Maria Emídio

Naquele dia, Tozinho Gadelha tinha sido eleito prefeito de Sousa. E na casa de Severino Emídio e Chiquinha, todos comemoravam, menos Maria,  que estava sentada próxima à janela, muito triste, com um olhar de quem tinha uma dor por dentro. O ano era 1955.

Era incrível como ninguém ali, nem mesmo sua própria mãe, percebia que ela precisava de ajuda, e que estava sofrendo com algum tipo de problema.

Severino e Chiquinha tinam sete filhos, quatro eram casados e três eram solteiros, estes eram  Maria, Lino e Joaquim. Maria era a mais nova, tinha dezoito anos, era baixa, magra, tinha os cabelos curtos e a pele do rosto um pouco estragada. Raramente ela sorria, tratava-se de uma moça extremamente triste, que vivia sempre muito calada. Só tinha uma pessoa com quem Maria desabafava e abria seu coração: Sua tia Quinquina, que morava próximo à sua casa.

Naquele momento, seus pais falavam da expressiva votação que o candidato recebeu, e a pobre moça estava angustiada. Algo aflingia seu coração, ela trazia o choro preso à garganta. A jovem estava tão longe nos seus pensamentos, que nem ouvia o que os pais e os irmãos estavam conversando.

No dia seguinte, Maria foi ter com sua tia, que lhe recebeu com alvoroço:

_Minha querida, que tristeza é essa, ainda não melhorou? Não tem jeito não é, você não consegue ficar boa.

_Quina, eu vou beber  veneno!

_Não faça isso não, minha filha! Eu te quero tanto bem, vou conseguir  te ajudar. Prometa-me que não fará isso.

Maria não prometeu, apenas abraçou Quinquina echorou. A mulher  sensibilizada com as lágrimas da sobrinha, sentiu um grande vazio no coração, e também chorou muito.

Quinquina era uma senhora de sessenta anos, tinha quatro filhos que eram casados, seu esposo era um bom homem, ela só não era totalmente feliz porque assistia a dor e os problemas de sua sobrinha querida. Quinquina já tinha conversado com o irmão sobre Maria, inúmeras vezes, entretanto, ele não dava ouvidos, dizia que era nervosismo de menina, e que a filha ainda melhoraria.

No São Diogo, muitos discriminavam Maria, por ela ter problemas de nervos. Poucos naquele sítio, entendiam seus problemas, e muitos julgavam seu comportamento. Desde que tinha  quatorze anos, que a filha de Severino tinha crises de choro e tristeza profunda. Mas nos últimos dois anos, seu estado tinha se agravado, e tornado-se  crítico. Ela já não comia, não dormia direito, estava muito magra, e criando coisas. Ouvia vozes todos os dias, e tinha terríveis pesadelos.

Maria confundia esses pesadelos com sua realidade, e aos poucos, tornou-se amarga e infeliz, vivendo dentro de suas fantasias e imaginações. Não era fácil viver naquele mundo que sua mente havia criado, um mundo terrível. A vida daquela moça era muito ruim.

Chiquinha tinha vergonha da filha e em vez de procurar ajudá-la, escondia seus problemas. Já Quinquina, queria que a sobrinha fosse para a capital do estado, a procura de um médico  especializado no caso, porque em Sousa não tinha um proficional desse tipo. Mas ela não tinha condições financeiras para isso, seu marido vivia da roça, e Severino não dava importância a própria filha. Tudo que Maria sentia, dizia para a tia,e esta, procurava lhe explicar que eram coisas da sua imaginação. Mas era em vão, porque a menina tinha a mente doentia. Era uma pobre criatura que vivia cativa da doença mental.

A tia queria que ela morasse em sua casa para lhe orientar, porém, severino não permitia. Maria era muito carente de amor materno , e amava a mãe apesar de tudo, no entanto, Chiquinha era distraída, e não percebia isso.

Eram inúmeras as criações da mente de Maria. De acordo com sua imaginação, seu pai estava prestes a lhe assassinar, porque a odiava muito, e porque queria  lhe ver longe daquela casa e daquela família. E essa sua paranóia lhe fez pensar em suicídio. Ela não tinha medo da morte, a dor de saber que o pai lhe “odiava” era maior do que qualquer medo. Maria era tomada por um grande desgosto de saber que não era amada pelo pai. Ela queria o suicídio, pois via nele a solução para essa dor. Tudo que a filha de Chiquinha queria  naquele momento era sair daquele sofrimento, daquela vida sem motivos para viver. Não saía de sua cabeça que Severino iria lhe assassinar a qualquer hora.

Quando ela saiu da casa de Quiquina, estava decidida a cometer suicídio, apesar dos conselhos da  tia.  Ao chegar em casa, não encontrou ninguém, os pais estavam na cidade, e os irmãos na roça. Ela foi até o armazém, onde o pai guardava o veneno para matar o bicudo dos legumes.

Maria encarou fixamente o veneno, depois aproximou-se, e com um copo d’água, ingeriu o mortífero produto. Alguns minutos depois, ela estava desmaiada no chão.

Quando Joaquim e Lino voltaram da roça, e foram guardar as enxadas, encontraram a irmã estirada, e entraram em pânico. Tentaram reanimá-la, porém, foi em vão. Então, levaram a irmã para o quarto. Nesse momento, Chiquinha e Severino chegaram da cidade, e muito nervosos, com o que os filhos disseram, não souberam o que fazer, a não ser tentar acordar a filha. Assim como os rapazes, eles não obtiveram êxito. Maria estava entre a vida e a morte.

Chiquinha gritava desesperadamente, o que chamou a atenção de Quinquina e de todos os vizinhos. Quinquina muito angustiada e chorando bastante, correu até a casa do irmão, já suspeitando o que tinha ocorrido.

_Maria, Maria! Gritava a tia.

_Ela tá morrendo. Disse Chiquinha.

_Minha sobrinha tomou veneno. Gritou Quinquina.

Nesse momento, houve um espanto por parte dos pais da menina e dos vizinhos.

_Depressa Severino, vá a Sousa, buscar Doutor Sinval! Ordenou a tia de Maria.

Severino saiu correndo para a cidade, e Quinquina foi ver a sobrinha, enquanto Chiquinha e os filhos, recebiam o apoio dos vizinhos. Quando ela chegou no quarto e viu Maria na cama, sentiu que não havia mais jeito, e que a jovem iria morrer. A tia pegou na sua mão, e despediu-se:

_Adeus minha sobrinha amada, eu nunca vou te esquecer. Você estará sempre no meu coração. Seu fardo acabou, descanse em paz.

Quinquina entre soluços, abraçou a moça e beijou sua face. Mas não saiu de perto dela, ficou até o médico chegar. Quando este chegou e se aproximou, disse que ela estava em estado de coma profundo, e que não havia mais jeito.

_Mas fique Doutor, não vá agora! Disse a irmã de Severino.

_Claro minha senhora, acompanharei o caso até o fim, mas não tenham esperanças.

Na sala, Chiquinha estava em estado de choque, nunca imaginou que o estado emocional da filha fosse tão sério. Agora o remorso estava no seu coração, porém, era tarde demais. Quanto a Severino, este recebia os amigos e cuidava do que tinha que ser resolvido, num momento como aquele. Ele estava muito envergonhado do que a filha tinha feito, e sentia-se culpado de não ter ouvido a irmã.

Á noite, o médico foi até a sala, e disse que Maria tinha morrido. A mãe voltou a gritar, e Severino foi tentar acalmá-la. Os irmãos abraçaram-se chorando, e Qinquina foi até o quarto, vestir a moça. Apesar de ser doloroso, ela fez questão de arrumar Maria. Quinquina esteve com ela até o minuto derradeiro.

_Voa, voa passarinho, para o céu encontrar! Disse a mulher quando sepultaram a sobrinha.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento