Por Romeu Willers
Mendigos sociais e emocionais
Um adolescente, ou melhor, um punk de mentirinha, conectado a um fone de ouvido, vinha atravessando a rua em frente à praça de Novo Hamburgo, por milímetros não foi atropelado. O motorista furioso parecia que ia descer do carro e dar uns socos no punk. Dois infelizes atores do teatro da existência. O adolescente vive inconscientemente, conectado no virtual desconectado no real. O motorista, por um incidente banal deixou estragar seu humor. Esforçamos-nos para não enxergar e não ouvir. Podemos ser atropelados ou provocar um acidente. Uma dica interessante é de estarmos sempre conscientes e observar atentamente a realidade que nos rodeia. Julgo-me um observador perspicaz. Depois das observações tento tirar lições e não julgar.
Veio-me a idéia de observar os moradores de rua e compará-los com os homens que até esqueceram a razão para que o dinheiro foi criado. Escrevi algo mesclando psicologia, filosofia e história com vivências que tive com os moradores de rua e as biografias dos multimilionários.
Porque estão na rua? Estão lá porque querem? Porque os movimentos sociais que lutam contra exclusão social não os ajudam? Será que eles têm poder de coesão? Cada um deles vive em uma vida à parte. Alguns fogem da consciência da realidade para fugir de seus transtornos psíquicos. Alcoolismo drogas, conflitos familiares, depressão empurram eles para as ruas.
Observei o outro extremo desse paradigma sociológico: os multimilionários milionários. Li a biografia de Jon Rockfeller um poderoso magnata americano. No auge de seu sucesso financeiro entrava em sua conta um milhão de dólares por semana. O homem mais rico da história da humanidade. Ele podia comer menos que um mendigo. Sua comida podia ser comprada por dois dólares semanais. Bolacha, leite humano e chá eram o máximo que os médicos permitiam que comesse. O homem padecia de úlceras e várias outras complicações que na época pareciam incuráveis.
Outro caso foi Michel Jacson. Qualquer mendigo debaixo de uma marquise dormia melhor do que ele. Morreu com uma overdose de soníferos, tomados horas antes de dormir. Ao enriquecer ficou desconfiado.
Ele mesmo se aprisionou com algemas de ouro. Em um só clip ele ganhou sete milhões de dólares. Não diminuíram os conflitos familiares, eles se potencializaram. Pai filho e irmãos se odiavam.
Nessas duas simples observações vemos que a miséria mental não é privilégio dos indigentes. Tem muito mendigo emocional andando de carro importado aparecendo na mídia e escondendo-se atrás de altas contas bancárias.
Voltemos aos mendigos sociais, primeira vês que vi um, foi na cidade onde prestei serviço militar. Onde eu morava não havia mendigos. Os menos favorecidos trabalhavam de meeiros ou por dia, no serviço de roça. Na colônia o chão era duro, Ajuda mútua ainda era um valor em nossa sociedade. Havia vitalidade comunitária. Por isso não havia mendigos. Ninguém tinha motivo para arrogâncias. Era um tempo e um lugar que poderia amedrontar um psicólogo. Se eu viesse com um bilhete da escola dizendo que fui mal educado, meu pai me daria uma surra de cinta, e iria pedir desculpas à professora. Sei de uma escola, aqui na cidade, em que, um aluno deu um soco na professora. A diretora foi apaziguar, quase apanhou também. A direção não teve coragem de chamar os pais, pois os pais eram barraqueiros de plantão. Isso é evolução social ou involução?
Na roça escalamos o cipoal das dificuldades com tenacidade. As tempestades de granizo podiam destruir nossas colheitas, mas não nossos ânimos. Plantávamos tudo outra vez. As estiagens longas murchavam o milho e secavam o pasto das vacas, mas não secava a paciência. Tivemos o que qualquer empresário invejaria; "gestão equilibrada de tempo". Nome pomposo para uma coisa simples, ou seja, ninguém tinha pressa. Passávamos necessidade e penso que é justamente isso que nos fazia atingir altos níveis de bem estar psicológico e viver plenamente sem consumir excessivamente. Era uma pobreza digna. A pobreza extrema é uma doença social e deve ser combatida. A nossa era sociedade era pobre em bens materiais e rica em valores. Família, trabalho árduo e respeito às leis era o que nos movimentava. Penso que hoje nessa modernidade líquida estamos saciados, angustiado e medroso demais. Tem gente lucrando com nosso medo. Dêem uma espiada no livro "Medo Líquido" do sociólogo polonês Zigmund Baumann. Mas por amor à cultura não dêem uma espiada no Big Brother, mesmo que Pedro Bial te convide para dar uma espiadinha e diga que é um programa educativo. Antes dêem uma espiada nesse versículo bíblico.
"O que ganhamos com
nosso orgulho, e que nos trouxe a riqueza unida à arrogância"
Sabedoria 5, 8.

Em uma Praça em Alegrete estava eu, recruta do exército Brasileiro, passeando solitário quando se aproximou um homem com aparência de que não tinha tomado banho há um meio ano. Perguntou se não podia andar a meu lado. Eu achei isso muito estranho
- Por quer andar a meu lado, você tem cara de quem anda muito sozinho.
- São aqueles dois policiais eles querem-me cagá a pau. Só por que eu sou um andarilho.
- Você não fez nada de errado mesmo?
- Não.
Se ele tivesse feito algo de errado, não seria por que estava em companhia de um recruta que eles não o prenderiam. Eu mesmo ajudaria a prendê-lo se fosse um ladrão.
Os policiais desistiram de nos seguir. Perguntei seu nome.
- Roberto Taylor Junior nome de artista e vida de vagabundo.
Agradeceu a companhia e sumiu em uma daquelas ruelas mal iluminadas da cidade.
Onze anos depois desse evento, trabalhei no correio. Um mendigo estava dormindo, às 10 horas da manhã, em frente à agência de correios. O gerente da agência estava irritado com o hospede indesejado. Acordei-o. Disse que não poderia continuar dormindo ali. Ele olhou para mim e disse.
- Você é funcionário do governo. Eu sou de Jesus. Quem é mais importante aqui?
- Se você é funcionário de Jesus porque não está trabalhando por ele. Dormindo até essas horas que tipo de funcionário você é?
Entrei no delírio do maluco. Ele ficou pensativo pegou as trouxas e foi embora.
Outro episódio engraçado foi em uma manhã bem ensolarada, perto do meio dia. Um mendigo deitado no banco da praça. Dois guardas foram acordá-lo. Eu antevi que haveria um espetáculo no local. A orientação na praça é que se pode ficar sentados nos bancos, mas não deitados. Um monte de lixo redor do mendigo e quatro cachorros lhe fazendo companhia. Lembrei-me de Diógenes o Cínico, da antiga Grécia. Era um filósofo mendigo que vivia acompanhado dos cachorros.
Foram entre dois guardas acordá-lo. Eles o sacudiam, mas ele não abria os olhos. Até que resolveram gritar em seus ouvidos.
Eu pensei que os cachorros avançariam neles. Mas estavam em estado de apatia. Assim como o dono estavam com o pouco ânimo, não esboçaram reação. Uma apatia semelhante a muitos humanos.

Um dos guardas esbravejou.
- Todo mundo sabe que na praça não é pra ficar dormindo.
Mendigo sentou e disse solenemente.
- Não matei não roubei, sou um cidadão que paga seus impostos.
- Que imposto você paga seu chinelo?- indagou um dos guardas.
- As bolachas recheadas que eu compro não tem imposto? Perguntou ele levantando umas embalagens que ele deixou jogadas no chão.
Eu que estava a uns metros do episódio, me segurei para não cair na gargalhada. Teoricamente ele tinha razão. Ele realmente pagava imposto. O apelido de um alcoólatra que conheci na minha terra natal era "Futuro Prefeito" ele sempre dizia que as duas coisas das quais não escapamos em vida, é da morte e do pagamento de impostos.
O segundo guarda falou em tom não muito amigável.
- O imposto das bolachas não paga os varredores das embalagens que você deixou na praça. Ajunte esse lixo e leve para lixeira.
Os cachorros estavam nem aí para a conversa. Não latiram nem sequer levantaram. Queriam estar juntos do mendigo. Parece até que os cães estão mudando. Diógenes, o filósofo mendigo, dizia que os cachorros aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que enganam e são enganados uns pelos outros, cães reagem com honestidade frente à verdade. Quero acreditar que isso é verdade, que os cachorros sentiram que os guardas eram amigos. Não que, até eles desistiram da luta. Outra correlação que faço da relação entre o mendigo e os cães é o caráter voluntário de servidão. Com efeito, não se sabe quem serve a quem. O mendigo ao cão ou o cão ao mendigo.
Ele foi ajuntar o lixo e o levou à lixeira. E depois sentou e começou a assobiar. Os cães o miravam com admiração. Eu notei que há apenas duas diferenças nessa relação cão-mendigo e um pop star-fã. Primeira o fã sustenta o pop star. Segunda o mendigo ama e fica com o cão. O pop star pode estar nos Estados Unidos, mas o Cão-fã brasileiro está revirando a lixeira da fama. Está na internet acompanhando seu ídolo, se enrola com toalhas em que está estampado seu rosto. Se um fã levar uma cusparada de seu pop star é possível que guarde o cuspo em um lenço e coloque em uma redoma de vidro, par mostrar a todos que um dia levou uma cuspida de seu ídolo. Eu tenho uma sugestão para aumentar os lucros dessa indústria de ícones. A partir do momento que um artista começar a fazer sucesso guardarem lhe todo o seu excremento. Depois passam esse produto orgânico em um processo de esterilização, porém devem manter as moléculas olfativas originais, para depois venderem para os fãs histéricos. Com certeza inalarão seu odor como sendo um produto de refinada perfumaria. Não estamos muito longe disso. Foi leiloado, na internet, um chiclete que teria sido mascado por John Lennon, pelo valor de um carro zero.
Não pensem que eu não gosto da diversidade de ritmos e personalidades. É justamente isso que eu gosto. A sociedade deve ser multicolorida. Não podemos nos moldar em torno de um ícone e nos comportar como varejeiras em torno da carniça humana. Não tem o que me inspira maior pena que um fã. Quando vejo na mídia milhares de pessoas em um estádio feito gado na mangueira par assistir um espetáculo, repugna o estomago.
Um homem dono de um salão de bailes de uma dessas cidades que eu morava, cometeu a gafe de dizer que ele não precisava criar porcos, como seus vizinhos. Afirmava que a porcada se reunia em seu salão e defecava dinheiro no salão. O que ele precisava fazer era somente recolher o dinheiro. Infeliz comentário, seus bailes se esvaziaram. Os ditos porcos não vieram mais. Os agricultores não aceitaram tamanha humilhação. Foi à falência e seu salão virou um celeiro de grãos. Depois dizem que os agricultores são burros. São os mais sábios. Ele tem um olho no chão e outro nas nuvens. Observam a fertilidade das terras e a previsão das chuvas. Rezam pela água e pelo ar. Não se consideram super intelectualizados. Guardo na mente um verso de um conhecido agricultor caminhoneiro e poeta. "Embora com um humilde nível intelectual posso distinguir o que está bem ou mal". Nós aqui da cidade somos borboletas tolas aprisionadas em uma teia de aranha, prisioneiros da pressa da mídia, e da aparência hipócrita. Se aparecesse na mídia um anúncio oferecendo um curso de "Comunicação Transcendental" Muita gente com certeza se interessaria. Por causa do nome bonito, e se tivesse uma celebridade fazendo o curso, as vagas terminariam em poucas semanas. Porém eu sei que esse curso é oferecido de graça. Você sabe o que é isso? É um nome novo que para algo muito antigo, mas de grande significado. É simples um curso de "ORAÇÃO".
Pareceu cômico a atitude dos guardas fazerem os mendigos sentar e juntar o lixo. Mas são essas pequenas atitudes que fazem a diferença. Se tivessem feito isso com os usuários de crack da Cracolandia desde o início. A situação não estaria tão precária. O poder público tem legitimidade de tomar ações coercitivas para manter a ordem e a segurança. Rousseau já afirmava que não há nenhuma instituição melhor para manter a segurança do cidadão que o Estado.
Vamos conhecer um pouco da história dos personagens desse artigo.
John Rockfeller foi de família pobre. Era Calvinista, absteve-se de álcool e tabaco durante toda sua vida, mas bebia o veneno de sua avareza. Na Bíblia diz que "O avarento é um perigo par si e para os outros" talvez ele conhecesse o versículo, mas não se considerava avarento. Assim como o alcoólatra não admite que seja alcoólatra. Aos 53 anos adoeceu. A doença o equilibrou. Deixou de ser avaro e se tornou um filantropo. Fundou universidades e patrocinou descobertas de vacinas para várias doenças. Viveu até os 98 anos. Ele ouviu a voz da doença. Percebeu que as riquezas não o acompanhariam para além do túmulo.
Assim como John Rockfeller tomou o veneno da avareza, Michel Jacson tomou o veneno da vaidade, Ele viu a face mortífera do prazer e se atirou para beijá-la. Não soube administrar os prazeres e se tornou escravo deles. As drogas assaltaram seu cérebro. O artista mais vendido da história morreu miseravelmente. Não morreu por falta do necessário nem por falta de supérfluos. Morreu de miséria espiritual e emocional em meio à riqueza.
Diógenes de Sínope, um filósofo grego de 412 a.C, fez da extrema pobreza uma virtude. Vivia em um barril cercado de cães. Andava com uma lamparina procurando por um homem honesto. Queria desbancar as instituições de uma sociedade que ele via como corrupta. Diógenes ficou famoso por sua história com Alexandre, o Grande. Diógenes estava tomando banho de sol. Alexandre ao encontrá-lo fez lhe sombra. Perguntou o que poderia fazer por ele. No que Diógenes respondeu "Não me tires o que não podes me dar! Ou seja, "deixe-me ao meu sol" Alexandre que fora educado por Aristóteles, percebeu o tamanho de sua arrogância, sentiu que não passava de um pobre diabo debaixo desse sol que nasce para todos. Diógenes queria ser auto-suficiente.
Sua frase mais célebre é "Na casa de um rico não há lugar para se cuspir, a não ser em sua cara" Será que esse homem foi sábio chamando todos de corruptos? Ele e Rockfeller com certeza não teriam muitas afinidade se tivessem nascido em mesma época. Seria interessantíssimo testemunhar um diálogo entre os dois.
Homens que aprendem com os erros e acertos dos outros são privilegiadas, penso eu ser um deles. Não preciso meter a boca na sopa quente e queimar a língua se já observei vários se queimarem com ela.
Temos que procurar a justiça não esperando uma recompensa ou por medo da punição, como pregam algumas religiões. Tratemos a todos com humanidade. Somos todos feitos do mesmo barro, não importa a maquiagem social.
"Ela nos impõe a grande verdade de que somos todos pobres vermes e que habitamos em casas de barro e somos esmagados como a traça." Jó 4,19
A prova maior disso é a catástrofe ambiental do Rio de Janeiro e Santa Catarina.