A ressocialização do preso

Na teoria a ressocialização do preso é o principal objetivo almejado pela aplicação da pena, porém na prática essa realidade está longe de ser concretizada.

Indubitável que a vigente Lei de Execução Penal 7.210/84, traz em seu texto grandiosas ideias que, se postas em prática, certamente contribuiriam para uma efetiva melhora do sistema penitenciário. Contudo, a mencionada lei não possui uma efetiva aplicação, pois o atual sistema prisional brasileiro está muito distante de adequar-se as condições previstas nela.

Diante da já exposta crise do sistema penitenciário brasileiro, é necessário que o Estado faça significativos investimentos visando reestruturar e construir novos presídios para desafogar os que hoje se encontram superlotados. Evidente que somente isso não basta, sendo essa uma solução a curto prazo, carecendo o sistema de programas culturais e sociais que procurem dignificar a figura do preso, proporcionando a ele o acesso à educação e ao trabalho, possibilitando sua efetiva reintegração social.

A esse respeito preceitua Albergaria:

[...], a reeducação ou escolarização social de delinquente é educação tardia de quem não logrou obtê-la em época própria [...].

A reeducação é instrumento de salvaguarda da sociedade e promoção do condenado [...]. Ora, o direito à educação é previsto na Constituição e na Declaração Universal dos direitos do Homem [...]. Por isso, tem de estender-se a todos os homens o direito à educação, como uma das condições da realização de sua vocação pessoal de crescer. A UNESCO tem estimulado as nações para a democratização do direito à educação social, que se propõe a erradicar as condições criminógenas da sociedade.[1]

 Não podemos esquecer que o papel primordial da ressocialização é a de preparar o condenado para o seu reingresso no meio social, dando-lhe oportunidade para começar uma nova vida, permitindo sua reconstrução moral.

Segundo Rosa,

O apenado é um sujeito que possui direitos, deveres e responsabilidades. Assim, deve contribuir com o trabalho; disciplina; obediência aos regulamentos da instituição na qual cumpre pena, bem como ter instrução através de aulas, livros, cursos etc.; ensinamentos morais e religiosos, horas de lazer; tratamento digno e humano que possam possibilitar na sua reestruturação não só como pessoa, mas como ser humano.[2]

 A sociedade também deve estar preparada para recepcionar os egressos, oferecendo oportunidades para sua reintegração social, evitando que eles sejam segregados, pois isso ensejaria a reincidência criminal.

Diante da ineficiência da aplicação da L          EP, surgem diversas alternativas que buscam melhorar o cumprimento de pena no Brasil, sendo que algumas delas serão brevemente expostas nesse estudo.

 Das penas alternativas

Embora boa parcela da sociedade acredite que trancafiar criminosos na prisão seja a solução, já há algum tempo tem se apostado nas chamadas penas alternativas que, no Brasil, vão desde a prestação de serviços à comunidade até o pagamento de multas.

Importe frisar que elas não podem ser aplicadas a qualquer crime, mas sim àqueles cuja condenação é de até quatro anos e foram praticados sem violência. O procurador Valderez Abbud explica: “Penas alternativas só são possíveis para crimes mais leves, em que a pessoa não seja a representação de um perigo social, autor de crime hediondo ou crime praticado com violência contra as pessoas”.[3]

Dentre as inúmeras vantagens das penas alternativas, podemos destacar o baixo custo, pois segundo dados da Secretaria Nacional de Justiça, o governo gasta 5% do necessário para custear um condenado no presídio. Outro dado animador é o da porcentagem de reincidência nas penas alternativas, de apenas 5%, muito menor do que os 65% estimados para egressos do sistema prisional.[4]

Hoje há mais pessoas cumprindo penas alternativas no país inteiro do que as pessoas encarceradas. Uma das medidas mais aceitas consiste na suspensão condicional da pena que segundo ensina Bitencourt:

É o ato pelo qual o juiz, condenando o delinquente primário, não perigoso, à pena detentiva de curta duração, suspende a execução da mesma, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas condições.[5]

 Tal medida está amparada no direito penal brasileiro no Capítulo IV, artigos 77 e ss., restringindo-se às penas privativas de liberdade, não superiores a dois anos.

A pena privativa de liberdade, que continua como a espinha dorsal do sistema ficou reservada para quem pratica infrações graves, apresenta elevado grau de dessocialização ou é reincidente em crime doloso. O legislador brasileiro criou alternativas para evitar o recolhimento à penitenciária dos não iniciados na criminalidade. O respeito e a boa interpretação da nova ordem jurídica avaliarão o acerto na nova política criminal brasileira.[6]

Outras penas como a de multa, as restritivas de direito e até mesmo o monitoramento eletrônico são outras possibilidades de sanções mais brandas e dignas ao apenado. O que é necessário fazer agora é expandir as boas experiências e ampliar o campo das alternativas, evitando cada vez mais o ingresso de indivíduos ao cárcere, devendo essa ser tida como última opção. Com certeza, é mais segura a sociedade que respeita seus membros e garante sua dignidade, mesmo quando estes erram e têm de ser punidos, pois estará oferecendo civilidade a quem, por diversas vezes, foi tratado como bárbaro. E, assim como violência gera violência, dignidade há de gerar dignidade.

  Monitoramento Eletrônico

O monitoramento eletrônico foi inserido, no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei 12.258/2010, que alterou a redação da Lei de Execução Penal (n. 7.210/1984).

No Brasil, estão autorizados a utilizar o monitoramento aqueles que estejam cumprindo prisão domiciliar ou que tenham direito à saída temporária no regime semiaberto.

Tal medida apresenta indiscutivelmente grande importância social, pois além de desafogar o sistema penitenciário, possibilita a fiscalização à distância de indivíduos que estão cumprindo medidas judiciais, evitando assim, o contato de pessoas detidas por crimes de menor potencial ofensivo com aquelas de alta periculosidade.

 Antes restrita ao processo penal, a monitoração eletrônica, com a reforma do Código de Processo Penal de 2011, permite que seja utilizada como medida cautelar. Porém, alguns doutrinadores ressaltam o despreparo do Estado na aplicação da medida, a esse respeito discorre Amaral:

A implementação generalizada da monitoração dependerá de investimentos públicos substanciais, não só para a aquisição dos equipamentos emissores de sinais, mas, também, para a instalação de centrais receptoras de tais sinais. [7]

 Na mesma linha de raciocínio assevera Nucci:

Entretanto, a lei processual não fornece parâmetros para a aplicação dessa nova medida cautelar, ficando ao critério de cada magistrado regular as suas condições e limites. Além disso, será preciso implantar centrais de monitoração eletrônica em várias regiões para que se possa utilizar desse novo instrumento como medida cautelar.

Não somente o juiz da execução penal terá acesso a tal controle por meio eletrônico, mas também o juiz processante. Haverá verba e interesses suficientes para instalar essas centrais de monitoração, além de permitir que todos os juízes brasileiros fixem tal medida? Enquanto os recursos não vierem e a viabilidade prática não ocorrer, trata-se de medida cautelar inoperante.[8]

 Podemos concluir que embora a medida apresente um método eficaz de controle social e seja uma importante ferramenta a redução carcerária, o Estado ainda não está preparado para efetivar tal medida.

 Método APAC

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, bem como socorrer a vítima e proteger a sociedade. Opera, assim, como uma entidade auxiliar do Poder Judiciário e Executivo, respectivamente na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade.

O método nasceu em 1972, criado por um grupo de voluntários liderado pelo advogado Mário Ottoboni, em São José dos Campos (SP), e foi aplicado no “sistema progressivo”. Soma-se a essa proposta a “remissão da pena”, de valor humanitário e de reconhecimento do esforço e do trabalho desenvolvido pelo condenado. Vemos, assim, premiadas a boa conduta prisional (mérito), com a progressão de regime; e a dedicação ao trabalho, com a diminuição da pena. Dessa maneira, a liberdade é conquistada por etapas e consenso de responsabilidade.

Em 1986, a APAC filiou-se à PFI – Prison Felowship International, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. Desde então, o método passou a ser divulgado e aplicado com sucesso em todo o mundo.[9]

O método APAC é uma metodologia rica em valores, com baixo custo e de fácil instalação. O custo de um condenado da unidade da APAC de Itaúna, de acordo com dados do Tribunal de Justiça de MG, é de um salário mínimo, enquanto que no sistema comum é de três salários mínimos.[10]

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, objetivando divulgar o método, lançou em sua página virtual uma cartilha que dispõe informações e orientações para as comarcas que já possuem ou pretendem implantar o método.

Segundo a cartilha, a metodologia ganhou força através da aplicação de seus 12 elementos: 1) Participação da comunidade; 2) Recuperando ajudando o recuperando; 3) Trabalho; 4) Religião; 5) Assistência jurídica; 6) Assistência à saúde; 7) Valorização humana; 8) A família; 9) O voluntário e sua formação; 10) Centro de Reintegração Social – CRS; 11) Mérito; 12) Jornada de libertação com Cristo.[11]

Assim, o método APAC consiste em um efetivo método de ressocialização do condenado, promovendo a humanização das prisões, sem perde de vista a finalidade punitiva da pena. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar.

  Privatização do sistema penitenciário

A comprovada ineficácia do Estado em administrar o sistema prisional, bem como de cumprir os objetivos previstos na Lei de Execução Penal, de prevenção e ressocialização, ensejaram ideias que visam atribuir à iniciativa privada o gerenciamento prisional.

O Poder Público está falido na sua função de reintegrar aqueles a quem exclui do convívio social. Daí surge a tese da privatização dos presídios, abrindo a possibilidade da iniciativa privada trabalhar em parceria com o Estado, objetivando uma efetiva melhora no sistema penitenciário.

Tal modelo fornece maior segurança à sociedade uma vez que pratica uma maior ressocialização do apenado, reduzindo as taxas de reincidência e tornando o preso apto a trabalhar e viver em sociedade. Além disso, nas unidades privadas o detento é tratado com dignidade, as celas não são superlotadas, há salubridade, trabalho, assistência médica, odontológica, social, psicológica e os funcionários são mais preparados.

Os opositores da ideia utilizam como argumento o custo mais elevado do preso nesse modelo, bem como alguns enfatizam da possibilidade de exploração excessiva do trabalho do preso, transformando presídios em unidades de trabalho forçado.

Importante esclarecer que a Constituição brasileira não permite a privatização dos serviços penitenciários, a exemplo do que ocorre em alguns estados americanos, onde o Poder Público delega toda a atividade carcerária a uma empresa, que explora essa prática como um negócio qualquer, cobrando do Estado todo o tipo de serviço realizado.

Sobre o tema discorre D’Urso:

Desde logo surgem duas formas de privatização de presídios, uma delas inspirada no modelo americano com a entrega total do preso à iniciativa privada, o que para nossa legislação mostra-se inconstitucional. Outra forma foi inspirada no modelo francês, no qual ocorre a cogestão, numa verdadeira terceirização, preservando-se a função jurisdicional nas mãos do Estado e transferindo a função material do cumprimento da pena (comida, roupas, saúde, etc.) ao ente privado. A construção da unidade prisional também teve a participação da iniciativa privada e agora se adapta ao modelo das PPPs.[12]

 Como bem explicou D’Urso, não há nenhuma inconstitucionalidade no modelo denominado de cogestão, pois o sistema de segurança e disciplina permanece nas mãos do Estado.

A verdade é que o país necessita de medidas efetivas para ressocialização do preso e consequente diminuição da criminalidade. Dessa forma, se o modelo das PPPs for capaz de reeducar o condenado e de criar condições para sua reinserção na sociedade, parece-me uma iniciativa válida.



[1] ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 139.

[2] ROSA, Antonio J. Feu. Execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 54.

[3] Abbud. Valderez. Revista do Movimento do Ministério Público Democrático. Ano VIII – nº 36. p.9

[4] Revista do Movimento do Ministério Público Democrático. Ano VIII – nº 36. p.9

[5] BITENCOURT,Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão – causas e alternativas. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 237-238

[6] BITENCOURT,Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão – causas e alternativas. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 263.

[7] AMARAL, Claudio do Prado; SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. Prisão, Liberdade e Medidas Cautelares no Processo Penal: as reformas introduzidas pela Lei nº 12.403/2011 comentadas artigo por artigo. Leme: J.H. Mizuno, 2012. p. 137-138.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade de acordo com a Lei 12.403/2011. 3.ed. Revista dos Tribunais. 2013. p. 126

[9] Revista do Movimento do Ministério Público Democrático. Ano VIII – nº 36. p.18

[10] Revista do Movimento do Ministério Público Democrático. Ano VIII – nº 36. p.18

[12] D'URSO, Luiz Flávio Borges. Privatização de Presídios. Consulex - Revista Jurídica, Brasília, ano 3, vol. 1, n. 31, jul. 1999.