“Mal, isso aqui vai mal, mas viva o carnaval”

(Vando Victal)

 

Esse é um verso muito interessante de uma música do compositor mineiro João Bosco. Quando digo “um verso”, é porque João Bosco tem algumas frases fabulosas, que se encaixam perfeitamente na atual conjuntura do Brasil. Há um trecho muito legal de uma canção em que ele diz “Vanderlei e Odilon são bem unidos e vão pro Maracanã/ todo domingo/ criticando o casamento/ e o papo mostra que o casamento anda uma bosta...”. Eu gosto muito desses versos ou frases que parecem inocentes, mas carregam uma verdade latente que não queremos ou recusamos aceitar. Talvez, por isso, esses artistas são tão pouco valorizados no Brasil. E, falando-se de Brasil, vamos ao que interessa. Esse início “musical” – desculpe-me a brincadeira – foi a maneira que encontrei para fazermos uma análise de tudo que está acontecendo no País nos últimos dias, ou seja, esses protestos que assolam o território nacional e vêm ganhando força a cada dia. – Quando digo “uma análise”, deixo bem claro que fazer uma análise, não significa que tenha que concordar com o que está posto, mas que este seja um ponto para reflexão –. E, a “nível de...” curiosidade, estou certo que você é inteligente e não acredita que tudo isso é por causa de 0,20 centavos de Real. Isso é um atentado à inteligência de qualquer um. É óbvio que essas manifestações ou protestos, em alguns casos até violentos, são justos e têm raízes muito mais profundas do que parecem. Por essa razão, não se pode fazer uma análise superficial das pessoas e de suas atitudes, bem como dos movimentos sociais, sem considerar o histórico que cada indivíduo traz consigo. Toda reação advém de uma ação. E nesse caso específico, é o resultado de um processo gerado pelos desmandos, usurpações, mentiras, corrupções, vantagens ilegais, inseguranças e desigualdades dos mais diversos gêneros criados pelos governantes e autoridades brasileiras nas três esferas administrativas. Tudo na vida tem um limite, não é verdade? É impossível alguém enganar o outro e a todo mundo o tempo inteiro. Da mesma forma, quando se cria uma mentira é necessário criar várias outras para sustentá-la. No entanto, chega um ponto no qual não se consegue mais ludibriar a ninguém, ou seja, em que as inverdades entram em conflitos, os problemas aparecem e as pessoas começam a expor suas insatisfações e anseios.  Umas de forma pacífica, outras, de forma mais explosivas e até violentas, e, há igualmente, aquelas que tiram proveito da situação criada para promoverem badernas, confusões e praticarem crimes. Se as atitudes mais violentas são justas ou não, antes de qualquer resposta, é preciso analisar cuidadosamente os fatos e procurar por seus motivos geradores. É imperativo que se tenha em mente a relação de causa e consequência, pois se tudo estivesse bem no país, não seria necessário a polícia para proteger os políticos, não seriam indispensáveis as grades para protegerem as casas, não seriam mister os planos assistencialistas para se ganhar eleições Tudo o que foi citado e vários outros indícios que denunciam a real condição da população brasileira têm que ser levados em conta para se evitar que decisões tomadas no fervor da hora causem prejuízos irreversíveis e deixem cicatrizes eternas nas pessoas, direta ou indiretamente, envolvidas nesses acontecimentos. Não quero significar que se deva ser condescendente, compassivo e não agir com o rigor da lei com pessoas e atitudes violentas, agressivas e criminosas. Pelo contrário, como foi dito, deve-se agir com o rigor da lei. Identificar e condenar os responsáveis por tais ações é o mínimo que se espera de um país que se diz democrático. Todavia, isso é algo que cabe à justiça, após as devidas investigações e conclusões legais, e não a esse ou àquele meio de comunicação que se aproveita da desinformação e ignorância da grande massa para tirar vantagem e tentar convencer as pessoas de que está preocupado com a situação do povo. Outra vez, quero enfatizar que sou contra violência, vandalismo e outros excessos, mas é curioso que quando um europeu ou um estadunidense vai para a rua exigir o seu direito, ele é chamado de manifestante e cidadão, por outro lado, quando um brasileiro que é roubado descaradamente todos os dias, que não tem médico qualificado, educação adequada, transporte digno, saneamento básico, salário justo, acesso à informação e a entretenimentos de qualidade, ao teatro e à cultura em geral, à segurança á aposentadoria decente; que vive no submundo do submundo, na insegurança da insegurança, na injustiça social, sendo administrados por corruptos que destinam as verbas públicas para obras esportivas faraônicas e deixam faltar a merenda escolar e os remédios básicos e essenciais para milhões de pessoas, que vão para a grande mídia dizer que não há dinheiro para construir hospitais e escolas públicas dignas, e que os 0,20 centavos de Real retirados da passagem de ônibus causarão um déficit enorme nas contas públicas e etc e etc e etc e tal. Há vários outros pontos que podem ser citados, contudo tenho certeza que você já entendeu aonde quero chegar.  É um absurdo, então, que esse sujeito, que paga seus impostos diuturnamente, seja chamado de vândalo e vários outros adjetivos que os brasileiros nem sabem o que significam.  E vou mais longe, acredito que muitas pessoas que usam tais adjetivos não saibam igualmente o que eles querem dizer. Simplesmente reproduzem jargões e falas dos “grandes jornalistas”, que se acham senhores da verdade e da mentira e que podem condenar livremente as pessoas sem conhecê-las e sem saber de sua realidade. Concordo e considero também crime, qualquer dano causado ao patrimônio, seja ele público ou privado, e que essas ações criminosas devem ser analisadas e seus responsáveis punidos legalmente, mas, reforço, esse é um julgamento que cabe a justiça depois de séria e justa investigação.  Contudo, do mesmo modo é crime, e deve ser considerado crime hediondo e inafiançável, usar a máquina pública para roubar a nação, ludibriar e enganar a população mais carente com propostas mentirosas e absurdas, cobrar impostos abusivos e não revertê-los em serviços básicos, mutilar milhões e milhões de brasileiros com as mais diversas formas de violência, tentar algemar o Ministério Público e afirmar que o País está se desenvolvendo, é rico e que a população está tendo acesso aos bens produzidos pela sociedade de forma justa e igualitária. É muito fácil “jogar pedra no telhado do outro” – desculpe-me o jargão usado – e dizer que determinada atitude é errada quando se mora bem, come-se do bom e do melhor, tem-se um ou mais carros na garagem do condomínio de luxo ou da mansão na zona sul ou nos endereços mais valorizados do Brasil, viaja-se em todas as férias para os mais diversos lugares desse mundo de Deus, ganha-se bem e se está sentado no sofá que custa mais de um salário mínimo, vendo o noticiário numa moderna TV de plasma, ou melhor, LCD ou LED de 40 ou mais polegadas. Mais uma vez assevero, toda e qualquer forma de violência deve ser abominada e tem que ser denunciada e seus responsáveis punidos. Mas, como se pode cobrar dignidade, bom senso, conduta correta, respeito, sobriedade de uma pessoa que não sabe o que é isso por viver num ambiente completamente avesso a tais valores e que vê seus “líderes” fazendo exatamente o oposto do que deveriam fazer? Concordo com João Bosco e acredito que nossos líderes, também. Pois há também outro trecho da mesma canção, que intitula esse artigo, em que ele diz “... meu pirão primeiro, tem muita marmelada...” . Pena que, apesar de ser “muita marmelada”, não dá para todo mundo, visto que nossa população não fica com nada, está sempre na arquibancada que, lamentavelmente, não é padrão FIFA. Outra questão que deve ser considerada é o fato de que esses “vândalos” são o resultado da falta de investimento nos setores primordiais da sociedade. Esses brasileiros não nasceram bandidos, nem marginais ou vândalos, pelo contrário, nasceram como qualquer ser humano. A diferença é que foram “adotados” por pessoas erradas e assim se tornaram isso que hoje se vê. Assim, eles são a prova física e humana de que algo tem que ser feito urgentemente e que não é necessário um plebiscito para provar o que é óbvio e gritante em nossa sociedade. O País precisa de reformas e de uma reforma política urgente. Infelizmente, a nossa presidente – que prefere ser chamada de presidenta, Jesus! –, governadores, prefeitos, senadores, deputados, vereadores, o ET de Varginha, o Saci-Pererê, a Mula sem Cabeça, o Pato Donald, o Pateta, o Mickey e o Mestre dos Magos não vêm e nem sabem disso. Talvez, eles não sejam desse mundo, porém criações do cinema ou invenções de nossa mente ou, quem sabe, lendas urbanas. Entretanto, estou certo de algo: “Mal, isso aqui vai mal, mas, viva o Carnaval, os Jogos Pan-Americanos do Rio, a Copa das Confederações da FIFA, a Copa do Mundo da FIFA, as Olimpíadas do Rio, as Paraolimpíadas do Rio e as bolsas, sacolas, sacoletas, sacos e saquinhos assistencialistas do governo, a santa cervejinha e o churrasquinho do final de semana, e o crediário nas Casas Bahia. Viva o programa Minha Casa Minha Vida, a facilidade de crédito e o cartão de crédito acessível a todos, o banco 24 horas, os milhões de celulares em uso – que não funcionam –, os milhares de carros na rua – congestionadas e esburacadas –, a nossa saúde modelo e o SUS, as filas nos postos de saúde e nos corredores dos hospitais, a nossa segurança de primeiro mundo, as agressões aos professores e os seus justos salários, os nossos excepcionais engenheiros, popularização dos cursos superiores e nossa excelente educação. Viva! Viva! Viva! Viva o Caos!