MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: O apego exacerbado da Academia a uma visão pragmática de ensino

Ana Carolina Gragnanin ¹

Marynelle Leite da Silva ²

 

 

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Globalização na Educação. 3. Tecnicismo no Ensino Superior Brasileiro. 4. A Inserção da Abordagem Social no Modelo Tecnicista de Ensino. 5. Os Impactos da Visão Pragmática de Ensino na Academia Contemporânea. Considerações Finais. Referências.

RESUMO

Esse artigo consiste em investigar em que medida a adoção da metodologia tecnicista inibe a participação da abordagem social no ensino acadêmico. A sociedade contemporânea exige cada vez mais conhecimento técnico por parte dos graduados, que buscam elevar o seu nível intelectual a fim de alcançar uma promissora posição no mercado de trabalho. No entanto, o desejo por maiores resultados em um curto espaço de tempo faz com que as instituições de ensino superior adotem uma metodologia de ensino fortemente tecnicista.

Palavras-chave: Globalização. Educação. Academia contemporânea. Tecnicismo. Abordagem social. Mercado de trabalho.

1 INTRODUÇÃO

Desde sua criação no Brasil, a universidade tinha a função de formar profissionais com o pensamento intelectual condizente ao pensamento político da Monarquia. Com a chegada da Família Real no Brasil, foram abertos diversos cursos avulsos, como: anatomia e cirurgia, que depois evoluíram para o curso de Medicina, bem como os cursos jurídicos  posteriormente para Direito. Diferentemente das Colônias Latinas, esses cursos somente foram instituídos, para suprir às necessidades da Coroa, que estava aqui instalada.

 [1] Graduanda do 10º período do curso de Direito da UNDB.

²[2] Graduanda do 10º período do curso de Direito da UNDB.

Em toda a história da universidade brasileira, o ensino superior foi visto como um centro de difusão dos pensamentos políticos da época. Somente em 1935, Anísio Teixeira desenvolve a ideia de uma universidade brasileira como unidade de debates e pensamentos livres, sendo vedado pela instituição do Estado Novo.

 Já em 1960, Darcy Ribeiro retoma as idéias de Anísio Teixeira, modificando e adaptando-as à realidade brasileira, mas, como definiu Luckesi (2005): “Mais uma vez, as forças contrárias à renovação de ideias impedem despoticamente o desenvolvimento da nascente universidade brasileira”.

A universidade contemporânea não é tão diferente dessas que passaram, difere, porém, no foco de ensino. Se antes o objetivo principal era o de manter o pensamento político do regime vigente, atualmente foca-se, principalmente, em suprir às demandas do mercado capitalista, esquecendo-se dos problemas sociais e impedindo a formação de um visão crítica de mundo.

A grande questão a ser discutida é que o tecnicismo – por ser uma lógica extremamente pragmática – além de tornar o ensino um mero repetidor de idéias prontas, acaba por deixar de lado a abordagem social, prejudicando assim, a formação do pensamento crítico dos acadêmicos. 

 2 GLOBALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Globalização é um termo comumente utilizado para determinar um impressionante fenômeno vivenciado nestes últimos séculos, o qual, influenciado pelos meios massivos de comunicação, os países têm cada vez mais atribuído a um processo de homogeneização cultural, ou seja, deixado seus costumes culturais de lado para submeter-se aos novos padrões de etiqueta da sociedade capitalista. Entretanto, um grande equívoco tem se apresentado: o de considerar a globalização apenas em seu aspecto econômico – esquecendo-se da existência da

chamada globalização cultural.

Este fenômeno tão versátil tem chegado também ao âmbito educacional como uma espécie de padronização do conteúdo ministrado em sala de aula. O advento da tecnologia, sobretudo, impulsionou a troca de informações entre empresas em tempo real e as alianças estabelecidas entre elas, possibilitando a associação entre empresas residentes em países distantes. Assim como na economia, a tecnologia tem representado uma importante ferramenta para a educação globalizada. Um importante exemplo disso é o Sistema Pitágoras de Ensino, que padroniza suas aulas, para que estas sejam as mesmas a serem ministradas nos diferentes pólos existentes da faculdade.

Apesar dos fatores positivos que a globalização pode apresentar, não se pode esquecer, também, de seus efeitos nocivos, como a perda de uma identidade cultural, isto é, um processo tão longo como a construção de um sentimento de nacionalidade pode ser facilmente perdido para

[...] justificar certas estratégias de ensino e aprendizagem, que, através dos programas de qualidade total, buscam o mesmo padrão de ‘excelência’ adotado pelas empresas. Mais uma vez, observa-se uma adequação mecânica e direta do sistema educacional aos padrões organizacionais impostos ao mundo do trabalho. (KAWASAKI, 1997).

 3 O TECNICISMO NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

A sociedade contemporânea é guiada pela satisfação das necessidades do mercado, representadas principalmente na busca incessante pela produtividade – produzir mais em menos tempo. Ou seja, trata-se de uma filosofia tecnicista cujo objetivo central é caracterizado pelo alcance do maior número de resultados possível em um curto espaço de tempo. Não se pode negar que, em se tratando de mercado, é um método bastante eficaz. No entanto, quando inserido no contexto acadêmico, essa eficácia não se expressa de maneira igualitária.

O produtivismo aplicado a uma lógica acadêmica aliena o ensino, pois o condiciona a satisfazer os interesses mercadológicos e econômicos em detrimento dos educacionais, direcionando toda a sua atenção à quantidade e deixando a qualidade em segundo plano. “A questão central do ensino na abordagem tecnicista não é o professor, nem o estudante, mas as técnicas. Nesta direção, reorganiza-se o processo educativo no sentido de torná-lo objetivo e operacional” (ALTOÉ, 2005).

Os critérios de eficácia quantitativa e monetariamente avaliada imperam no mercado. [...] São também inapropriados para orientar a produção de conhecimento e as atividades de pesquisa e ensino associadas a essa produção. (BIANCHI e BRAGA, 2009, p. 54, grifo nosso)

Uma das fortes expressões do método tecnicista é o chamado Ensino à Distância. De um lado facilita o acesso ao ensino superior e, de outro, é apenas uma fábrica que se destina a “produzir” centenas de graduados anualmente. O saber técnico-científico, nesse modelo, é antes de tudo um aliado do processo de produção.

O ensino superior brasileiro contemporâneo, portanto, não toma a qualidade como principal foco e é marcado por uma forte

[...] imprecisão conceitual de "competência" na formulação de cursos, sobretudo na formação para o trabalho, que se configura como reducionista ao tecnicismo e ao comportamentalismo, levando a formações de sujeitos com valores de competitividade com a ótica restrita da dinâmica produtiva, na qual o consumismo é a tônica, longe de ser transdisciplinar. (SANTOS, 2005, grifo nosso)

 4 A INSERÇÃO DA ABORDAGEM SOCIAL NO MODELO TECNICISTA DE ENSINO

O modelo tecnicista, na sua busca desenfreada por resultados rápidos, acaba por desvalorizar as ciências humanas. Através de uma expressiva “ideologia científica” – em que áreas do conhecimento esforçam-se para deixar de pertencer às humanidades – a busca pela objetividade ignora por completo as potencialidades das ciências humanas.

Diversos estudiosos têm discutido a importância da abordagem do aspecto social no ensino tecnicista, principalmente porque os recém-formados acabam demonstrando certo despreparo ante as singularidades de cada realidade, isto é, na sede de formar profissionais que correspondam ao mercado, as universidades essencialmente tecnicistas acabam por formar profissionais sem visão crítica, tornando-os meras peças para o sistema capitalista.

A abordagem social no ensino superior tem a importante função de desenvolver a visão crítica do graduado, além de criar uma personalidade mais nacionalista, ligando-o às questões que afligem a sociedade que o rodeia e retirando-o da alienação causada pelo mercado capitalista.

 5 OS IMPACTOS DA VISÃO PRAGMÁTICA DE ENSINO NA ACADEMIA CONTEMPORÂNEA

O graduado que teve a sua formação em uma instituição tecnicista, além de não ter recebido uma eficaz base humanística e uma completa formação do pensamento crítico, é visto como apenas uma mercadoria para o mundo empresarial. A educação passa a ser uma questão imprescindível para o desenvolvimento econômico, pois “visando à competitividade, os empresários percebem que o diferencial são os recursos humanos de que dispõem e, portanto, passam a valorizar os trabalhadores como capital humano.” (MELO, 2009)

Sendo assim, considerando o graduado como “capital humano”, pode-se dizer que “o tecnicismo garante a exploração dos trabalhadores, fomenta a dominação capitalista e contribui para o processo de ‘formação da força de trabalho’ e da ‘inculcação da ideologia dominante’”. (ALVES, 2008)

Essas conseqüências são extremamente prejudiciais à qualidade de ensino Academia, cuja metodologia se deixa dominar por inteiro pela técnica. O graduado “cai” no mercado de trabalho sem qualquer preparação para lidar com os problemas sociais que o cerca e treinado apenas para a mera repetição de conceitos prontos e normas impostas.

Assim, a abordagem tecnicista pode contribuir para aumentar o caos na educação gerando descontinuidade, heterogeneidade e fragmentação inviabilizando o trabalho pedagógico [...] Portanto, uma abordagem exclusivamente instrucionista não possibilita o desenvolvimento de habilidades como iniciativas, comunicação interpessoal e trabalho em grupo. (ALTOÉ, 2005, grifo nosso)

 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Musse (2000 p. 57), “[...] o combate a ser travado não é mais entre razão científica, cultura literária e ciências humanas, mas sim entre esses saberes e a predominante lógica econômica que dita cada vez mais os rumos tanto da sociedade como da universidade.”

Isto é, cada um destes itens são extremamente importantes para a garantia de uma carreira profissional de sucesso. São eles, atrelados que podem garantir que o recém-formado tenha uma promissora carreira. Somente o tecnicismo, bem como somente o aspecto social, se isolados, não serão capazes de transmitir conhecimento suficiente ao formando, para que este possa suprir às demandas de mercado.

  

REFERÊNCIAS

SANTOS, Aparecida de Fátima Tiradentes dos; DUARTE, Ana Júlia Calazans; SILVA, Valdemar Ferreira da. O ensino médio e a reforma da educação básica. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 29, ago. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782005000200014&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 out. 2009.

BIANCHI, Alvaro; BRAGA, Ruy. Um conto de duas universidades. Revista Cult, Uberlândia, n. 138, p. 53-55, ago. 2009.

ALTOÉ, Anair. Processo Tecnicista. In: ALTOÉ, Anair; GASPARIN, João Luiz; NEGRÃO, Maria Tampellin F.; TERUYA, Teresa Kazuko. Didática: Processos de Trabalho em Sala de Aula. Maringá: Eduem, 2005, p 65-79. Disponível em: <http://www.dtp.uem.br/gepiae/pde/tect.pdf>. Acesso em: 25 out. 2009.

MUSSE, Ricardo. Universidade de resultados. Revista Cult, Uberlândia, n. 138, p. 56-58, ago. 2009.

MELO, Alessandro de. Educação básica e formação profissional na visão dos empresários brasileiros. Educação & Sociedade, Campinas, v.30, n.108, out. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302009000300013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 nov. 2009.

ALVES, Gilberto Luiz. História das idéias pedagógicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.13, n.37, abr. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782008000100016&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 out. 2009.

KAWASAKI, Clarice Sumi. Universidades Públicas e Sociedade: uma parceria necessária. Revista. Faculdade de Educação. v. 23, n.1-2, São Paulo Jan./Dez. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-25551997000100013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 06 nov. 2009

 POWER, Sally; WHITT, Geoff. Mercados educacionais e a comunidade. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 84, set. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000300004> Acesso em: 08 nov. 2009.

 VAIDERGORN, José. Uma Perspectiva da Globalização na Universidade Brasileira. Caderno CEDES, vol.21, no.55, Campinas, Nov. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622001000300006> Acesso em: 05 nov. 2009.

 LUCKESI, Cipriano Carlos [et. al.]. Fazer Universidade: Uma proposta metodológica. - 14. Ed. – São Paulo: Cortez, 2005.