“MAR” ... simplesmente!

Enquanto eu olho para o teto deste lugar lindo, meu coração bate mais forte dentro de meu peito. Não é apenas uma emoção. É uma alegria imensa de estar aqui participando desse momento mágico em minha vida.

Essa é a igreja católica Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças na cidade de Paris, França. Ao lado do corredor central, em um dos bancos da igreja em frente ao altar existe um lugar para que eu me sentar. São 21:10 hs. Não quero perder nem um detalhe e o brilho em meus olhos destacam a minha alegria. Eu estou com um traje social, terno azul escuro, gravata e sapatos pretos.

Chegou o grande momento, já ouço a clarinada e a marcha nupcial está sendo iniciada; clarinetes e trompetes tocam, a soprano canta junto com o tenor e a enormes portas de madeira da frente da igreja são abertas. Sobre o tapete vermelho que se estende pelo corredor central entra a noiva, Mariana. Ela, olhos verdes, pele clara, cabelos loiros encaracolados e compridos. Veste um lindo vestido de noiva, branco com rendas, estilo ‘tomara que caia’, deixando seus ombros a vista; usa luvas brancas compridas até os cotovelos; destacando a sua aparência de princesa, em seus cabelos, ela usa uma bela grinalda segurando o véu que se estende de seu rosto, cobrindo sua cabeça e caindo pelas costas estendendo-se pelo chão, atrás dela, por mais de um metro. Sua beleza não é só a do corpo físico bem cuidado, de seu maravilhoso traje e de seu sorriso cativante, mas aos seus 29 anos, o seu espírito é belo e renovado. Quem a acompanha no cortejo de entrada é seu pai, orgulhoso e muito diferente do homem que conheci há alguns anos. Ao lado do altar, está o noivo, Jean Paul, um homem maduro na idade, 42 anos, mas sua aparência é de 30 anos; cabelos curtos e pretos; olhos castanhos escuros; pele clara e uma suavidade estampada na sua face de quem está vivendo um sonho de amor. Está vestindo um smoking preto, estilo fraque, gravata borboleta, um lenço branco e flor na lapela, calça e sapato de muito bom gosto dando um toque formal a celebração do casamento.

Caminhando pelo corredor, Mariana, vem como um anjo, em meio as flores que decoram toda a igreja. São rosas em sua maior parte e todas perfumadas. O som das vozes e dos instrumentos ecoam de uma maneira magnífica pelos ares daquele ambiente. Tudo está perfeito e os convidados parecem estar inebriados. Eu estou bem a frente e Mariana vem lentamente, cada vez mais para perto de mim. Que alegria eu estou sentindo ao vê-la! Eu não consigo controlar minhas emoções e de meus olhos brotam lágrimas de felicidade. Ao passar por mim, Mariana, com aqueles lindos olhos verdes, fita-me com intensidade e o meu olhar mistura-se com o dela, fazendo com que eu perca a noção de tempo e espaço...

_ Moço! ... moço! ... moço!

É uma menina com o aspecto de ter a idade de uns 12 anos tocando em meus braços e procurando chamar-me a atenção. Eu estou sentado a uma mesa, tomando o meu café matinal, em uma padaria nos arredores da avenida ‘Paulista’ na cidade de São Paulo, Brasil.

_ Moço! Se eu sair com você, você me paga um pastel, um refrigerante e uma coxinha de galinha. Estou com fome!

Olhei para ela, e não estava acreditando no que eu estava ouvindo. Falei para ela que eu pagaria o que havia pedido para comer e que não precisava fazer nada em troca.  Fiquei sem palavras...

Eram 8:14 horas daquela manhã de outono, e o tempo estava nublado, talvez chovesse ainda pela manhã. Disse a ela que poderia pedir o que queria com o garçom. Então compreendi o que ela havia falado para mim. Era uma jovenzinha, um pouco maltratada em sua aparência, magra, de estatura alta para a sua idade, usava uma sandália ‘rasteirinha’, uma calça ‘jeans’ surrada e apertada ao seu corpo de menina moça, um mini blusa branca simples deixando sua barriga a mostra e com os cabelos compridos loiros presos em forma de ‘rabo de cavalo’.

Ela voltou do balcão com o seus salgados, refrigerante e com um sorriso enorme mostrando seus lindos dentes. Convidei-a para sentar à mesa que estava, ela ficou na minha frente e comeu com uma voracidade que eu não tinha visto ainda em ninguém. Não falei nada até ela devorar o seu pastel de queijo com palmito. Depois perguntei:

_ Qual é o seu nome?

Agora com mais calma e alimentada falou:

_ Maria... mais... Ana! Pode me chamar de “Mar” ... Quando vou passear a cidade de “Santos” com alguém, eu acho bonita toda aquela água azul esverdeada das praias. Eu sinto que sou parte do mar.

Eu Imaginei as águas do oceano quando olhei para os seus olhos verdes, tão lindos e vívidos!

Nós já tínhamos terminado de comer. Eu me levantei, peguei a comanda para pagar e me dirigi ao caixa. Ela me acompanhou e ficou olhando para os doces na vitrine do caixa. Falei que ela poderia escolher o que quisesse e ela pediu uma barra de chocolate. O rapaz do caixa pensou que ela fosse minha irmã. E até brincou, falando para mim ... Volte sempre, cunhado!

Comecei a caminhar pela calçada da avenida ‘Paulista’ em direção ao prédio do “Masp” (Museu de Arte de São Paulo), onde eu iria apreciar o acervo de pintura. Ela me acompanhou e perguntou se eu conhecia algum hotel onde eu e ela iríamos. Eu percebi que ela não tinha entendido ainda então eu expliquei que ela era muito jovem e não deveria ter este tipo de atitudes para viver, que deveria estar na escola, brincando com suas amiguinhas e vivendo com a sua família. Ela me olhou com surpresa e apresentando muita carência em seu olhar. Resolvi que seria bom conversar um pouco mais com ela e verificar se eu poderia fazer algo a respeito dela estar na rua sem uma solução digna para sua vida.

O que mais poderia eu fazer naquela hora? Sentamos em um dos bancos do ‘Parque Trianon’ que se localiza na própria avenida, em frente ao elegante edifício do ‘Masp’. Escutei um pouco sobre a sua história. Ela me falou:

_ Não tem problema, moço, eu faço isso sempre. Já estou acostumada. E até gosto, quando não levo uma surra de alguns “caras” (homens)!

Eu falei:

_ E seus pais, sua casa?

Ela respondeu:

_ Quando eu voltar para casa hoje vou ter que levar dinheiro. Meu irmão de 5 anos tem muita fome. Eu acho que vou comprar para ele umas bananas e um litro de leite. Meu pai vive embriagado pela cachaça desde a manhã até a outra manhã, todo dia. Antes ele me obrigava a deitar com ele. Agora ele nem aguenta mais nada, só vomita em cima de mim. Minha mãe, fica lá com aquela latinha vazia de refrigerante, ou cheirando ‘cola’, ou fumando ‘crack’. Sabe é bom nem falar com ela, senão ela ‘pira’ e espanca todo mundo... Até o meu pai sai apanhando, coitado!

Assustado eu nem falava, só ouvia...

_ Então moço, eu saio cedinho de casa e venho de ônibus para cá. Esse lugar aqui tem muitos homens com dinheiro, e que gostam que eu faça coisas muito esquisitas com eles. Já faço isso a 6 meses, foi quando minha mãe disse para que eu saísse de casa e não voltasse sem dinheiro. Fiquei sem rumo e acabei vindo de ônibus até aqui nessa avenida. Conheci uns rapazes bonitos e eles me ensinaram algumas formas de ganhar dinheiro por aqui. Larguei de frequentar a escola, eu não gostava de lá mesmo... Mas sinto falta dos amigos... Eu até me divirto com o que faço aqui. Só uma vez, que foi na semana passada, em um hotel, o homem me pediu para virar de costas, e ... como doeu! Não pude me sentar por uns dois dias. Mas ele me deu duas notas de R$100,00 (cem reais), valeu a pena! Minha mãe pode pagar a dívida com o traficante da esquina de nossa rua; ela já vendeu tudo que nós tínhamos dentro de casa e vendeu a vida dela também, só falta vender eu e meu irmão... Coitada!

Eu fiquei ouvindo e refleti que já era hora de falar algo... E com certo receio de ser mal interpretado, senti-me muito estranho, eu disse a ela:

_ Você conhece Jesus?

Ela falou:

_ Não. Ele gosta de meninas também, vai pagar bem? Eu faço qualquer coisa para ele, até aquilo que dói, mas quero comprar hoje uma roupa nova e uma bota preta. Será que ele paga? Leva eu até ele!

Era a atitude que eu precisa para iniciar uma outra conversa. E falei:

_ “Mar” ... Jesus é um homem, mas é diferente. Ele não quer que você faça nada destas coisas para Ele. Ele quer amar você mas de uma forma diferente. Ou melhor dizendo... Ele ama você!

Ela falou:

_ Mas eu não o conheço! De onde Ele me conhece? Ele tem dinheiro?

Eu disse a ela:

_ Vamos até um lugar aqui perto e eu vou apresentar você a Ele.

E fomos... De onde estávamos, andando pelas calçadas largas da avenida ‘Paulista’, em meio aos edifícios enormes e muitas pessoas que transitam para todos os lados, depois de umas cinco quadras chegamos a igreja São Luís Gonzaga, que fica na esquina da avenida com a rua ‘Bela Cintra’. Entramos lá dentro, ela olhava apreensiva e disse baixinho para mim.

_ Eu já entrei aqui uma vez. Fiquei com medo de ficarem bravos comigo e saí depressa.

Eu a levei mais até perto do altar, e lá sentamos no primeiro banco. Eu disse:

_ Aqui, “Mar”, você pode falar com Jesus. Ele vai responder para você em seus pensamentos, pela palavra de Deus que está escrita na bíblia sagrada e principalmente através da eucaristia, que é onde Ele se une a cada pessoa que O procura de uma forma viva e concreta.

Ela me respondeu meio confusa:

_ Eu não sabia que existia um Deus, bíblia, eucaristia??? E onde está Jesus? Eu quero ver se Ele gosta de mim. Preciso andar logo para continuar a minha vida com mais homens por aí.

Eu sabia que ela não entenderia logo. Mas era um primeiro passo e eu poderia fazer algo. Procurei junto com ela o padre responsável daquela igreja. Eles são da ordem dos ‘jesuítas’ e cuidam da instituição de ensino “Colégio São Luís”, que está ao lado da igreja. Apresentei a ele a Mariana (Mar) e contei a história toda.

E, Jesus, naquele momento, interviu! O padre, sensibilizado com aquela história assumiu a responsabilidade de ajudar na educação dela e ajudar a sua família. E foi o que aconteceu... Ao longe, vindo do lado de fora da igreja vinha uma música aos meus ouvidos que dizia... “Deus Santo... Deus Forte... Deus Imortal tende piedade de nós! ...”

E me transportando no tempo novamente... Eu ouvi a voz da soprano entoando a marcha nupcial em uma nota mais intensa que me trouxe a si.

O olhar da Mariana, esverdeado era o mesmo, intrigante, vívido e lindo. Ela passou por mim e foi em direção do seu noivo. Era um nova vida que se iniciava para ela. Eu já não me continha em lágrimas e me sentei. Olhei para o alto da igreja novamente. E disse em voz baixa...

_ Obrigado Jesus!

Escrito em 2013 por Vito Antonio Fazzani... A paz esteja com você!