Universidade Estadual Vale da Acaraú – UVA

Centro de Letras e Artes – Curso de Letras.

Disciplina: literatura Brasileira I

Professora: Edinete Tomás

Aluna: Maria Josiane da Costa

Análise do plano das relações sociais em Memórias de Um Sargento de Milícias de Manoel Antônio de Almeida.

Sobral, CE

2009

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade analisar o plano das relações sociais dentro da obra Memórias de Um Sargento de Milícias, focando a vida dos personagens bem como a interação entre eles. É um trabalho de natureza bibliográfica em que algumas consultas foram feitas para elaboração do texto.

Quanto ao método adotado, a principio foi feita a leitura da obra e logo após a escolha da temática foi feita uma relação do que iria ser trabalhado aplicado dentro da obra. Para comprovação de algumas partes houve a amostra de alguns fragmentos que ilustraram o estudo. Com êxito a análise realizou-se positivamente, pois se colocou de forma categorizada sub-temas que valorizaram o trabalho.

Numa expectativa positiva é que este documento sirva ou como referência ou como inspiração para outros estudantes levarem à frente suas pesquisas.

Para tanto, é válido ressaltar que se trata de uma belíssima obra que carrega informações de uma época e de estilos muito importantes. Por apresentar estas características ela consegue encantar seus leitores.

Sendo um romance de transição, a obra possui mais misturas e apresenta num paralelo aspecto de dois estilos, muitas vezes com críticas ao estilo anterior e uma elevação do estilo privilegiado. E sendo este último o Realismo, mais interessante se torna por apresentar categorias que se aproximam ou equivalem a um contexto real, causando aí uma identificação do leitor com sua própria realidade.

1.APRESENTAÇÃO DA OBRA

Memórias de Um Sargento de Milícias é um romance de transição, contemporâneo ao Romantismo e precursor do Realismo, logo mescla essencialmente características dos dois estilos de época. Ressalta-se, porém, que esta transição faz-se do Romantismo para o Realismo, tendo a última escola mencionada maior ênfase na obra. Do outro estilo tem-se apenas algumas representações e uma explícita crítica aos valores pregados, a linguagem é diferente, apresenta-se objetiva e cotidiana, os perfis dos personagens são outras, a sociedade, o ambiente que é cenário para a estória, bem como todos os outros aspectos. E já se desfazendo de tudo que é Romântico o subjetivismo cede lugar a objetividade, o sonho a realidade, o sentimento ao prazer físico e mais uma série de substituições.

O cenário referido é a cidade do Rio de Janeiro na época do Reinado de D. João VI no começo do século XIX.A obra é recheada de tipos alegóricos que são representantes de uma mesma camada da sociedade, são: barbeiro, comadre, ciganas, viúvas e há a apresentação do mestre-de-cerimônias. O mesmo classifica-se como representante da classe média, entretanto se agrega aos demais personagens participando de conflitos de semelhante natureza.

Como figura central da obra tem o Leonardo menino travesso que desde seu nascimento já anunciava sua natureza traquina. Toda referência da infância do menino o que se tem são armadilhas e travessuras que o mesmo não parava de praticar.

Leonardo é o primeiro "malandro" da ficção brasileira. Se há algum crítico ou indício que contrarie a informação, ainda assim é válido vê-lo como figura imperante da malandragem. Se na infância suas brincadeiras poderiam ser avaliadas ou julgadas como travessura, na juventude a falta de um ofício ou inclinação para alguma profissão, dava o que falar naquela sociedade. Visto que era hábito de muitos ficarem na janela de casa observando a vida alheia.

Mas este mesmo malandro, posteriormente a muitas confusões, veio a torna-se o sargento de milícias. Figura no meio social que impunha muito respeito e defensor da moral e de bons comportamentos. Além disto, Leonardo hdfjk a casar com Luisinha, paixão de sua adolescência, que fora esquecida em algum momento por uma aventura com Vidinha.

Não adentrando na descrição dos demais personagens, irão-se analisar como estes se relacionam neste cenário tão misto e ao mesmo tempo semelhante quanto a uma conduta baseada nos mesmos princípios.

2. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS

Este estudo tem por finalidade analisar o plano das relações sociais e Memórias deUm Sargento de Milícias. Nessa perspectiva é válido o acréscimo de alguns conceitos que servirão de apoio para a compreensão da temática. Como se sabe a obra é precursora do Realismo e por isso expõe um contexto real, com figuras representantes deste contexto. De fato, o esboço que se tem é de uma sociedade mesquinha e hipócrita que cultiva uma relação de aparências em que o clero é criticado, a estrutura familiar desvalorizada e o perfil do homem e da mulher apresentado com características reais e espontâneas. E como os representantes desta sociedade se relacionam dentro do segmento familiar, ou como homem e mulher, o clero, será o objeto desta análise.

A princípio explorar o que significa o termo relação se faz necessário. Consultando Luft (1999, p.568) diz o seguinte:

Relação é o ato de referi-se; ligação; vinculação; semelhança, analogia, descrição, notícia, lista, freqüência social entre pessoas.

A partir desta significação tem-se que o próprio termo relação vincula-se a uma concepção social. Porém dependendo de sua acepção ganha outras formas de uso. Já o termo sociedade, ainda segundo Luft (1999, p.612), é definido pelo seguinte:

Conjunto dos membros de uma comunidade, sujeita às mesmas leis; associação de pessoas com um objetivo comum de cultura, de comércio de indústria.

Aplicando-se este conceito ao tipo de sociedade em análise, tem-se a convicção de que todos os personagens pertencem a uma mesma classe social e se há alguns de status mais elevados se equivalem quanto à cultura e a moral. São tipos sociais que dividem os mesmos valores, uma mesma concepção de vida. Os mesmo mantêm uma afinidade quanto a suas crenças, atitudes que são estimuladas pelo meio comum em que vivem.

Quanto à família, esta é uma entidade que não é bem prestigiada na obra, pois os modelos apresentados discriminam. Apenas a existência deste grupo social, porém este não se apresenta de forma padronizada, afastando-se totalmente de modelos tradicionais, trazendo diferentes combinações de componentes. Segundo Luft (1999, p.320); família é:

Núcleo parental formado por pai, mãe e filhos; pessoa do mesmo sangue; parentsds, linguagem estipe, conjunto de tipos com as mesmas características básicas.

O modelo conceituado atende as regras de uma família tradicional, porém os membros que constituem as famílias em Memória de Um Sargento de Milícias divergem-se totalmente, não são nada convencionais. São pessoas que se agregam sem formalidade e passam a viver aparentemente como uma família. A exemplo cita-se Leonardo que a princípio apresenta-se com seu pai e sua mãe, mas está por uma conduta falha trai o marido desprezando o valor da instituição familiar. Para tanto, Leonardo- Pataca desespera-se e em conseqüência disto chuta seu filho para fora de casa. Deste ato é possível uma avaliação da relação paternal que havia entre ambos. Não são narrados momentos felizes, calmos em que a família aconchegavam-se, mais um forte enfoque na fúria de Leonardo-Pataca em relação ao comportamento do filho. Não havia dialogo, manifestações de carinho e preocupação dos pais em relação ao futuro do menino.

3.LEONARDO E "FAMÍLIAS"

Leonardo após desprezado pela sua família biológica é acolhido por seu padrinho, um barbeiro que cuida do menino com todos os cuidados de um pai, ou com melhores intenções no garoto do que o próprio Leonardo-Pataca. É interessante ressaltar que a história de vida do barbeiro é bem semelhante à vida do menino, pois é desconhecido por todos sua origem. Deste fato fica evidente que o barbeiro identificou-se com o sofrimento de Leonardo que conhecia seus pais, mas que por aquele momento encontrava-se numa mesma situação de abandono. O diálogo ainda é ausente nesta relação, mas havia um por parte do padrinho grande carinho pelo menino além da preocupação quanto ao futuro de Leonardo.

Acompanhando a narrativa tem-se que o padrinho:

Gastava às vezes as noites em fazer castelos no ar ao seu respeito; sonhava-lhe uma grande fortuna uma elevada posição e tratava de estudar os meio que levassem a esse fim. (ALMEIDA, 1999, p.24)

Deste fragmento é possível detectar que o planejamento em relação à vida de Leonardo se fazia de forma isolada pelo padrinho. O que o garoto fosse ou fizesse seria determinado pelos planos do barbeiro.

A terceira estrutura familiar a que Leonardo se agrega é a família de Vidinha. Esta é formada por duas irmãs viúva cada qual com três filhos, sendo que, eram três rapazes e três moças: coincidentemente entre os trios pares se formavam e com a chegada de Leonardo o número de rapazes tornou-se desproporcional ao número de moças.Por sua representação de ameaça a um dos rapazes, Leonardo é colocado em situações conflituosas chegando a ir para na cadeia.

Mas se com os primos não fazia sucesso, destaca-se aqui a grande afeição que as duas senhoras tinham por Leonardo. Tomás, um dos primos e amigo de infância de Leonardo também mantinha um vinculo fraternal ou pacífico para com ele. Além da Vidinha que derretida aos encantos do moço não podia lhe tratar mal e defende-lo da cólera de seu primo.

Essa relação de atração existente entre Vidinha e Leonardo não foi duradora. Ao final do romance Leonardo chega à firmar, legalmente, matrimônio com Luizinha, vindo assim a formar uma nova estrutura de família, onde não há uma descrição de convivência de ambos, mas que se infere pelo sentimento de um pelo outro que a união seja próspera e duradoura.

4.O HOMEM E O MEIO

Observando o comportamento de Leonardo em relação à estrutura familiar que recebeu pode-se dizer que ele foi determinado pelo seu próprio meio acrescido de vínculos hereditários.

O determinismo é uma corrente ideológica que teve grandes influências na escola realista, a qual tinha esta concepção a respeito do comportamento humano.

Sobre esta ideologia destaca-se:

A teoria determinista o comportamento humano é determinado pela hereditariedade, pelo meio e pelo momento (circunstância). (MAIA, 2002, p.240).

Leonardo não se destacava apenas por sua peraltice e má criação dentro do universo familiar, quando foi à escola também teve grandes dificuldades tanto na aprendizagem quanto para manter uma relação saudável com seus colegas de sala. Em função disto, levou do professor autoritário alguns "bolos" nas mãos e de lá conseguiu sair sem ler nem escrever direito. E essa dificuldade é reflexo de sua edificação familiar.

A partir de um fragmento da obra verificamos o comportamento do traquino Leonardo:

(...) o menino desempacara da letra f, e já se achava no p, onde por uma infelicidade empacou de novo. O padrinho anda contentíssimo com este progresso, e vê clarear-se o horizonte de suas esperanças; declara positivamente que nunca viu menino de melhor memória do que o afilhado, e cada lição que este dá sabida de quatro em quatro dias pelo menos é para ele um triunfo. (ALMEIDA, 1999, P52)

Quando a hereditariedade é valida a comparação de Leonardo- Pataca para com o filho. Em análise da adolescência e juventude de Leonardo, as duas primeiras mulheres que se apresentam tornam-se paixões do jovem.Fica evidente que o sofrimento amoroso que o pai tinha em relação às mulheres, não era sucedido ao filho, mas a facilidade com que gostava das moças se assemelhava.

É possível verificar isto dentro da narrativa:

O leitor não se deve admirar disso, pois não temos cessado de repetir-lhe que o Leonardo herdara de seu pai aquela grande cópia de fluido amoroso que era a sua principal característica. (ALMEIDA, 1999, P132)

Em profundidade a este assunto será interessante uma análise de como Leonardo relacionava-se e com isso se deu.

5.RELAÇÃO HOMEM X MULHER

O amor ou atração que sentira Leonardo por Luizinha e Vidinha se apresentam de formas bem diferentes. Uma privilegia mais o sentimento na outra a atração física ganha espaço:

Diante da citação temos o seguinte:

Este último passo acabou de desorientar completamente o Leonardo; ainda bem que tinha expirado as ultima notas do canto, e já lhe passando rápido pela mente em um turbilhão de idéias, admirava-se ele de como é que havia podia inclinar-se por um só instante a Luizinha, menina sensaborona e esquisita, quando havia no mundo mulheres como Vidinha. (ALMEIDA, 1999, p.132)

A partir do fragmento a percepção que há é que por Luizinha seu envolvimento foi mais sentimental, como mencionado ele refere-se a ela como menina, lhe são atribuídas características puras, mas que o próprio Leonardo classifica como sem sabor. Não a idealiza com traços perfeitos e sim a descreve em seus gestos acanhados destacando aspectos distantes de um perfil belo. Já quando se refere a Vidinha a coloca como mulher e a descrição que há são características totalmente diferentes de Luizinha. A personagem é descrita em aspectos mais sensuais e atraentes evidenciando seu poder de sedução em relação aos homens. Além do mais eram acrescentados aos seus dotes físicos, um comportamento bem avançado quanto ao das moças da época. Vidinha era atirada e objetiva em suas paixões.

Há a seguinte descrição da moça:

Vidinha era uma mulatinha de 18 a 20 anos, de altura regular, ombros largos peito alterado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. (ALMEIDA, 1999, p.128)

Por esta mulher de características tão belas, Leonardo se deixa atrair esquecendo provisoriamente, a envergonhada Luizinha, com a qual havia tido um idílio apenas de olhares e de contados mais sutis. Posteriormente, depois de muitas confusões já exercendo carreira militar chega a casar-se com Luizinha.

6.RELAÇÃO HOMEM E A FÉ

A religião em Memórias de Um Sargento de Milícias já sofre grande depressão, visto que atende a tendência realista. Os representantes do clero que apresentam-se na narrativa são dotadas de características que se desviam totalmente da representatividade da igreja perante a sociedade. Além do que seus integrantes expõem aspectos cuja fé e os respeitos decaem.

A principio tem-se, por exemplo, a vizinha do barbeiro que ora estava na igreja ou na janela de sua casa observando e criticando a vida alheia, principalmente a de Leonardo.

Quanto à decadência da fé e uma forte adoração a imagens são possíveis encontrar no parto de Chiquinha, que na preparação do nascimento de seu filho, diversos adereços são postos sobre a cama e da gestante, como se a providência de um bom parto saísse daqueles objetos. Nesta mesma ocasião a reza apresenta-se sempre interrompida pelos gritos da comadre que cuidava na preparação do parto da sobrinha.

"(...) A comadre trouxe par de bentinhos da senhora do monte do Carmo que tinha grande reputação de milagrosa, e o lançou ao pescoço de Chiquinha. Pôs a palha benta ao lado da cabeceira, na sala improvisou-se um oratório com uma toalha, um copo com arruda e uma imagem de nossa senhora da conceição, de louça, enfeitado com cordões de ouro. Chiquinha para nada esqueça das regras estabelecidas, amarrou a cabeça um lenço branco, meteu-se embaixo dos lençóis, e começou a rezar ao santo de sua devoção!! (ALMEIDA, 1999, p 102)

Destes fatos evidencia-se a relação de hipocrisia do próprio homem com sua crença. Há um parcial cumprimento de suas leis, mas um desvio muito maior evidenciado no seu comportamento, vinculado a fé, mas desprovido da convicção.

CONCLUSÃO

Neste estudo foi analisado o plano das relações sociais na obra Memórias de Um Sargento de Milícias em que algumas relações foram estabelecidas para serem estudadas. Diante dum contexto social esta análise foi feita sobre a vida dos personagens valorizando como estes se comportavam numa dimensão social e de interação.

A partir daí percebe-se uma relação de intensos conflitos de ordem moral, em que os personagens são vitimas de uma concepção determinista e que por isso só retribuem uma ação do meio.

Numa investida a tendência realista o homem é abordado como um ser real, dotado de defeitos e qualidades, praticante de bem e do mal. Mantém relações saudáveis, mas sempre visa seu benefício. Nesta perspectiva, coloca o homem diante da mulher, da família e de sua própria crença e confrontá-lo estes fragmentos sociais é estabelecer reações. E foi isto que este estudo propôs: analisar o homem x mulher, o homem x família, o homem x crença.

Diante do enunciado é gratificante saber que esta análise serviu como referência para algum trabalho acadêmico que também se encantou pela obra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Manoel Antônio de.Memórias de Um Sargento de Milícias. São Paulo: Martin; 1999.

LUFT, Pedro. Mini dicionário. São Paulo: Ática, 1999.

MAIA, João Domingues. Português: Série novo ensino médio. Rio de janeiro: Ática, 2000.