Cada vez mais cedo somos ajustados a repetir e valorizar centenas de padrões exaltados como “bons”.

É comum chegarem ao consultório do analista pessoas em boas roupas, com bons aparelhos eletrônicos, bons currículos escolares e profissionais, com bons discursos sociais, morais, religiosos, éticos...

Porém com uma sensação de angústia que não sabem de onde vem, pois, aparentemente, estão bem sucedidos na vida: com bons trabalhos, bons casamentos, bons filhos... Mas angustiados... sendo comuns frases do tipo:

- Já tomei tal remédio (que todo mundo diz que é bom);

- Já fiz pensamento positivo (pois todo mundo diz que é bom);

- Já fui em tal religião (aquela que todo mundo diz que é boa);

- Já li (bons) livros de auto ajuda...

- Já... Já... Já... fui atrás de tudo que dizem ser “bom”... Tenho um monte de boas coisas e boas qualidades... e minha vida não está boa... Não ando bem.

Atualmente, somos bombardeados com todo tipo de mensagens nos dizendo que precisamos seguir determinadas regras para sermos felizes e prósperos... Aliás, como tenho escutado essa palavra: prosperidade...

...ela é exaustivamente relacionada à aquisição de “bons”:

- bons bens de consumo;

- boas glórias espirituais;

- boas ações ambientais;

- boa sensação de bem estar (por meio de antidepressivos);

- boa imagem ao repetir conceitos tidos como certos e verdadeiros, não se afirmando nada e nem tomando  posição alguma sobre assuntos que possam ser encarados como politicamente incorretos... e por aí vai.

Com tudo isso, é lógico que as pessoas estejam angustiadas, pois a maioria está levando uma vida inautêntica.

Mas... Quem determina o que é bom?

Como diria Nietzsche, o bom é determinado pelo bom, ou seja; por aquele que está no poder.

O poder está nas mãos de marcas poderosas, de poderosas empresas de comunicação e de poderosas instituições (universidades, igrejas, institutos de pesquisa, partidos políticos, órgãos governamentais, sindicatos, associações de classes)... Todos eles, à sua maneira e de acordo com seus interesses, ditando o que é certo e “bom”. 

Com todos os “bons” dizeres ditados por esses e outros poderosos, tem sido difícil para as pessoas “normais” perceberem seus próprios parâmetros e conseguirem, com isso, a conquista de sua individuação, o que é bem diferente de individualidade.

Individualidade todo mundo tem, pois ao nascermos, cada um já vem ao mundo com determinados traços característicos:

Uns são mais leves, outros mais pesados, mais rosados, mais morenos, mais cabeludos, menos cabeludos, chorando mais, chorando menos, comendo mais, comendo menos e assim por diante.

Agora... Individuação é outra coisa.

A Individuação obriga os sujeitos a nem sempre se sujeitarem à opinião consensual e irem atrás dos seus próprios valores, o que, muitas vezes, desagrada a maioria.

É o caso, por exemplo, daquele (a) filho (a) que quer seguir determinada carreira diferente daquela que os pais lhe determinaram;

É o caso daquela menina ou daquele menino de família tradicional que se sente atraído, sexualmente, por pessoas do mesmo sexo e que teme ser rejeitado por parentes e amigos dos quais gosta;

É o caso daquele político que não quer compactuar com atitudes contrárias ou ilícitas de seus companheiros de partido e teme ser prejudicado física ou moralmente por isso;

É o caso daquela esposa que não quer ser apenas mandada e abusada pelo marido, e sim, respeitada como parceira, mas que pode apanhar ou até mesmo morrer por querer ser feliz fora das ordens dele... E são tantos os casos... E todos eles ligados ao que o ser humano mais busca na vida: poder.

Esse é um assunto polêmico... muitos pacientes, alunos, amigos, parentes... ao serem informados dessa busca, primeiramente rejeitam essa informação ao dizerem que sua maior busca na vida é pelo amor, pela espiritualidade, pela paz, pela justiça, pela virtude e por outros tantos conceitos politicamente “bons” e corretos difundidos em nossa sociedade, porém todas essas buscas – que são positivas – são movidas pelo desejo de poder:

-   de poder amar;

-   de poder seguir suas crenças;

-   de poder viver em paz...

...E para poder conseguir tudo isso é preciso primeiro se autoconhecer, para então, poder se permitir sair da individualidade e conquistar a individuação.

Só que o caminho do autoconhecimento não é tão fácil como se imagina.

É comum pessoas procurarem terapia dizendo que querem se conhecer e pedirem ao analista lhes dizer somente a verdade custe o que custar.

Então as sessões começam...

Enquanto o analista fala coisas que permitem ao analisando (paciente) conhecer seus lados “positivos” e, com isso, se sentir bem... Perfeito!... É esse o autoconhecimento que a pessoa queria.

Mas conforme esse conhecimento vai sendo aprofundado e o analisando começa perceber seus lados “negativos” e como eles promovem certos desprazeres em sua própria vida... Desprazeres estes que a pessoa justificava serem causados pelas outras pessoas ao seu redor... Aí a coisa “pega”.

E por que “pega”?

Porque somos acostumados a colocar a culpa nos outros.

E por que fazemos isso?

Porque somos ensinados, desde pequenos, a colocar nossa vida nas mãos dos outros.

Quem nunca ouviu ou pronunciou frases do tipo:

“Não faz assim... O que os outros vão pensar?”

“Menina... Se você continuar desse jeito vai ficar mal falada”

“Menino... Não faz isso porque senão os outros vão dizer que você é...”

“Ah! Eu não esperava ouvir isso de você.”

Essas e tantas outras frases nos fazem agir de acordo com o que foi escrito na primeira linha deste artigo: que somos ajustados a repetir e valorizar centenas de padrões exaltados como bons. A questão é: Bom pra quem?

O psicanalista Erich Fromm chamou isso de conformidade de autômato, pois automaticamente repetimos e valorizamos padrões em nossa vida sem, muitas vezes, nem saber por que fazemos, apenas nos conformando com o “bom” ensinado pelas tradições da sociedade.

É possível, sozinho, perceber todos esses padrões e usá-los ou não de acordo com a própria vontade, conquistando a individuação?

É até possível fazer isso sozinho, só que é muito difícil...

...difícil porque na maioria das vezes esses padrões não são percebidos de maneira clara e consciente pela nossa mente, pois são camuflados pelas nossas crenças. 

E como comprovou Freud,

grande parte das nossas crenças, ao contrário do que parece, são regidas pelo nosso inconsciente.

Ao longo de uma terapia psicanalítica a pessoa consegue (se não desistir nas primeiras 10 ou 12 sessões) ter consciência dessa inconsciência e, a partir de então, ir conquistando a tão almejada autoconsciência e, com ela, o gratificante poder da individuação.

Esse poder é gratificante porque, com ele, fica mais fácil perceber o que está por trás das máscaras dos diversos “bons” que atrapalham nossa vida.

E a percepção permite a decisão de usá-las ou não, tornando o “destino” mais favorável.

José Evaristo Dias