Gustavo estava há meia hora sem conseguir mover-se um metro em um grande congestionamento típico de São Paulo. O jovem empresário mudara-se para o centro há poucos meses, e todas as tardes enfrentava sérios problemas para chegar à sua casa. Mas naquele dia a situação agravou-se, a fumaça parecia ainda mais venenosa e as buzinas e os gritos eram mais intensos.

            Gustavo suava no interior do veículo, já começava a irritar-se quando o telefone tocou.

-Olá querido!

-Oi!- ele respondeu friamente reconhecendo a voz do pai que já ligara três vezes naquele dia.

-Há essa hora você já saiu do trabalho, finalmente podemos conversar com calma. Sinto saudades meu filho, nós não nos vemos há algum tempo. Eu estou em um shopping perto do seu escritório. Que tal passar por aqui e conversar com o seu velho pai?

-Não!- Gustavo gritou- Estou cansado, tive um dia muito duro no trabalho.

-Talvez eu possa visitá-lo no domingo e...

-Não pai! Não quero receber visitas, me deixe em paz!

            Dizendo isso ele desligou o telefone. Gustavo amava o pai, mas a vida enfadonha na grande metrópole o deixara estressado.

            Finalmente o jovem empresário alcançou uma avenida de trânsito calmo que o levaria para casa. Muito apressado decidiu testar a nunca usada quarta marcha de seu carro. Entre uma ultrapassagem e outra se deparou com um semáforo. A luz amarela indicou atenção e logo depois o vermelho surgiu. Gustavo estava tão perto, poderia ter parado, mesmo assim não o fez e então cometeu a primeira infração de sua vida.

            O semáforo ficou para trás. O branco da faixa de pedestres brilhou no asfalto e sobre ela um homem andava tranquilamente.

            Gustavo pisou no freio como se a sua vida dependesse disso. Os pneus travados levantaram fumaça ao atrito com o asfalto. O carro não parou a tempo. Ouviu-se um barulho e um grito.

            Foi tudo tão rápido. Agora o motorista encontrava-se segurando o volante firmemente, estava tão cansado como se tivesse acabado de correr uma maratona.

            Gustavo desceu do carro certo de que a sua imprudência fizera uma vítima. Uma multidão formava-se sobre a faixa de pedestres. O jovem empresário abriu caminho desesperadamente entre os curiosos. Encontrou um idoso de cabelos brancos estirado no chão. A vítima estava consciente, sua expressão incrivelmente pálida exibia olhos arregalados e lacrimejantes que olhavam de um lado ao outro desorientado.  A boca aberta parecia tentar dizer alguma coisa. As mãos tremiam erguidas na altura do rosto.

            Gustavo ajoelhou-se lívido ao reconhecer o atropelado.

-Pai!  

            Atordoado o jovem empresário acariciou os cabelos do ferido.

-Fala comigo pai! Fala comigo!

            Uma ambulância chegou ao local, provavelmente chamada por algum andarilho. Os paramédicos afastaram o filho desesperado e começaram os procedimentos de primeiros socorros.

            Gustavo sentou-se na calçada. O coração doía de tanta culpa, ele não conseguia parar de pensar nas palavras duras que falou ao pai. O jovem chorou, queria ter morrido ali, naquele momento. Desejou que um grande castigo viesse ao seu encontro.

            Dois longos dias se passaram. Gustavo estava parado no longo corredor de um hospital examinando a todos com um olhar vazio. O pai passara por uma cirurgia e os médicos não tinham informações precisas.

            Mergulhado na própria solidão ele pensava. Sentia-se tão arrependido. Queria tanto descobrir que tudo não passava de um pesadelo horrendo, mas era real e não havia como diminuir a dor. Bons momentos ao lado do pai vinham à mente do rapaz e ele se perguntava se aqueles acontecimentos prazerosos se repetiriam algum dia. Chorando escandalosamente Gustavo percebia o quanto deixou o pai de lado nos últimos anos. Tudo o que ele desejava agora era mais uma chance para dizer eu te amo, mas no momento era impossível, talvez fosse tarde demais.

            Passou-se uma semana de extremo sofrimento até que um médico encontrou o filho imprudente no corredor. Gustavo exibia uma péssima aparência, estava magro e seus olhos estavam cercados por feias manchas negras.

-Como ele está doutor?

            Fizeram-se aqueles segundinhos de suspense que os médicos adoram.

-Ele está fora de perigo e quer falar com você!

            Gustavo avançou temeroso até o quarto, abriu a porta timidamente e avistou o pai. A expressão do velho, que era de reflexão, mudou para espanto.

- Gustavo, você está horrível. O cabelo despenteado, as roupas amassadas, magro como uma vassoura. Quantas vezes foi atropelado no tempo em que estive aqui?

            Gustavo não riu da piada, sentia-se culpado demais para isso, seus olhos lacrimejaram e entre soluços ele falou:

-Papai eu te amo! Eu sei que talvez eu esteja um pouco diferente...

-Você mudou muito filho, mas em algo você não mudou nada; ainda dirige muito mal.

-Perdoe-me!- ele implorou ainda sem conseguir rir das piadas do pai.

- Posso almoçar em sua casa domingo?

-É claro! Pode me visitar quando o senhor quiser!

-Então está perdoado!

            Gustavo sorriu e debruçou-se sobre o pai dando-lhe um estalado beijo na bochecha.

            A selva de concreto chamada São Paulo não conseguiu transformar Gustavo em uma de suas feras, e assim ele e o pai almoçaram juntos por muitos e muitos domingos.

                                                           J.C. Gonsalves da Rocha