Primeiramente uma pequena estória (história?) Zen Budistas.

Tanzan e Ekido caminhavam juntos numa estrada enlameada.

Caía ainda uma chuva forte. Junto a um cruzamento da estrada, encontraram uma bela moça que não conseguia atravessar porque não queria sujar o belo kimono de seda que trazia.
- Anda moça, disse Tanzan imediatamente. E, carregando-a nos seus braços, atravessou-a para o outro lado da zona mais enlameada.

A partir daí, Ekido ficou 'calado'todo o caminho que percorreram até à noite.

Ao chegarem ao templo onde ficariam a pernoitar, Ekido não conseguiu se conter e disse a Tanzan:
- Nós os monges não nos aproximamos de mulheres. Especialmente se são jovens e bonitas. É perigoso. Por que fizeste aquilo?

- Eu deixei a moça lá atrás, disse Tanzan. Tu ainda estás a carregá-la?

A partir daí, Ekido ficou 'calado'todo o caminho que percorreram até à noite.

Ao chegarem ao templo onde ficariam a pernoitar, Ekido não conseguiu se conter e disse a Tanzan:
- Nós os monges não nos aproximamos de mulheres. Especialmente se são jovens e bonitas. É perigoso. Por que fizeste aquilo?

- Eu deixei a moça lá atrás, disse Tanzan. Tu ainda estás a carregá-la?


A memória sempre teve um tratamento privilegiado em psicanálise desde Freud até Bion, com uma interessantíssima contribuição de Fairbairn, e é justamente nesse eixo que desejo trabalhar esse pequeno artigo.

Freud nos trás uma visão de memória como algo depositário, um grande banco de dados em seu "Projeto para uma psicologia científica". E lá que o desejo iria inicialmente buscar seu objeto de satisfação via alucinação, e somente posteriormente via motilidade. Mas foi a partir do conceito de repressão que a memória passou a ter outro status, outra dinâmica. A memória seria algo no mínimo, não confiável, pois muitos dos elementos importantes e significativos poderiam estar reprimidos. Recuperar essa memória, revivendo as emoções presas na transferência, seria uma base do método psicanalítico.

Jung fez uma curiosa contribuição ao nos colocar que um trauma presente poderia reorganizar nossas lembranças de frente para trás. Nesse sentido, a memória também é falseada, não pela história, mas pelo presente.
Fairbairn numa interpretação muito sagaz nos diz que o objeto mau (sei que dei um salto de mais de 20 anos aqui, mas me perdoe o leitor) é aquele que não tem passado, nem presente, e, portanto não pode ter futuro. Essa concepção dá ao objeto mau uma atemporalidade que talvez fosse muito próxima a versão de Freud sobre o que acontece com o reprimido, mas com um frescor muito interessante.

Bion na célebre frase ? sem memória e sem desejo ? nos convida a igualar memória e desejo. Memória aqui seria o desejo olhando para o passado e selecionando os fatos que lhe interessam. Portanto, e aí junto com Lacan, pede ao analista que deixe o seu desejo fora do consultório.

E agora vem a reflexão: quantas vezes no consultório nossos pacientes não conseguem viver o aqui e agora e ficam aprisionados e reféns de seus objetos maus? Quantas vezes ao não conseguir satisfazer seus desejos no presente, olham para trás numa nostalgia que não tem fim? Quantas vezes ainda estão carregando aquilo que não esta mais lá para ser carregado?

"Não carregue nada." Diz o ensinamento Zen Budista.