O uso da mediunidade pelo ser humano é muito antigo, sendo seu registro constante  nas mais diversas religiões e culturas.

A prática mediúnica sempre esteve relacionada com algo extra-humano, conferindo a seus praticantes certos temor e poder. Sua ligação com a morte e os mistérios é inerente ao seu conceito de servir de elo entre espíritos de diferentes frequências espirituais.

É preciso considerar, além das influências espirituais pertinentes a cada forma de contato, o grau de estruturação do psiquismo do médium que assim procede. Nele há uma predisposição psicológica que favorece o contato com o espiritual.

Sobre essa ótica podemos também entender as obsessões, onde a nossa predisposição psicológica pode atrair maus espíritos.

“A dependência em que o homem se acha, algumas vezes, em relação aos Espíritos inferiores, provém de sua entrega aos maus pensamentos que estes lhe sugerem, e não de quaisquer acordos feitos entre eles. O pacto, no sentido vulgar do termo, é uma alegoria que simboliza uma natureza má simpatizando com Espíritos malfazejos.”[1]

No Brasil no século XX, tanto a Psiquiatria como o Espiritismo estavam em busca de legitimação, de seu espaço cultural, científico e institucional dentro da sociedade brasileira. Estavam ligados às classes urbanas intelectualizadas e defendiam diferentes visões e abordagens terapêuticas relacionadas à questão da mente e da loucura.

Entre diversas pesquisas a esquizofrenia (transtorno psicótico) passou a tem ênfase nos estudos.

As diferenciações entre médiuns e esquizofrênicos começaram a ser notadas na década de 50 quando houve uma mudança de mentalidade, e essas manifestações passaram a ser vistas como sendo não patológicas quando vivenciadas dentro de uma religião.

 Apesar do DSM-4, [2] ter incluído a categoria Problemas Espirituais e Religiosos, predomina no discurso acadêmico a interpretação de que mediunidade é fraude, charlatanismo, psicopatologia, delírio, alucinação, entre outros diagnósticos, o que dificulta uma melhor compreensão do fenômeno quando ele se manifesta.

Os critérios diagnósticos utilizados atualmente para o diagnóstico da esquizofrenia têm como base o CID – 10 que colocam a presença de sintomas característicos por uma porção significativa de tempo durante o período de 1 mês (ou menos, se tratado com sucesso), como:

Delírios; Alucinação; Discurso desorganizado; Comportamento desorganizado ou catatônico; Sintomas negativos, isto é, embotamento afetivo e outros.

Sobre esses sintomas foi elaborada uma pesquisa em 24  médiuns pelo SCAN[3], um tipo de entrevista psiquiátrica padrão e pelo DDIS (Dissociative Disorders Interview Schedule). A escala DDIS investiga a presença de 11 sintomas de primeira ordem para o diagnóstico de esquizofrenia.

Os médiuns apresentaram, em média, quatro deles, mas a presença dos sintomas não indicou a existência de nenhuma doença mental; O relatório também  diz: "Além disso, eles também apresentaram uma boa adequação social e demonstraram ter uma saúde mental melhor que a da população em geral". Não houve correlação entre frequência de atividade mediúnica e problemas mentais ou desajuste social.

Desde o final da década de 90 o CID 10 (código internacional de doenças) define que há o estado normal de transe ou de possessão, que é aquele que acontece durante uma manifestação mediúnica, e o patológico, causado por alguma doença.

Na literatura científica, muitas vezes os médiuns (que se comunica com espíritos) são descritos como pessoas de baixa escolaridade e renda. Sua mediunidade deve ser entendida como um "mecanismo de defesa contra as opressões sociais", ou como manifestação de algum quadro dissociativo ou psicótico.

No entanto, um estudo realizado pelo psiquiatra Alexander Moreira de Almeida[4] com médiuns espíritas da cidade de São Paulo mostrou um perfil diferente: os médiuns apresentaram um alto nível sócio - educacional e uma prevalência de transtornos mentais menores do que a encontrada na população em geral.

“A mediunidade é uma aquisição evolutiva do espírito em face de seu  refinamento, possibilitando-o perceber uma dimensão energética acima da vibração típica do corpo físico.”[5]

Allan Kardec lidou com a questão da loucura e suas relações com o Espiritismo em diversos momentos. Enfatizava a base biológica da loucura e a influência do ambiente cultural do paciente sobre o conteúdo da psicopatologia. Ao defender o Espiritismo contra os ataques a respeito das loucuras de  conteúdo espírita, Kardec enfatizou a patoplastia cultural dos quadros psiquiátricos:

“A loucura tem como causa primária uma predisposição orgânica do cérebro, que o  torna mais ou menos acessível a certas impressões. Dada a predisposição para a  loucura, esta tomará o caráter da preocupação principal, que então se muda em idéia  fixa, podendo tanto ser a dos Espíritos, em quem com eles se ocupou, como a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da  maternidade, de um sistema político ou social. Provavelmente, o louco religioso se houvera tornado um louco espírita, se o Espiritismo fora a sua preocupação dominante, do mesmo modo que o louco espírita o seria sob outra forma, de acordo com as circunstâncias [...] Não confundamos a loucura patológica com a obsessão; esta não provém de lesão alguma cerebral, mas da subjugação que Espíritos malévolos exercem sobre certos indivíduos, e que, muitas vezes, têm as aparências da loucura propriamente dita. Esta afecção, muito frequente, é independente de qualquer crença no Espiritismo e existiu em todos os tempos” [...]Quando os médicos conhecerem bem o Espiritismo, saberão fazer bem essa distinção e curarão mais doentes que com as duchas.”   (Kardec, LE)[6]

O exercício da mediunidade está associado ao processo de realização pessoal, pois a vida exige que cada um, além de ajudar o próximo, observe a si mesmo e cuide de seu mundo íntimo.

 



[1] Comentário de Kardec à q. 549,  O livro   dos espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

[2] Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

[3] Schedules for Clinical Assessment in Neuropsychiatry

[4] Almeida é membro do Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos (Neper) do Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. O núcleo tem como objetivo estudar as questões religiosas e espirituais segundo o enfoque científico, sem vínculo com nenhuma corrente filosófica ou religiosa.

[5] Retirado do livro: “Psicologia e Mediunidade”; de:  Adenáuer Novaes  - Salvador: Fundação Lar Harmonia, 10/2002.

[6] ABREU, C. O Primeiro Livro dos Espíritos de Allan Kardec 1857. São Paulo: Companhia Ismael, 1957