Poucos de nós paramos para pensar. Talvez por isso poucos de nós nos damos conta de como somos dependentes das máquinas e como elas são importantes e facilitam nossas vidas. Poucos de nós nos damos conta de quanta tecnologia e conhecimento acumulado está presente em coisas aparentemente simples, como, por exemplo, o simples abrir e fechar de portas ou acender um palito de fósforo.

Vivemos rodeados de máquinas que facilitam nossas vidas e produzem nosso conforto. E justamente esse conforto, pode ser visto como uma das causas de algumas de nossas limitações. Quanto mais nos envolvemos na sociedade tecnológica, mais perdemos algumas de nossas capacidades para enfrentar dificuldades naturais. Ao acender um palito de fósforo, perdemos a capacidade de produzir fogo; ao usar um computador perdemos a capacidade de memorizar e efetuar cálculos ou, ainda a habilidade motora da escrita; ao utilizar uma frigideira perdemos a capacidade de trabalhar, por exemplo com a argila para produzir recipientes; ao pilotar uma moto perdemos a capacidade de nos locomover com os próprios pés... Mas é inegável que nessas e em todas as outras criações estão presentes os resultados das inovações tecnológicas. Tudo isso é fruto do constante acúmulo de conhecimentos ao longo dos milênios da história humana.

Apenas como exercício tentemos imaginar nosso dia-a-dia sem nenhuma das inúmeras máquinas que nos cercam: caneta, fogão, talheres, prato, papel higiênico, torneira, calçados, arroz empacotado, rádio, televisão, automóvel, telefone... Como seria nossa reação se, ao chegarmos em casa nosso fogão não tivesse gás e tivéssemos que usar lenha. Como reagiríamos se, em seguida, fossemos até o banheiro e ali não houvesse um vaso sanitário e uma pia... qual seria nossa reação ao entrar em nosso quarto não houvesse uma cama, com um colchão macio, nem um guarda-roupa...

Agora reveja o que o cerca: você já se deu conta que tudo que nos cerca é uma espécie de máquina – um elemento mecânico que facilita nossas atividades? Será que já nos demos conta que uma mesa é uma máquina de apoio, da mesma forma que um caminhão é uma máquina de transporte; uma cadeira é uma máquina de descanso da mesma forma que uma faca é uma máquina para múltiplos usos. Como seria nossa vida sem isso?

Agora pensemos um pouco: o que tem em comum todas essas máquinas? Além da inteligência humana, a força criativa e transformadora desenvolvida pelas pessoas. Nelas também está presente a melhoria da qualidade de vida – e alguns transtornos. Notemos que as máquinas, ao mesmo tempo que produzem conforto, reduzem algumas de nossas habilidades. Afinal de contas, quem prefere andar a pé quando dispõe de bicicleta, moto, carro? Isso sem falar das agressões à natureza produzidas, por exemplo, pelos veículos motorizados. Na mesma medida que facilitamos nossas vidas com as máquinas, em muitos casos debilitamos nossa saúde pelo seu uso. Na medida que nos transportamos sobre rodas deixamos de nos exercitar – e quem paga o preço é nosso coração; na medida que algumas máquinas preparam o arroz desde sua colheita até sua ingestão, bem temperado, perdemos a capacidade de usarmos nossa força para plantar, transportar e, com isso nossa capacidade física vai se debilitando...

Cada dia que passa mais nos debilitamos porque usamos máquinas como próteses ou muletas para suprir algumas de nossas limitações. E quanto mais usamos alguma coisa para nos complementar, mais essa coisa se impõe sobre nossa limitação ou nossa necessidade. E assim nos mantemos nesse paradoxo de uma existência angustiosa: se não produzimos mais máquinas nos sentimos mais limitados; mas ao nos darmos a ajuda das máquinas percebemos que nos tornamos cada vez mais dependentes delas: elas nos escravisam. Já dizia Raul Seixas naquela música cujo conta uma história: "as aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor". Numa das estrofes o "Maluco Beleza" cantava: "a civilização se tornou tão complicada, que ficou tão frágil como um computador, que se uma criança descobrir o calcanhar de Aquiles, com um só palito para o motor". E a complexidade de nossa civilização se tornou tão grande que por vezes nem percebemos que nossa humanização não se deve mais à nossa racionalidade, mas à nossa capacidade de criar dependências das máquinas. Tanto que nos autodenominamos de sociedade do conhecimento. Mais exatamente: sociedade dependente de tecnologia. Nosso imensurável volume de conhecimentos é, cada dia mais, usado para produzir equipamentos-máquinas que nos aprisionam.

Considerando tudo isso, continuemos a refletir: vivemos rodeados por máquinas. E, cada vez mais, dependentes delas.

Mas o que seria de nós, os humanos, sem a primeira pedra usada como ferramenta? O que seria de nós se alguns malucos não se tivessem mostrado insatisfeitos com aquilo que a natureza oferecia? Como teríamos saído das cavernas para os caixotes empilhados, se não fossem as próteses mecânicas a suprir nossas limitações, criando e ampliando possibilidades? Fizemos isso justamente com a capacidade de criar máquinas: a capacidade de transformar coisas em ferramentas de uso. Transformar limitações e necessidades em soluções e possibilidades. Isso nos humaniza, e nos prepara para o diferente, mesmo que esse diferente nos limite mais, pois nos prepara para avançar em direção àquilo que podemos construir...

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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