Mea Culpa É possível que muitos católicos e todos os latinistas saibam o significado da expressão, acima: é parte de um "ato de contrição" pelo qual o cristão ? seguindo a tradição judaica de bater no peito ? se reconhece pecador, dizendo que é sua a culpa (pecado). Mea culpa, portanto, é o mesmo que minha culpa; meu pecado. E aqui estamos falando de um pecado coletivo... nacional!!! Entretanto, nosso discurso não tem por base o ato cristão de se reconhecer pecador, mas o ato cívico pelo qual deveríamos nos envergonhar das malandragens que aviltam nosso país. Aviltam não porque nos tornamos menos valorosos, mas porque aves de rapina inverteram os valores da moralidade e nos afrontam: não perdemos nosso valor, mas ele nos é tirado. E isso porque o nosso voto que deveria ser a base da democracia, tem sido o ponto de partida para legitimar um "mar de lama" fétida que se espalha em cachoeira a partir do congresso nacional, até empestear as bases da sociedade, espraiando-se nos municípios. Foi do Congresso Nacional que veio a última afronta. Os que têm acompanhado os noticiários já entenderam a que me refiro. Ainda não é oficial, mas o salário mínimo está sendo ventilado para menos de quinhentos e cinqüenta reais. Em contrapartida o Congresso Nacional aprovou mais um golpe de Estado: uma correção salarial que ultrapassa as linhas da sanidade; passa a ser mais um ato covarde, de quem, de fato, não se preocupa com o bem da população. Golpe de estado porque tramado na surdina, contra os interesses da população. Trata-se de um aumento salarial para deputados, senadores, presidente da república e outros da mesma torpeza, que chega a ser uma ofensa à nossa boa vontade. Se o salário mínimo fosse elevado para seiscentos reais, mesmo assim o trabalhador comum demoraria mais de 43 meses para receber o que eles receberão em apenas um mês ? sem trabalho, é bom lembrar. Isso só em termos de vencimento oficial, pois sabemos que as malas e cuecas e meias e outros "fundos" continuarão a ser usados para desviar os valores da ética e da decência. Pior ainda: deputados e senadores golpistas, têm o descaramento de dizer em entrevistas, em rede nacional, que esse assalto aos cofres públicos são para oficializar a compra de votos. Sim, para compra de votos! Pelo menos é isso que afirmam os deputados e senadores (um deles teve a petulância de dizer que é "impossível viver", com os vencimentos atuais, por isso a correção), dizendo que seus vencimentos servem para serem usados nos momentos em que são chamados para "padrinho de casamento, de batizado ou de formatura". São usados para presentear um grupo de pessoas que pediram um favor. É compra de voto, pois o cara oferece o presente, ou o "agrado" agora para, na época da campanha, lembrar ao presenteado em quem deve votar. É compra de voto, confessado em rede nacional. Além de confessar um crime, comete um atentado à ética, pois está legislando em causa própria: correção dos próprios salários não é ação em favor de outrem. Mesmo que seja para patrocinar tudo que lhes é pedido (o que configuram a compra de voto), permanece sendo interesse particular, pois dá o que lhe é pedido para contar com o favorecido na hora da eleição. Mas qual é, então nosso pecado? É ficarmos indignados. Sim, nosso pecado é apenas ficarmos indignados, é apenas esbravejarmos, é apenas escrevermos e falarmos contra esses representantes do malcaratismo que se infiltrou no Congresso Nacional. E foram colocados lá às custas dos votos daqueles que hoje se envergonham ? ou deveriam se envergonhar ? com tantos gestos de pilantragem. Foram escolhidos pelos grupos que os constituíram, mas foram eleitos pelo voto dos cidadãos de bem que se deram ao trabalho de votar, acreditando numa mentira. E a remissão do pecado, diferentemente do que ocorrem no universo católico, em que a confissão sincera extirpa a culpa, não se dará apenas pela admissão da culpa. A remissão deste pecado social, cívico ? que foi o fato de termos votado neles ? somente ocorrerão quando ultrapassarmos a postura da indignação, e passarmos para a ação. É a proposta da teologia da libertação. Há que se partir da constatação do pecado social, passar da indignação para a ação social engajada. Como seria essa ação? Mobilização nacional exigindo imediata renuncia ao cargo. Caso não sejamos capazes disso, continuaremos batamos no peito dizendo: "minha culpa, minha tão grande culpa...", mas mesmo assim continuaremos em pecado, incapazes de tomar medidas para curar o mal que causamos. Lembrando que curar o mal é mais difícil do que instalá-lo. Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; < http://www.webartigosos.com/authors/1189/Neri-de-Paula-Carneiro>; ;