupção e certa impunidade.

A crise do chamado “mensalão”, pretenso esquema de propinas pagas regularmente a parlamentares federais, com dinheiro público desviado, foi provavelmente a mais estrondosa da história da República.

A condenação dos principais réus da Ação Penal 470 por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá ter impacto significativo em futuras decisões de outros tribunais em denúncias de corrupção, improbidade administrativa e financiamento de campanhas.

 

2-                 MENSALÃO

Mensalão significa o ato de corrupção em que uma grande soma em dinheiro é transferida periodicamente e de forma ilícita para favorecer determinados interesses. É derivado da palavra “mensalidade”, cujo aumentativo sugere que é uma quantia avultada.

O termo surgiu pela primeira vez no ano de 2005, após a denúncia de um suposto esquema de pagamento no valor de R$ 30 mil que era feito mensalmente a deputados para favorecer interesse político-partidário.

A palavra passou a fazer parte do cotidiano popular devido ao frequente uso pela mídia brasileira durante as investigações do caso.

No seguimento do fato que ficou conhecido como “Escândalo do Mensalão”, atos de corrupção baseados em esquemas do mesmo gênero passaram a ser designados por “mensalão”.

3-                 INÍCIO DO ESQUEMA MENSALÃO

 Foi o deputado Roberto Jefferson que em junho 2005, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, relatou sobre a “venda” de votos por parte de deputados. Jefferson era acusado de envolvimento em processo de licitações fraudulentas, praticadas por funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), ligados ao PTB, partido do qual ele era presidente. Antes que uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) fosse instalada para apurar o caso dos Correios, o deputado decidiu denunciar o caso do mensalão. (INFOESCOLA, 2007)

O mensalão foi um esquema de compra de votos de parlamentares na Câmara dos Deputados e é considerado a maior crise politica do governo do presidente Lula. Segundo Jefferson, deputados da base aliada do PT recebiam uma “mesada” de R$30 mil para votarem segundo as orientações do governo (INFOESCOLA, 2007).

Naquela época, o Presidente do Brasil em função era Luís Inácio Lula da Silva (PT), que negou conhecer qualquer prática de mensalão. Alguns dos principais acusados pertenciam ao seu partido, o Partido dos Trabalhadores.

Os envolvidos eram acusados de crimes como corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e peculato, destacando-se os políticos: José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), Delúbio Soares (ex- tesoureiro do PT), José Genoíno (ex-presidente do PT).

Marcos Valério, o empresário mineiro da área de publicidade, não tinha nenhum cargo político, mas foi acusado de criar e gerir todas as operações do mensalão.

Com o decorrer das investigações, todos aqueles que foram denunciados de participação no esquema negaram algum envolvimento.   

O dia 2 de agosto de 2012 foi uma data importante no cenário político e judiciário brasileiro, pois iniciou o julgamento dos 38 réus envolvidos no mensalão. Esse julgamento é considerado o mais importante do STF (Supremo Tribunal Federal).

4-                 O JULGAMENTO DO MENSALÃO

O julgamento do mensalão está dividido em duas fases. Na primeira, o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, leu uma síntese do seu relatório, com os argumentos dos 38 réus e da acusação, a Procuradoria Geral da Republica. Em seguida, foi a vez do procurador-geral, Roberto Gurgel, fazer a sua manifestação e apresentar provas da existência do esquema.

Os advogados dos 38 réus tiveram uma hora cada um para fazer a apresentação da defesa.

A última fase será destinada à leitura do voto de cada um dos 11 ministros do STF, que irão revelar se absolvem ou condenam os réus.

O primeiro a votar foi o relator, seguido do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski. A partir daí, a votação segue por ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova da Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O último a votar será o presidente do STF, ministro Ayres Britto. Depois disso, o resultado será anunciado.  

“Esse Julgamento será um paradigma, um marco no país. Se absolver em massa, o Judiciário corre o risco de ter sua credibilidade manchada. Por outro lado, se condenar ex-funcionários do alto escalão do governo, o tribunal estará dando um recado histórico contra a impunidade”, analisa Paulo César Nascimento, professor do Instituto de Ciências Políticas da UnB (Universidade de Brasília).

O cientista político David Fleischer, também da UnB, concorda: “Esse julgamento será um divisor de águas. Independentemente do resultado, já mostra à sociedade que a corrupção não passa mais em branco. Não acredito que vá evitar que surjam novos, mas certamente servirá de exemplo para a ação de corruptos”.

5-                 IGUALDADE CONSTITUCIONAL

5.1       Principio da Igualdade e a dignidade da pessoa humana

A dicção do Artigo 5º ressaltou o decantado princípio isonômico, difundido já em constituições pretéritas do Brasil: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza... (art. 5º, caput, CF 88)”.

De acordo com os direitos fundamentais, a igualdade é uma das normas mestras expressas na lei, o conceito clássico de justiça consiste em tratar iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades.

Para que a nova ordem prospere, ela deve ter uma base política e jurídica, cuja estabilidade relativa deverá ancorar-se em dois fundamentos: o princípio da “igualdade perante a lei” (igualdade formal) e no princípio da inviolabilidade dos direitos.

Segundo Miranda, é inquestionável que a Administração Pública exerce um papel fundamental para preservação do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Realmente, da Administração Pública depende a concretização de direitos sociais fundamentais, como saúde, educação, alimentação, trabalho, habitação, lazer, segurança pública, enfim, direitos essenciais para a própria sobrevivência humana, com o mínimo de dignidade.

Nesse sentido, a concretização de tais direitos é incompatível com uma administração desonesta e negligente. Fundamental, portanto, que todo agente público desde o mais alto escalão até o mais baixo, atue com observância irrestrita aos princípios que regem a boa Administração Pública, não sendo por outro sentido que foram eles cristalizados no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, regra que serve de norte para o administrador público em sentido amplo, da qual não pode se afastar, sob pena de sacrificar vários direitos  fundamentais (MIRANDA, 2012).

Frequentemente a população brasileira vem testemunhando, estarrecida, inúmeros escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos e políticos de diversos escalões, capturando o Estado e fazendo com que ele funcione a seu favor, de uma forma que aumente mais o abismo social, destruindo de maneira cruel direitos essenciais da população, deixando o Brasil numa triste posição no cenário mundial.

Assim, os atos de corrupção praticados por agentes públicos criam verdadeiro paradoxo, uma vez que acabam por transformar o Estado em inimigo justamente daquele que representa e o qual deve proteger, o povo, provocando a segregação das pessoas, que são privadas de seus mínimos direitos.

6. CONCLUSÃO

Esse escândalo só serviu para escancarar algo que já era rotineiro no meio político brasileiro. A corrupção sempre passou impune em nosso país, mas agora uma nova postura do povo e do Poder Judiciário está modificando esse cenário. O STF, ao julgar os envolvidos no esquema, retoma o papel que a Administração Pública deve assumir para proteger a dignidade do seu povo e moralizar a Política brasileira hoje tão desacreditada.

Portanto, todos os meios possíveis, cíveis e criminais, se revelam importantes no combate à corrupção, para que possamos pelo menos mantê-la em níveis aceitáveis, já que sua completa erradicação não passa de utopia. Mas é um sonho pelo qual vale a pena lutar, na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Assim, não resta dúvida de que um corrupto, por praticar um ilícito de natureza difusa, atingindo interesse de toda coletividade, merece enérgica e eficaz punição.

Mas o povo brasileiro não é corrupto. Pelo contrário, é formado por cidadãos de bem, homens e mulheres de fibra, que lutam pela sobrevivência em um país marcado por extrema desigualdade. Logo, é oportuno invocar o imortal Rui Barbosa que, em lição ainda atual, disse:

“O Brasil não é ‘isso’. É ‘isso”. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta Assembléia. O Brasil é este comício imenso, de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sangues-sugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não sãos os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano”.

7. REFERÊNCIA

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CHAUÍ, M. Uma ideologia perversa. Folha de São Paulo, Caderno Mais, 14 mar 1999.

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