LUZIA-HOMEM: UMA OBRA NATURALISTA?

Janiely de Moura[1]

 

RESUMO: O Naturalismo surge em 1867 com a publicação de Thérèse Raquin de Émile Zola. Caracteriza-se como uma continuação e alteração do realismo, dando ênfase aos traços materialistas do ser humano. Para os Naturalistas o homem é um produto biológico, influenciado e impulsionado pela pressão do meio e da hereditariedade. O romance Luzia-Homem é publicado em 1903, período em que a estética naturalista no Brasil já esta em seu final e por ter sido construída com várias tendências literárias fica difícil à definição do estilo da obra.

PALAVRAS-CHAVE: Naturalismo; Luzia-Homem; Obra naturalista?

INTRODUÇÃO

Luzia-Homem, de Domingos Olímpio, foi publicada em 1903 e é considerada uma obra naturalista-regionalista. Traz características próprias do estilo, como linguagem coloquial, uso de descrições de ambientes e pessoas, cientificismo na linguagem e influência do determinismo.

Na verdade a obra traz traços de várias tendências literárias. Tem características do Realismo, do Naturalismo e do Romantismo e essa multiplicidade de estilos prejudicam a obra, que parece não ter sido construída de forma adequada, muito embora sua grandeza e importância para a literatura brasileira seja reconhecida por todos.

Os estudos aqui realizados foram baseados nas obras de OLÍMPIO (1980), OLIVEIRA JR. (1997) E ROMERO (sem ano de publicação). Espera-se que este artigo contribua na compreensão da obra.

DESENVOLVIMENTO

O Naturalismo é uma escola literária que vai mostrar o homem como um produto do meio, vai desenvolver temas voltados ao comportamento patológico do mesmo e suas taras, além de seu lado animal. Para os naturalistas o homem é influenciado e condicionado pelo meio em que vive e não há outro fim para as personagens senão a morte. Exemplo disso é a personagem Luzia. Apesar de sua força física, nada pode fazer para fugir de seu destino, e sua morte apenas vem confirmar o determinismo na obra.

Os naturalistas são muito influenciados por Darwin e pelo determinismo – teoria de que o homem é definido pelo meio – e vão abordar bastante a violência, a agressividade e o erotismo, este último faz a obra naturalista ser considerada, por muitos, uma literatura “imoral”.

A obra Luzia-Homem vai retratar a seca de 1877/8 e as péssimas condições de vida e trabalho dos retirantes que trabalham no morro do Curral do Açougue, local onde seria construída a Penitenciária de Sobral. É considerada uma obra naturalista-regionalista, mas traz traços do Realismo e do Romantismo.

O estilo da obra é marcado pela objetividade e o amor vai se manifestar pela atração sexual. Luzia, a personagem central, é uma mulher forte, com força de homem e sentimentos de mulher, uma moça além de seu tempo. Não se prende ao ritmo das outras mulheres, ela busca sempre o melhor em sua defesa e de sua família. É uma mulher idealizada, como retrata Domingos Olímpio (1980, p. 14) “Em plena florescência de mocidade e saúde, a extraordinária mulher, que tanto impressionara o francês Paul, encobria os músculos de aço sob as formas esbeltas e graciosas das morenas moças do sertão”.

Domingos Olímpio foi fiel à tendência literária da época retratando de maneira objetiva a dureza e brutalidade das cenas, a frieza dos episódios e a intensidade nas ações praticadas. Exemplo disso é a violência de Crapiúna com Terezinha e Luzia e a reação desta ao arrancar-lhe o olho com as unhas, sendo morta com uma facada e morrendo com aquele “troféu” entre os dedos.

... Súbito, ela lhe cravou as unhas no rosto para afastá-lo e evitar o contato afrontoso.                                                                                    Dois gritos medonhos restrugiram na grota. Crapiúna, louco de dor, embebera-lhe no peito a faca, e caia com o rosto mutilado, deforme, encharcado de sangue. (OLÍMPIO, 1980, P. 146)

E, segundo Massaud Moisés, Domingos Olímpio foi fiel, também, no olhar sobre a época em que viveu.

Contrariamente a José de Alencar, cujos romances regionalistas se caracterizavam por uma expressa intenção apologética, o sertanejismo de Luzia-Homem procura respeitar fielmente a realidade dos fatos, por mais cruentos que sejam. (MOISÉS apud OLIVEIRA JR.,1997, p.25)

Características do realismo são vistas na obra quando o autor descreve de maneira crua e real, quase de maneira fotográfica, a realidade daquele povo.

Eram pedaços da multidão, varrida dos lares pelo flagelo, encalhando no lento percurso da tétrica viagem através do sertão tostado, como terra de maldição ferida pela ira de Deus, esquálidas criaturas de aspecto horripilante, esqueletos automáticos dentro de fantásticos trajes, rendilhados de trapos sórdidos, de uma sujidade nauseante, empapados de sangue purulento das úlceras, que lhes carcomiam a pele, até descobrirem os ossos, nas articulações deformadas. (OLÍMPIO, 1980, p. 17)

É possível ver, ainda, traços do Romantismo em Luzia, que começa a obra completamente naturalista e termina romântica, numa morte heroica e trágica na defesa de sua honra e no romance, que não se realiza, entre ela e Alexandre.

Além da seca e da vida sofrida daquele povo do morro do Curral do Açougue, Domingos Olímpio vai abordar os costumes, crenças e a cultura popular. Hábitos do sertão, o culto ao místico e a medicina popular são apresentadas e defendidas pelo autor, como vemos a seguir:

Não havia mais esperança. Os horóscopos populares aceitos pela crendice, como infalíveis: a experiência de Santa Luzia, as indicações do Lunário Perpétuo e a tradição conservada pelos velhos mais atilados, eram negativas, e afirmavam uma seca pior que a de 1825... (OLÍMPIO, 1980, p. 29)

... quando seria mais eficaz a purga de mel de abelha e um emplastro de sabão da terra com um pinto pisado vivo; ou com o vomitório de cardo-santo, chá de erva-doce para desempachar o ventre, e raiz de pega-pinto por causa da retenção de ourinas. (OLÍMPIO, 1980,p.32)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra Luzia-Homem vai ser construída com vários estilos, mas o mais forte deles é o Naturalismo, que surge de maneira acanhada, mas com toda sua marca e oscilação.

Domingos Olímpio foi seguro no relato dos fatos e dessa forma conseguiu inscrever-se na História, como diz Oliveira Jr.

O romancista não apenas escreve; de fato, age mediante as palavras, move-se pelas ações que reconstitui ou que imagina, sofre nas personagens que retrata. Escrever, assim, entendido, é uma forma de inscrever-se, pela ficção, na História. (OLIVEIRA JR., 1997, P. 23/24)

Domingos Olímpio produziu não apenas um romance para entreter as senhoras de seu tempo, mas um dos mais importantes espelhos do drama do retirante. É possível ver o conhecimento que o autor tem dos fatos e males daquela época (1877/8). E apesar das variações de estilo e das limitações da escola, que já estava em decadência, Luzia-Homem é um dos mais realizados romances brasileiros. E tem grande importância no cenário da literatura brasileira por retratar fielmente um dos cenários mais tristes e decadentes vividos por nosso povo, a seca de 1877.

REFERÊNCIAS

OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. 8ª ed. São Paulo: Ática, 1980.

OLIVEIRA JR. José Leite de. O pictórico em Luzia-Homem: ensaio. 2ª ed. Fortaleza: Links, 1997.

LITERA PIAUI - Luzia-Homem - Domingos OlímpioDisponível em: http://www.literapiaui.com.br/aulas/obras/luzia-homem-domingosolimpio Acesso em: 20/06/2013.

 



¹ Acadêmica do Curso de Letras – Hab. em Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral - CE.