Certa vez, numa fábrica, era permitido que os funcionários levassem seus rádios e ouvissem música enquanto trabalhavam. Existiam algumas reclamações, é claro, especialmente de gerentes que argumentavam que esse tipo de distração seria prejudicial ao desempenho do trabalho. Até que, num belo dia, um funcionário inovou: levou uma televisão para o trabalho! A atitude dele acabou custando o direito dos demais, pois o fato foi usado como exemplo pelos gerentes. O resultado é que veio a ordem da diretoria proibindo o uso de rádio durante o expediente (antes de mais nada, não me agrada ouvir rádio no ambiente de trabalho, isso depende muito do lugar, do tipo de tarefa e das pessoas envolvidas ? mas este não é o ponto em questão agora).

Lembro também do comentário de um amigo que, trabalhando numa grande empresa de consultoria, era obrigado a anotar todas as fotocópias que tirava. Parece-me que ele tinha, inclusive, uma "quota de fotocópias". Ora, esse meu amigo desempenhava funções de alta responsabilidade e era bem remunerado para tal. E a empresa não era pequena, tratava-se de eminente multinacional. Qual, então, o sentido de controlar a quantidade de fotocópias tiradas pelos funcionários? Evitar que tirassem cópias de material para uso pessoal? Qual seria o impacto dessa medida no lucro da companhia?

No que toca à experiência pessoal, passei um período da vida trabalhando de segunda a sexta, manhã, tarde e, muitas vezes, parte da noite. Invariavelmente também trabalhava nos sábados pela manhã e, vez ou outra, aos domingos. Fazia muitas coisas, mantinha-me ocupado, sentia-me necessário e não tinha tempo para mais nada. Foi o período menos produtivo de minha vida profissional.

Em outra situação, passei, um bom período trabalhando em casa. Apesar de procurar manter uma rotina dentro do "horário comercial", pude perceber várias coisas. Por exemplo, que consigo me concentrar melhor pela manhã, que é impossível manter-se focado em tarefas complicadas ou importantes por muito tempo sem se conceder interrupções e que, fundamentalmente, a qualidade de trabalho e estudo passou a ser muito maior, não estando diretamente relacionada com o tempo efetivo de execução das tarefas. São coisas impossíveis de se perceber no cotidiano do trabalho em escritório.

Enfim, o que quero dizer com esses exemplos? Algo que, ao longo dos anos, venho observando empiricamente e verificando na leitura de autores importantes. Algo relacionado à "hipocrisia corporativa", à nossa forma de tratar a gestão das organizações, de pessoas, que pouco evoluiu historicamente, ficando atrás dos avanços tecnológicos.

Parece que, em geral, as organizações adotam uma filosofia de controle, que considera as pessoas como incapazes de gerir as próprias responsabilidades. É como se gerenciar pessoas significasse sempre controlar vaidades, coibir abusos, julgar, enfim, como se todos fossem adolescentes irresponsáveis disfarçados de profissionais. E, assim, os superiores hierárquicos seriam os tutores, aqueles que sabem o jeito certo de fazer o trabalho e se comportar, cabendo a eles manter os bárbaros sob controle.

Por que a preocupação com quantas fotocópias o funcionário tira, se ele ouve música durante o expediente ou prefere o silêncio, se ele faz ligações do escritório para resolver problemas pessoais, ou mesmo se navega em sites da Internet que não sejam relacionados ao trabalho? Por que a insistência em agir como que obrigando as pessoas a se tornarem responsáveis, como se elas não fossem capazes de assumir responsabilidades? Não é para assumir responsabilidades que elas foram contratadas? Por que acreditar que o indivíduo permanecerá focado 100% do tempo, 8 horas por dia (ou mais), 5 dias por semana, apenas nas tarefas do trabalho? Por que acreditar que as pessoas são máquinas, às quais podemos estabelecer uma "programação de produção"?

Qual a relevância se um funcionário sai de sua mesa para comentar um filme ou acontecimento com um colega de trabalho? E se faz uma ligação para resolver uma questão pessoal? E se fica navegando na Internet, em sites de entretenimento para programar o fim de semana, ou fica conversando simultaneamente com amigos nos programas de comunicação? Que diferença faz a forma que ele distribui as atividades nas horas que passa no escritório? Não seria mais importante cobrá-lo pelo resultado, pela qualidade do trabalho realizado?

Para a grande maioria das organizações, falta ainda começar a lidar com a própria hipocrisia. Não são poucas as empresas que se dizem preocupadas com o fator humano, com a motivação, e, por causa disso, estabelecem programas sociais, festas, casual friday, distribuem prêmios, bônus por resultados, etc., esquecendo-se do básico: de tratar o funcionário como uma pessoa, que se pressupõe responsável.

Não são poucos os estudos que revelaram que o salário não é a questão mais importante para um bom ambiente de trabalho - e a realidade comprova isso. Só que a maioria das empresas confunde um bom ambiente de trabalho com premiações, deixando de tratar o funcionário como um profissional, como uma pessoa supostamente capaz e inteligente - afinal, se não o for, para que mantê-lo no emprego? Pelo prazer de controlá-lo?

Vamos deixar que os funcionários ouçam música (ver televisão é algo que precisa ser melhor discutido), que resolvam problemas pessoais no horário de trabalho, que tenham horários mais flexíveis, que tirem fotocópias para uso pessoal, que conversem com os amigos no computador, enfim, vamos parar de querer contratar o tempo das pessoas e tentar nos tornar senhores, donos, delas. Passemos a contratar o serviço, sabendo que este será realizado por uma pessoa com qualidades e defeitos, e vamos nos preocupar em fazer com que a contribuição de cada um seja importante para o resultado da organização, e não para o funcionamento das regras de controle. Vamos passar de fato a considerar as idéias e sugestões dos colaboradores - isso muitas vezes é mais importante para eles que o próprio salário - e deixemos de ser chefes controladores, ditadores.

Assim, pouco importa se determinado funcionário conversa com outro sobre o último capítulo da novela, se Sicrano está discretamente navegando em sites eróticos, se Fulano está num bate-papo, se Beltrano está ao telefone com a namorada. Se essas permissões não comprometem o desempenho, o resultado do trabalho (que é o que os chefes devem exigir), tampouco comprometerá o lucro da empresa. E se as pessoas são cobradas pela qualidade e efetividade do trabalho que realizam, cabendo a elas decidir o melhor modo de realizá-lo, por que se preocupar com a vida pessoal delas? Se as pessoas têm a liberdade para exercer a própria responsabilidade, vão saber decidir o momento para cada coisa. E aquela minoria que não for responsável ou capaz vai acabar aparecendo frente ao demais. Não ficará acobertada pelo sistema atual, onde todos são considerados parcialmente irresponsáveis.

Repetindo, não acredito que alguém possa pensar apenas em trabalho durante 8 horas por dia, 5 dias por semana (sim, também acho que foi-se o tempo da necessidade de uma jornada de trabalho de 44 horas semanais). As pessoas podem ser iludidas, até mesmo se auto-enganar, mas não são máquinas. Por que, então, insistir que elas ajam assim e procurar controlar suas atitudes, suas emoções e seu tempo? Será que é para não termos que encarar as próprias frustrações? Pense nisso. E não seja mais um chefe controlador.