Pois é, eu sempre gostei de arte, de desenho e pintura e até que antigamente eu pintava algumas garatujas, mas sempre entendi assim: uma casa é uma casa, um campo é um campo, uma flor é uma flor. E adoro ver aqueles lindos quadros pintados até mesmo no meio da rua, por pessoas completamente alienadas pelos que conhecem as belas artes, mas que indiferentes a tudo, ali mesmo elas fazem as suas humildes e anônimas exposições, cujas obras não passam de míseros quinhentos e poucos reais que pechinchados, descem até bem mais abaixo, aceitando aqueles artistas qualquer negócio pra sobreviverem.

Nome do pintor? Está escrito lá num cantinho do quadro, mas sabe-se lá quem é Filipe da Costa, João da Silva, Pedro Baraúna. Tomara que os tetranetinhos de alguns deles, daqui a uns cem anos venham a se sentir orgulhosos dos seus tetravôzinhos, hoje tão obscuros e escondidos por trás do maior anonimato. Sim, porque muitos artistas de grande porte só vieram à tona tempos depois da sua morte, e muitos sucumbiram na pobreza e mergulhados em completa frustração.

Hoje a antiga arte realista está sendo substituída pelo surrealismo ou seja, pela ausência de realidade, chamada de expressionismo. Enfim, a realidade está sendo substituída pelo abstracionismo, uma arte moderna sem formas concretas, mas que consegue, dizem os entendidos, transmitir os sentimentos através de rabiscos e pinceladas sem nexo e de esculturas disformes e desproporcionais.

Porém, ainda bem que neste mundo de meu Deus tem lugar pra todos. Se assim não fosse, o que seria do irritante e desarmônico barulhão, do rapp, do pagode e do forró, se só se valorizasse a música dos grandes compositores antigos, ou o que seria da arrojada arquitetura de Dubai e de outras cidades modernas, se só se tivessem continuado a erguer prédios como o Coliseu, não é verdade?  O sol nasce para todos, dizem. Digamos que eu acredite nisso.

Mas tudo isto é pra dizer que esses míseros cento e dezenove milhões de dólares desembolsados anonimamente por um ricaço num leilão na Sotheby`s, em Londres, por aquele maaaravilhoso quadro fantasmagórico, que retrata um espectro de mulher correndo apavorada numa ponte, gritando com a boca escancarada, com os olhos esbugalhados, de braços levantados e mãos sobre as orelhas... Sinceramente, ainda que eu entendesse alguma coisa sobre o valor intrínseco e cultural do famosíssimo quadro, o esbanjamento daquela dinheirama toda me causa um gelado frisson, um mal estar, um sentimento inexplicável, comparando com a triste realidade de tantas famílias famintas e desabrigadas que existem pelo mundo a fora. E perdoem-me os entendidos a minha santa ignorância do assunto, mas eu não daria nenhum dos meus parcos reais por aquele espantalho, que para o meu gosto, cairia muito bem era no centro de uma plantação de arroz, pra afugentar passarinho. E até cachorro morreria de medo.   

 

Júnia - 2012