Contexto

Maquiavel (1469-1527) vive durante a renascença italiana e isso é um fator determinante para seu pensamento, principalmente na obra O Príncipe, quando Maquiavel escreve sua mais aclamada (e polêmica, deturpada e odiada) obra em 1513, ele está em uma "Itália" de principados frágeis com ameaças constantes de outros territórios (Império Germânico, França e Espanha), além de uma política de ilegitimidade do poder, com fracionamento territorial e político, desordem e a falta de um Estado central, começamos a entender qual a proposta n'O Príncipe, a unificação da Itália e a constituição de um governo forte.

Maquiavel é contemporâneo de figuras clássicas na história, os governantes como os Médici, os Borgia, os Orsini, os Papas Alexandre e Júlio isso por si só mostra que ele pôs por escrito o que observara, e isso fica evidente pois O Príncipe quando foi escrito para Lourenço de Médici e distribuído entre amigos e intelectuais da época não causou nenhum escândalo ou reprovação pública quanto a que viria a causar posteriormente a ponto de ser colocada pelo Papa no Index em 1559.
Por fim, para entender o pensamento, a obra e a moral de Maquiavel inicia-se pelo seu contexto enquanto sujeito histórico.


Pensamento

Maquiavel faz parte do grupo de pensadores modernos que nós já ouvimos falar mas não conhecemos a fundo as suas obras, isso levou ao decorrer dos tempos a construção no imaginário popular de que Maquiavel foi algum déspota, a favor do imoralismo político, o que não é verdade.

O pensamento de Maquiavel é profundo, complexo e dual, mas primeiro entenderemos o porquê dessa construção do pensamento de Maquiavel ser imoral e déspota. Maquiavel escreve O Príncipe em 1513, com a publicação da obra postumamente em 1532, uma obra que o decepcionou em vida mas é a responsável pela deturpação de seu pensamento que dura até os dias atuais. Tudo começou com um cardeal inglês, chamado Reginald Pole, que ao ver a influencia das obras do pensador florentino sobre o chanceler de Henrique VIII tratou imediatamente de ir a público difamar Maquiavel acusando-o de ateísmo, satanismo, crueldade e despotismo. Na época os Jesuítas preocupados em manter o Estado junto a Igreja contribuíram para a difamação da imagem de Maquiavel.
O florentino viria a ser tratado então como um imoralista político, mas todas as acusações são feitas sempre baseando-se na leitura d'O Príncipe e ainda assim fazendo recortes tendenciosos e descontextualizados de sua obra.
Essa imagem sobre Maquiavel viria a durar até o século XIX que a partir dai não iria mais se procurar louvar ou denegrir seu pensamento, mas avalia-lo criticamente e contextualizando-o dentro de sua inteireza, pois Maquiavel foi também um historiador que escrevia sobre a História Antiga de Roma, além de suas análises empíricas do seu momento histórico.

O pensamento de Maquiavel é caracterizado por um realismo extremo, isso quer dizer que Maquiavel analisava o mundo como ele era e não como gostaria que fosse, com isso ele quebra o pensamento grego da criação de utopias políticas, ou seja, ele não descreve como o homem deve agir e como deve ser o governo, mas como ele age de fato e como de fato o governo é.
Maquiavel observa os fatos, atém-se ao estudo histórico da cidade de Roma e chega a uma conclusão muito antes de Hobbes que afirmava que o homem é mau por natureza, Maquiavel já havia dito que os homens sempre agiram pela via da corrupção e da violência, "... é necessário que quem estabelece a forma de Estado e promulga as suas leis, parta do princípio de que o todos os homens são maus, estando dispostos a agir com perversidade sempre que haja ocasião" (MAQUIAVEL, N. - Comentários sobre a primeira década de Títio Lívio, Livro I. Cáp. III). Diferentemente do que afirmava Aristóteles, de que o homem era uma animal social, Maquiavel dirá que ele é um animal antissocial e que seus instintos são claramente egoístas, ambiciosos, invejosos, traiçoeiro e vingativo, Maquiavel conclui que o homem só pratica o bem e submete a lei movido pela necessidade de sobrevivência.
Existem dois Maquiavéis, o Maquiavel Monárquico de O Príncipe e o Maquiavel Republicano de As Primeiras Décadas de Títio Lívio, a interpretação que eu mais aceito sobre os dois Maquiavéis é a seguinte: É a de que Maquiavel defende a Monarquia ou Principado como forma de governo para a fundação de um novo Estado ou adequada para a reorganização de um Estado decadente. Já a forma de Republica é para um momento a posteriori da fundação ou reestruturação de um Estado decadente, pois para Maquiavel um governo que tem participação do povo tem a chance de errar menos, e um povo livre da tirania é capaz de encontrar forças e motivações para enfrentar o mundo. Isso mostra que, ao contrário dos seus detratores pensa, o governo ideal para Maquiavel é a República.

Virtù, Fortuna e Ocasione:
Maquiavel não é inventor desses termos, eram termos em uso na sua época, mas ele foi responsável por uma redefinição principalmente do termo Virtù que para os cristãos tinha outro significado que era relacionado a moral cristã (fé, benevolência, etc..). A Virtù em Maquiavel é a capacidade do príncipe lidar com as adversidades, com os imprevistos. A Virtù então é uma habilidade de lidar com o mundo e não mais aceita-lo, o homem torna-se protagonista para modifica-lo, cabe a ele aproveitar o momento correto.
A Fortuna remete a uma deusa romana, filha de Jupiter, esta poderia ser boa ou má, pois ela era a sorte/destino. Para Maquiavel todos nós temos Fortuna, mas nem todos temos a capacidade de aproveita-la (a Virtù). Maquiavel dirá então que o homem virtuoso é aquele que enfrenta as maiores adversidades e perigos impostos pela "fortuna" (destino), isso rompe com a virtù cristã, pois o homem virtuoso já não é mais aquele que se submete a razões superiores ou confia numa justiça divina, ou ainda, não espera que com orações se resolvam os conflitos que trava com o mundo mas sim com suas ações frente aos imprevistos.
Para sintetizar isso, "A virtù consiste em aproveitar a occasione proporcionada pela fortuna".



Moral

O pensamento moral em Maquiavel não prevê um hierarquia moral a ser seguida como ocorria com os nobres na Idade Média, o valor moral dado as ações são julgados a posteriori do feito, com isso o príncipe poderia usar quaisquer artifícios fosse para alcançar seu objetivo, desde que sua finalidade fosse justa (manter o poder, conquistar o poder e fazer o bem coletivo). Por causa disso os detratores de Maquiavel o chamaram de um "imoralista político" quando na verdade seu pensamento é "amoral" como bem disseram os pensadores do século XIX, já que o julgamento vem depois do feito e não antes. Uma crítica a essa nova forma de conceber a moral política é de que o príncipe poderia ser um déspota e justificar suas ações argumentando que suas finalidades são boas e assim usar de todos os meios para chegar aos seus objetivos, usando de opressão à censura.
A moral do pensamento maquiaveliano então rompe totalmente com o conceito medieval, cria-se aqui a Ciência Política, pois se faz uma analise da política como ela realmente é desvinculando-a a qualquer moralidade, a política passa a ser um objeto próprio de estudo.
A relação entre a Virtù e a moral no pensamento de Maquiavel prescinde, de modo absoluto, qualquer pensamento moral sobre os seres humanos, os virtuosos são os que observam as alternativas e independente dos caminhos alcançam o objetivo desejado. A virtù em última instância é nossa capacidade pessoal de afirmarmos nossa liberdade frente à fortuna, frente ao destino.