Flaviana Noronha
Luciana Nepomuceno

Sumário: Introdução; 1 Análise geral da eficácia e aplicabilidade legal da mediação; 2 A mediação como forma de resolução de litígios em comunidades de baixa renda; 3 Os principais problemas que comprometem a aplicabilidade da mediação em comunidades de baixa; 4 A mediação como ferramenta de acesso à justiça; 5 Mediação comunitária no Estado do Maranhão; 6 Conclusão; Referências.

RESUMO
Percebe-se que a Mediação é um método muito antigo de resolução pacífica de conflitos, mas que vem tomando cada vez mais força nos tempos atuais, proporcionando a resolução dos litígios através de um acordo entre as partes pautado sempre em diálogos. Constata-se que tal método de solução pacífica vem sendo inserido em comunidades na qual seus habitantes possuem pouco acesso aos meios judiciais, visto que exclui do processo os principais obstáculos para se garantir o acesso à justiça sem gastos e com maior celeridade. Considera-se, contudo, que a mediação comunitária enfrenta alguns problemas para sua total aplicabilidade na sociedade, os quais impedem seu desempenho com êxito, visto que a mediação é um processo democrático de solução de conflitos, na medida em que possibilita o acesso à justiça à maior parte da população de baixa renda, garantindo maior rapidez e agilidade no processo.
PALAVRAS-CHAVE
Acesso a justiça. Comunidades Carentes. Mediação.

INTRODUÇÃO
Constata-se que cada vez mais, poucos brasileiros recorrem ao Poder Judiciário por haver um descrédito na capacidade da instituição em fornecer uma solução satisfatória e rápida à demanda e por considerar seus métodos de resolução de conflitos complicados para os leigos. Dessa forma, ao falar sobre a aplicabilidade legal da mediação comunitária em comunidades de baixa renda, tem-se como o principal objetivo demonstrar a eficácia, até então pouco conhecida socialmente, dos meios alternativos de resolução de conflitos em comunidades carentes e excluídas do amplo acesso a justiça. Indicando assim a forma utilizada por tais comunidades para alcançar a pacificação de seus conflitos contribuindo com a diminuição das demandas voltadas ao judiciário. Contudo, obtêm-se como principal problema as barreiras encontradas por este novo método para sua real aplicabilidade nas comunidades, analisando os motivos que impedem seu desenvolvimento na sociedade. Portanto, para isto, é necessário primeiramente uma analise geral sobre a finalidade eficaz do processo de mediação, que assim segue.
1 ANÁLISE GERAL DA EFICÁCIA E APLICABILIDADE LEGAL DA MEDIAÇÃO
A partir do Século XX a mediação se tornou formalmente institucionalizada, e passou a ser desenvolvida como uma atividade profissional reconhecida. Sua prática expandiu-se, de forma expressiva nos últimos vinte e cinco anos, e teve como base para sustentação e expansão do reconhecimento dos direitos humanos e da dignidade dos indivíduos, a consciência da necessidade de participação democrática em todos os níveis sociais e políticos, a crença de que o indivíduo tem o direito de participar e ter controle das decisões que afetam sua própria vida, os valores éticos que devem nortear os acordos particulares e, finalmente, a tendência a uma maior tolerância às diversidades que caracterizam a cultura no mundo contemporâneo .
A mediação pode ser definida como um processo no qual uma parte neutra ajuda os contendores a chegar a um acerto voluntário de suas diferenças mediante um acordo que define seu futuro comportamento , caracterizando-se principalmente em um meio mais rápido e menos oneroso ás partes conflitantes. Desse modo, a mediação inserida nas comunidades carentes garante aos mesmos um acesso á justiça mais facilitado e menos dispendioso, possibilitando a resolução de todos os conflitos cabíveis de sua aplicação.
A mediação deve ser pensada dentro do escopo que vai além da sua aplicação como um método de resolução de conflitos, no âmbito do Direito, para repensá-la como uma prática orientadora para o "empoderamento" de grupos menos favorecidos, através da melhoria dos processos comunicacionais . Desse modo é através de sua aplicabilidade nas comunidades carentes que se consegue perceber nitidamente a sua eficácia.
De acordo com Malvina Muszkat , a mediação é um instrumento prestigioso na mudança ética e cultural, na conscientização, para que as pessoas sejam senhoras de seus destinos, investidas na autogestão e resolução pacífica de seus próprios conflitos, com auto-responsabilidade.
A mediação nas comunidades de baixa renda é vista como um meio positivo para soluções de conflitos nos centros urbanos, sua eficácia está além da redução dos conflitos de caráter interpessoais, mas está no desenvolvimento da autonomia e capacidade de análise dos próprios conflitos das partes envolvidas. É um meio sempre disponível para mudanças e reformas culturais e morais.
2 A MEDIAÇÃO COMO FORMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA
Ao analisarmos a realidade em que hoje passa o Poder Judiciário como meio de acesso à justiça, percebemos inúmeros elementos e situações na qual dificulta o acesso das comunidades de baixa renda á resolução de seus conflitos. Dentre esses elementos percebemos a onerosidade das demandas efetuadas e sua insuficiência em estimular os indivíduos a uma análise dos conflitos e sua auto resolução.
Ao trabalharmos com comunidades de baixa renda percebemos como caracterização destes uma grande gama de conflitos decorridos da ausência de uma educação qualificada e carência econômica. Como conseqüência dessa realidade paupérrima desenvolve-se conflitos que são peculiares e constantes nessas comunidades, dentre eles percebem-se problemas com ameaça de morte, conflitos conjugais, violência doméstica e dificuldade com a disciplina dos filhos.
A mediação comunitária como um meio de resolução de conflitos apresenta plausíveis vantagens envolvendo essas comunidades de baixa renda, visto que, excluem de seu andamento os principais obstáculos que hoje enfrenta o Poder Judiciário cujo principal refere-se à gratuidade deste serviço. Outra característica favorável à mediação nessas comunidades diz respeito à autonomia desenvolvida nas partes conflitantes que agora passam a praticar a análise de seus próprios conflitos e as soluções possíveis para seus próprios problemas.
De acordo com Malvina Muszkat a mediação social nas comunidades de baixa renda possibilita a expansão de conhecimentos e capacidades de análise dos conflitos até então não praticados pelas partes, proporcionando o desenvolvimento da democratização, cidadania e o enfrentamento de questões que envolvem a exclusão social, desigual distribuição de poder e violação dos direitos humanos. Portanto, a mediação como meio alternativo de resolução de conflitos é essencial para o amplo acesso à justiça e ao descongestionamento do Poder Judiciário.
3 OS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE COMPROMETEM A APLICABILIDADE DA MEDIAÇÃO EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA
Percebe-se que apesar do surgimento da mediação como um processo que visa promover auxilio ao judiciário, proporcionando a resolução de conflitos de forma mais harmoniosa para as partes conflitantes, tal processo enfrenta inúmeros obstáculos no que diz respeito a sua aplicabilidade na sociedade brasileira e, sobretudo, maranhense.
A origem dos obstáculos enfrentados pela mediação diz respeito à cultura da sociedade em provocar o judiciário por qualquer conflito sem grande relevância, proporcionando assim um acúmulo exagerado de processos sem necessidade de intervenção judicial. Tal problema é justificado ainda pela mentalidade errônea da população em acreditar que o judiciário possui respostas e soluções corretas para resolução de qualquer litígio possível.
Sendo a cultura a fonte de toda a problemática, acaba refletindo no comportamento da sociedade, gerando, assim, muitos problemas que dificultam a efetivação da mediação nas comunidades. Dentre os principais estão a ineficiência da publicação e estímulo do serviço de mediação nas comunidades que acaba acarretando em outros problemas como o não comparecimento dos membros da comunidade nos Núcleos de Mediação Comunitária, destarte, há pouca procura pela falta de informação dos moradores; outro problema observado é a falta de incentivo por parte do governo que não utiliza meios para instigar os núcleos de mediação nas comunidades e decorrente deste problema surge a falta de um espaço adequado para a realização dos serviços e o desestímulo dos mediadores pela falta de uma auxilio financeiro.
Mais um dos problemas observados diz respeito ao fato de que a Mediação Comunitária enfrenta algumas críticas por parte dos próprios operadores do direito, principalmente os advogados e juízes, vindo inúmeros advogados a se posicionarem contrários à prática da mediação por considerarem que tal procedimento estaria roubando seus clientes, pois ao ocorrer o incentivo a práticas que descongestionem o judiciário, os advogados perderiam muito com a diminuição de causas destinadas a justiça comum e os juízes perderiam seu espaço e privilégios na sociedade.
Diante do exposto, é necessária uma efetiva transformação na mentalidade demandista da sociedade que ainda buscam soluções para suas causas apenas nas estruturas morosas do judiciário. Deve-se, antes de tudo, considerar que o que realmente importa é a pacificação do conflito, tornando, assim, irrelevante saber de que parte veio a pacificação, se do Estado ou por outros meios alternativos, desde que o resultado seja satisfatório . Deste modo, ocasionaria a remoção de grande parte dos problemas e obstáculos que estão arraigados na cultura predominante na sociedade e, conseqüentemente, no comportamento coletivo.
4 A MEDIAÇÃO COMO UMA FERRAMENTA DE ACESSO À JUSTIÇA
O direito fundamental ao acesso à justiça deve ser apreciado sob a perspectiva do acesso formal e material. O acesso material é o encontro da justiça propriamente dita, ou seja, o equilibro dos fatos alcançados com base na verdade e na igualdade, possibilitando que cada um obtenha aquilo que lhe é devido, já o acesso formal significa o acesso ao Poder Judiciário por meio de uma ação judicial. O acesso material, ou seja, o acesso à justiça poderá ser concretizado por meio do processo judicial, como também por meio de outros meios de solução de conflitos, como negociação, conciliação, mediação ou arbitragem.
A mediação comunitária é um processo democrático de solução de conflitos, na medida em que possibilita o acesso à justiça à maior parte da população de baixa renda. Além de possibilitar essa resolução, oferece aos cidadãos o sentimento de inclusão social, pois os mesmo participarão ativamente na tentativa de resolução de seus litígios através da escolha da melhor alternativa para adequar-se ao caso concreto.
Segundo a doutora Lilia Sales, não é cabível que entendamos a mediação comunitária como um substituto do Poder Judiciário, mas sim como auxiliador do mesmo, pois quanto maior número de conflitos puder ser resolvido fora dos tribunais, menor será a quantidade de processos dentro dos fóruns, podendo resultar em celeridade processual e uma maior qualidade das sentenças, pois o juiz gozará de maior tempo para os estudos dos processos já existentes, verificando assim, a importância de cada um e sua repercussão para a vida da sociedade a partir de sua resolução .
A mediação comunitária tem contribuído e muito para um maior acesso à justiça por parte dos mais necessitados, havendo a possibilidade de resolução dos conflitos sem os gastos exorbitantes de um processo judicial, além de possibilitar aos mesmos, maior rapidez nesta resolução. Desse modo, contata-se que o surgimento do processo de mediação destinada à comunidade de baixa renda serviu de ajuda tanto ao judiciário, diminuindo assim os números processos que poderiam ser resolvidos por formas alternativas de resolução de conflitos, quanto à população carente, pois esta se sente mais valorizada e assistida pelo Estado, possuindo a resolução dos seus conflitos a partir de diálogos e acordos.
5 MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA NO ESTADO DO MARANHÃO
O Ministério Público por meio das promotorias itinerantes, juntamente com os integrantes do projeto NAJUP, instalaram no bairro Recanto dos Pássaros o primeiro núcleo de mediação comunitária, com o intuito de fazer com que a própria comunidade auxilie os moradores na solução de conflitos. Os membros do Núcleo de Mediação são voluntários da própria comunidade, os quais receberam toda uma preparação para intermediar na solução de conflitos nas áreas de consumidor, família, meio ambiente, saúde, educação, etc, sem qualquer custo para o cidadão, além de receberem também um acompanhamento de estudantes do curso de Direito que integram o Núcleo de Assistência Jurídica Universitária e Popular Negro Cosme.
Entretanto, em uma pesquisa de campo realizada no bairro Recanto dos Pássaros, Iolanda Oliveira- voluntária na Associação dos Moradores- nos relatou que o treinamento para a formação dos mediadores até ocorrem, mas não existe uma preocupação futura com o desenvolvimento de suas atividades, proporcionando assim um trabalho não monitorado e mal executado. A voluntária relatou também que devido ao fato dos mediadores trabalharem fora, eles não conseguem cumprir um horário destinado à população, vindo assim a trabalhar das 14h às 17h quando comparecem. Desta forma, ao percebermos as péssimas condições de acesso ao núcleo de mediação, indagamos á funcionária como era a demanda destinada ao núcleo e a mesma nos respondeu que hoje em dia quase ninguém procura o conselho de mediação por não existir divulgação, pois logo no começo de sua implantação ocorria bastante demanda devido à ampla divulgação realizada na comunidade, mas hoje além do difícil acesso ao lugar não se percebe nenhum tipo de divulgação.
Percebe-se que para que seja intermediado o acordo entre as partes litigantes é necessário que as duas ou apenas uma das partes procure o Núcleo de Mediação. Se apenas uma das partes comparecer, os mediadores entrarão em contato com a outra parte interessada para que discutam a possibilidade de solução do conflito. Além de o próprio cidadão procurar o núcleo para propor a intermediação do conflito, a delegacia do bairro poderá fazer o encaminhamento de casos que não necessitam da intervenção judicial. Já os casos como homicídios, abuso sexual e crimes em geral não serão apreciados pelos mediadores, que os encaminharão para os órgãos competentes. Ao conversarmos com um morador da comunidade, Moisés do Carmo, ele nos relatou que possuía um litígio que endereçou ao conselho de mediação, mas por não ser de competência do conselho, ele foi encaminhado ao Fórum do Estado.
Destarte, em uma conversa com um outro morador, Josimar Silva, ele nos relatou que não sabia nem em que consistia o conselho de mediação, mesmo residindo em frente ao núcleo. Desta forma, ao explicarmos o conceito e objetivos da mediação comunitária, o morador nos relatou que seria bastante válido se o conselho funcionasse e divulgasse seu trabalho, pois ele mesmo só demandava o judiciário em ultimo caso, preferindo até mesmo perder valores sem importância para não enfrentar os problemas e gastos desnecessários que a justiça proporciona.
Em uma conversa com Thiago Gomes Viana, um dos membros do projeto Negro Cosme na Universidade Federal do Maranhão, percebemos que, um dos projetos que o NAJUP realiza é o "Dialogando Cidadania", no qual o NAJUP tem muito interesse de realizá-lo, juntamente com o Ministério Público Estadual e outras entidades parceiras. Os integrantes do grupo, desde a formulação da proposta, ainda nos fins de 2004, vêm estudando o tema da mediação para melhor entendê-lo e trabalhá-lo na comunidade.
O Projeto "Dialogando Cidadania" possui o objetivo de fazer do cidadão o sujeito ativo de sua própria história, implementando assim a mediação como forma de resolução de conflitos, na qual o indivíduo através de um acordo elabora a solução para seus conflitos. Contudo, vale ressaltar que a atuação que o NAJUP pretende realizar na comunidade, em parceria com os membros das demais entidades, não se restringe pura e simplesmente ao processo de instauração da mediação através da capacitação dos futuros mediadores. Por entender que a mediação, apesar de ser um instituto bastante promissor, não é suficiente para atender às demandas da comunidade (por ser, essencialmente uma forma de resolução de conflitos individuais), pretende-se, através de oficinas, trabalhar, de forma mais ampla, as temáticas relacionadas aos seus interesses e problemas coletivos e os demais temas que eles consideram importantes para o exercício pleno da cidadania.
Desta forma percebe-se que o Estado do Maranhão ainda é bastante carente no que diz respeito à meios alternativos de resolução de conflitos, pois mesmo com a implantação deste mecanismos, poucas divulgações acerca deste procedimento são realizadas, apresentando assim um judiciário caracterizado pela superlotação de processos judiciais. Contudo, percebe-se que o processo de mediação comunitária possui objetivos importantíssimos que se executados com êxito irá ajudar não só a população das comunidades como o judiciário estatal.

CONCLUSÃO:
Diante do conteúdo exposto, atingimos a conclusão que a mediação comunitária destinada ás comunidades carentes vem tomando um espaço cada vez maior na sociedade, possuindo como objetivo levar a justiça à pessoas que até então se sentiam negligenciadas pelo Estado. Percebe-se que a mediação vem sendo eficaz em sua atuação, possibilitando assim a resolução dos principais litígios mediante o trabalho realizado em cima do confronto existente, possibilitando, portanto maior inclusão social. Destarte, é notório que para alcançar um amplo e eficaz desenvolvimento desta forma alternativa de resolução de conflito, faz-se necessária maior divulgação e incentivo principalmente no Estado do Maranhão, que foi onde a pesquisa de campo foi realizada.

REFERENCIAS:
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CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

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