Erasmo  de Rotterdam e Miguel de Cervantes

Palavras Chaves: Idade Média, Renascimento, Homem, Loucura, Sabedoria.

 

Introdução

 

Querer pensar a presente temática de duas obras tão caras a história da literatura e do pensamento filosófico não é tarefa fácil, por isso, de modo particular buscaremos fundamentar por primeiro os parâmetros que levaram tanto Erasmo quanto Cervantes a desenvolverem suas obras e pensamentos. Reflexivamente, não podemos pensar os presentes autores fora de seu tempo, porém, é pensando o contexto histórico que podemos assimilar suas críticas e reflexões para assim abstrair os pontos característicos de cada pensador a nossa mesma realidade.

Desenvolver um trabalho acerca da filosófica da loucura não é tarefa fácil, isto, pelo próprio fato de que em sua grande maioria a loucura é tratada em livros como deficiência mental ou até mesma como fragilidade da razão humana. No entanto, poderia já de início retratar uma compreensão um tanto quanto que clássica acerca da Loucura, a saber, a compreensão abordada por Platão na obra Fédon, no que diz respeito à loucura boa, não encarada como doença, mas como inspiração ou dom divino, até mesmo como apreço pela vida. Durante este estudo, busca-se explanar uma visão acerca da loucura em especial a obra “Elogio da Loucura” de Erasmo de Rotterdam e “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes, obras que aparentemente podem passar como eixos básicos no decorrer de um estudo histórico da filosofia, mas na verdade, por detrás de toda a literatura formada, esconde nas entrelinhas uma forte crítica a sociedade medieval, e, porque não a nossa própria sociedade contemporânea.

De início, trataremos por desenvolver todo o contexto histórico deste período, haja vista que, ao medievo para o Renascimento, e, sucessivamente para a modernidade, exige-se dos leitores deste período, uma ótima bagagem no que refere à filosofia, física, matemática, astronomia e etc, deste mesmo período. O fato é que, encontramos um homem em transição, ou melhor, em estado de metamorfose, pois, as ideias que norteavam toda a conjuntura social, econômica e religiosa do medievo estão abaladas, faz-se necessário a construção de um novo ambiente. Atreladamente a este novo ambiente estruturas medievais, e, também modernas passam a ser questionadas, a essa crítica destaca-se as acusações de Erasmo a Igreja feudal, as modernas podemos assim interpretar a figura do jovem fidalgo “Dom Quixote” que luta contra moinhos alargando toda uma interpretação para o início da industrialização, donde, muitos trabalhadores já passavam a ser substituídos do campo por este mesmo moinho.

Durante o decorrer de nosso estudo notaremos que esta transição não aconteceu de uma hora para outra, mas sim paulatinamente, com os quebrar dos alicerces medievais, que urgentemente evocavam a origem de outros melhores. Neste sentido, este presente estudo, busca desenvolver de modo categórico a quebra de alguns destes paradigmas medievais, e críticas a já presente modernidade, para assim poder entender o que significou esta mudança de época, e, porque a modernidade seja conhecida como idade da razão.

O humanismo renascentista é um grande passo para a compreensão dos abalos medievais, como a retomada dos textos gregos e a volta para a interioridade humana, aspecto este que já questionava o primeiro solo do controle religioso, o teocentrismo. Esta vivência conviva dos Humanistas é conhecida como Antropocentrismo, ou seja, o homem se torna mais audacioso, e, conseqüentemente mais criativo, busca conhecer um pouco de tudo e de tudo um pouco, para enfim, tornar-se conhecido e famoso.

Esta característica do Humanismo frutificara inúmeros artistas, literatos e pensadores que influenciarão inúmeros campos do saber humano, dentre estes, pode-se destacar a própria astronomia, ao ver, o ponto máximo da racionalidade do renascimento que dará bases superiormente necessárias para a estruturação do pensamento Moderno.

Deste modo, adentremos um pouco acerca de um mundo tão fabuloso e ao mesmo tempo criativo, pois, todos sabem que o homem a partir desta descoberta mudará seu conceito acerca de sociedade e humanidade, alterando definitivamente sua compreensão estrutural e social.

1.1-Características gerais do Renascimento.

 

Retratar a origem, os aspectos do Renascimento não é tarefa fácil, pois são muitos os dados que podemos identificar neste período tão rico e tão necessário para a história humana.

Por ventura, para bem compreendermos o que foi o renascimento, devemos primeiro identificar qual o sentido da sua crítica, ou seja, o renascimento é uma resposta ou uma pergunta a um determinado período? Para isso, propomos voltar a algumas características provenientes da Idade Média, para assim bem entender o que foi e o que significa este período.

            Durante a Idade Média vemos um mundo organizado pela ação ativa de Deus que tinha sobre a existência humana poderes onipotentes no que diz respeito à graça ou ao castigo. De modo mais amplo todo o sistema natural era regido segundo a vontade de Deus.

            Por outro lado este Deus era inatingível estando distante do ser humano, pois a sua perfeição era algo tão sublime que não caberia ao intelecto humano tentar desvendar os seus segredos e suas vontades (Cf. DAMPLER, C. Willian.História da Ciência.p. 59-60).

            No campo religioso, vemos a predominação do catolicismo por ora sustentado pela Patrística (sustentada por Santo Agostinho) e por outra pela Escolástica (sustentada por Tomas de Aquino). Deste modo, a religião predomina sobre os costumes e sobre a própria ciência em especial a filosofia que era um excelente mecanismo de auxilio para a teologia.

            No campo político e econômico temos o regime feudal baseado na figura do rei com seus suseranos e vassalos, destes últimos, eram obrigados a fornecer parte de suas produções aos suseranos, e destes, ao suserano maior, o rei. Todo este regime era patrocinado pelo cristianismo que tirava deste sistema grandes proveitos. (REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. p. 17-32).

            A teologia deste sistema era geocêntrica, ou seja, o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, torna-se o ápice da criação, portanto, Deus o colocou no centro de todo o universo. Além disso, a física aristotélica afirmada pela escolástica garantia que a terra era imóvel e todos os planetas estavam ao seu redor em conjunto com o próprio sol (geocentrismo).

Os aspectos que geraram a Idade Moderna podem ser observados mais de perto pela renascença européia que compreende os séculos XV e XVI levando este nome devido à retomada dos valores clássicos. Também, no chamado renascimento desencadeia-se um movimento conhecido como humanismo, que significa a procura de uma imagem do homem e da cultura, em contraposição às concepções predominantemente teológicas da Idade Média, e, ao espírito autoritário que esta maneira de pensar exercia sobre as demais áreas do conhecimento. Embora se queira deixar claro que, este fator não significa de forma alguma que a Renascença seja irreligiosa, como percebemos no Humanismo um esforço para superar o teocentrismo, enfatizando os valores antropocêntricos, propriamente humanos, mas terrenos. (Cf. SEFFNER, Fernando. Da reforma à Contra-Reforma: O Cristianismo em Crise. p. 28-30).

A maneira de pensar dos humanistas associava-se as transformações econômicas que vinham ocorrendo desde o final da Idade Media, com o desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais dos burgueses que eram os antigos servos liberais.

A Revolução Comercial do século XVI se caracteriza pelo novo modo de produção “pré-capitalista” que acentuava a decadência do feudalismo, cuja riqueza era acentuada pela posse de terras.

Vivendo um novo período, os senhores feudais eram contrapostos pelos burgueses que passam a fazer alianças com os reis dando origem aos estados nacionais e, conseqüentemente, o fortalecimento das monarquias absolutas. (Cf. NASCIMENTO, do Meira Milton. História em Movimento: Iluminismo Século das Luzes. p. 09-15).

O renascimento é também um período de grandes invasões e viagens ultramarinas decorrentes da necessidade de ampliação do comércio burguês. Estes fatos demarcam que, o comércio assim como a economia estava passando por uma transformação.

Deste modo, pode-se destacar que o renascimento era um movimento essencialmente otimista que chamava a atenção para as qualidades criativas do homem. O homem começava sair da oblação para a racionalização (Cf. BOTELHO, Severino Osmair. “Caderno de Estudos, História da Filosofia Moderna”. p.6-7).

1.2-O conhecimento

 

O humanismo exerceu sobre o pensamento europeu, inúmeras interferências, isto no que se refere à fundamentação do pensamento da arte e da linguagem. Conseqüentemente, sua marca própria é a respeito às buscas por texto grego-clássico.

O fato é que o humanismo foi um período de imensas produções e invenções que se expandiam por todo o mundo.

Outro fator interessante era o problema da linguagem donde percebemos que o latim ainda se estruturava como a linguagem dos cientistas dos poetas e dos filósofos, mas, com o humanismo e com o alvorecer do comércio as línguas próprias dos países que se formavam ganhavam terreno à medida que os artesões e comerciantes cada vez mais se utilizavam à escrita. Por outro lado, ainda temos literatos como François Rabelais, filósofos como Montaigne e Leonardo Da Vinci que escreveram inúmeras obras na sua linguagem própria. Porém, já durante o século XVII muitas obras de extrema importância já não eram escritas em latim, mas na própria língua vernácula (Cf. REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. p.24-32).

 Outro fator interessante é a nova postura deste homem renascentista que diferente do medieval busca nos textos clássicos suscitar sua individualidade, bem como, a busca pela fama que era tão importante nesse tipo de sociedade que, inúmeros autores começaram a cravar em suas obras assinaturas para que se especificasse o especialista da obra de arte. (Cf. Cf. DAMPLER, Cecil Willian. História da Ciência. p.59-60.)

1.3- Repensando o Mundo: A filosofia em transição

 

Todos estes fatores decorrentes da ciência, da economia, da religião, e da própria política, será ponto de análise para a reflexão filosófica que buscara uma nova forma, e, conseqüentemente uma nova perspectiva para ganhar espaço a esta nova sociedade que começa a surgir, prova disso, era o próprio crescimento urbano; a burguesia suscitando valores como o individualismo, e o lucro além da fama e do sucesso pregado pelos artistas do humanismo, que buscavam saber de tudo, para fazer e conhecer inúmeras artes do conhecimento humano.

O fato é que assim como a ciência estava se modificando, a forma para com que o pensamento filosófico será conduzido também se modificará. Primeiramente, em contrário com o pensamento da baixa idade média, a filosofia se modifica quanto a sua própria utilidade, a saber, era “ela” um pressuposto para a teologia, mas, no renascimento, já se começa a explorar uma base extremamente especulativa, de outro modo, no presente momento o homem só se faz através do uso e da posse da razão, é por este e outros motivos que este método da filosofia de utilizar à razão como principal característica para sustentar a sociedade estabelecendo formas e normas-estruturais que demarcarão este tipo de pensamento como a perspectiva norte desta transição medieval para ser a base da chamada Idade da Razão a Modernidade, ou ainda os fundamentos do próprio Iluminismo (Cf. REZENDE, Antônio. Curso de Filosofia. p. 101-102).

Esta relação dentre ciência e razão demarcara a função e a reestruturação da razão em inúmeras bases da organização social como a economia, o fim daquela antiga estrutura dentre reis, clero e nobres em relação à burguesia e os plebeus, contrariamente a razão agora quem diz quem é capaz de fazer acontecer, se aventurar, e arriscar com perspectivas de erro referente aos acertos, enfim, tudo passa a ser calculado, refletido segundo a ordem dos fatores proporcionais. Mecanismo este que será sobreposto por inúmeros pensadores já do Renascimento e do Humanismo, sem contar as análise dos considerados primeiros filósofos renascentistas e modernos, como exemplos podemos citar o grande Erasmo de Rotterdam, Maquiavel, Tomas Morus, e dentre outros René Descartes.(Cf. REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. p..25-32).

Com grande estima, a obra do filósofo Erasmo de Rotterdam, “Elogio da Loucura”, desenvolve ainda hoje em nosso cotidiano grande fascínio e admiração. De frente com a obra Elogio da Loucura, temos a imensa personalidade desta mesma obra com Miguel de Cervantes em “Dom Quixote”, donde buscaremos neste presente estudo expressar uma pequena óptica quanto à visão da loucura tanto tratada na obra de Erasmo quanto a obra de Cervantes.

Erasmo em sua filosofia apresenta uma nova visão de religião aos moldes renascentistas, formulando um novo cristianismo. Apresenta sua obra com certa sátira. No Elogio da Loucura compreende-se a Loucura como uma deusa, donde se apresenta um novo modelo cristão, sendo que conforme podemos perceber a Igreja medieval e ainda a renascentista vinha se preocupando muito com a aparência (os rituais), acabando por se esquecer do melhor, o ser humano. (Cf. REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. p.98-99).

Esta nova proposta de Erasmo nos dá sentido ou complemento ao próprio renascimento na qual o mundo estava se transformando, assim também a Igreja necessitava de uma transformação. De modo conjuntivo, fica evidente que Erasmo quer dar a loucura um autêntico status de sabedoria.

Em consonância a esta realidade percebemos que a obra “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes (1547-1616) é posterior a Erasmo, mas, mesmo assim Cervantes personifica a proposta de Erasmo. Cervantes coloca atitudes extremamente insanas donde a loucura se apresenta como um aprisionamento ao passado, no caso de Dom Quixote a antiga biblioteca e a armadura de seu avô. O fato é que quando lançamos uma atenção para o passado podemos olhar melhor as mudanças, haja vista, que novos valores aparecem, por isso, é preciso acompanhá-los. O fato que aterroriza toda a regra é que se torna loucura, quando olhamos para o passado, e, perdemos nossa própria condição, que acaba por submergir nossa dignidade, e, porque não até mesmo a detrimento de nosso caráter. Dom Quixote esta louco, com a sua loucura faz críticas a situações da época. Quixote rompe com essa regra, pois, mesmo louco, fixa seus olhos no passado sem perder os pés no presente. (Cf. CERVANTES, de Miguel. Dom Quixote.p. 07-13).

Cervantes quer descrever através de Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura, um arrombador, um louco, que abre as portas para a passagem de uma grande luz de sabedoria. 

Assim podemos em tese compreender que a Loucura da referência para falar a verdade “críticas” sem ser castigado. Uma loucura que denúncia os males políticos, econômicos, religiosos, e assim sucessivamente. Sua presença demonstra toda uma verdade que é suportada e manifestada pela voz de um louco, ou seja, aquele que rompe com as fronteiras da aceitação e da alienação.  

A loucura em Erasmo é apresentada de uma forma impar a todo o conhecimento advindo até então, o filósofo, além de apresentar a loucura na primeira pessoa, apresenta uma loucura que se auto- proclama, assim como os feitos tantas vezes mencionados por Dom Quixote:

“(...) Como haveria de definir-me, apresentar sob formas diversas, pintar-me, se estou em vossa presença e me contemplais com vossos próprios olhos? Sou eu mesma, como podeis ver, sou essa verdadeira dispensadora de felicidade que os latinos chamam de Stultitia- astúcia e os gregos, Moira” (Cf. ROTTERDAM, de Erasmo. Elogio da Loucura. p. 16).

È interessante ao leitor, antes que entre em contato com a obra tenha em mente que Erasmo pensa em um momento de transição, na qual, a mudança só pode ser vinculada a divindade, a própria loucura que é a grande condutora das ações humanas, deste modo, a apologia a própria loucura significa dentre outras interpretações a demonstração de uma liberdade pura. A deusa loucura não é uma deusa da Idade Média, mas se porta como uma deusa presente no próprio homem. De outro modo, o que são as atitudes humanas além deste mistério de loucura. Assim podemos em tese afirmar as seguintes interpretações elaboradas acerca de Erasmo, o pensador quer na verdade demonstrar que é o homem quem deve construir este novo ambiente, não mais um deus controlador e vigilante. A loucura é a grande responsável por organizar as cidades na qual graças a esta mesma loucura é que subsistem os governos a religião, ou seja, todas as manifestações da vida humana. Aos poucos, o homem passa a ser dono de seu próprio destino.

            A vida humana não passa de divertimento da loucura, em nenhum momento os homens não conseguem escapar da loucura, sendo todos loucos. (Cf. ROTTERDAM, de Erasmo. Elogio da Loucura. p.23-52.). A intenção de Erasmo é traçar um modelo da sociedade Européia de viver e coloca a própria loucura como sinal desta mesma crítica, algo que encontramos em Dom Quixote.

            Outro ponto interessante é que Erasmo utiliza fatos cômicos da loucura com teor de seriedade, no sentido de dizer que a sociedade, as classes sociais estão todos errados. As pessoas agem como detentoras da verdade, na qual impõem as suas verdades particulares acima da própria sociedade, deste modo, Erasmo preconizava a mediocridade e a hipocrisia das atitudes humanas.

             A crítica mais radical cai sobre a Igreja, contestando a hierarquia e a instituição da Igreja de Roma.  As ideias de Erasmo dizem que a loucura é notável quanto à ação dos teólogos que querem desvendar os mistérios divinos, sendo que estes mistérios não podem ser discutidos. A loucura ainda se faz presente na Igreja que é atrelada aos seus bens, sendo que Cristo era pobre. Assim Erasmo apresenta um dado um tanto quanto interessante ao expressar sobre o fato de que loucura é essa que faz com que os papas se preocupem com guerras, assim como, faz com que a Igreja passe a se preocupar com tantas cerimônias e rituais, teatros que desobedecem ao autêntico mandamento de Cristo que era um só, a saber, a prática da Caridade.

                As críticas de Erasmo podem ser pensadas primeiramente como uma crítica a aparência que passa a substituir a própria essência. Assim encontramos outras críticas como na hierarquia, a teologia e a esta mesma sociedade renascentista. A proposta é de reformar este mesmo cristianismo retornando-o para uma a fraterna herança do cristianismo primitivo, mas isto é outra questão; o importante é que a mesma intencionalidade dada por Erasmo encontra-se na obra de Cervantes um soldado que preso ao passado busca em gestos de insanidade demonstrar todas as facetas de uma sociedade que começava a se industrializar, e a se formar. De modo básico, se perderia muito querer compreender qualquer uma das obras separadamente, haja vista que, neste presente estudo podemos perceber uma complementação dentre os autores e suas obras. (Cf. Site Disponível em: http://www.consciencia.org/erasmo.shtml. Acessado em 10/09/2.009). .

Em nível de compreensão a obra de Erasmo de Rotterdam é uma obra dedicada ao filósofo Thomas More, que desvenda todo um tratado acerca da sociedade, e, para isso desvenda a formosa ilha de Utopia. Erasmo de Rotterdam, contudo demonstra que a sociedade atual, ou melhor, a humanidade é sempre conduzida pela única fonte suficientemente capaz de dar “sentido” a certas ações humanas, a saber, a Loucura. (Cf. ROTTERDAM, de Erasmo. Elogio da Loucura. p.09-10).

È interessante notar que na obra Elogio da Loucura, o filósofo, Erasmo de Rotterdam atribui a loucura à narração em primeira pessoa, pois é visto que a Loucura é a única faculdade suficientemente capaz de falar de si mesma, e ainda, de nos conduzir desde a infância, a juventude, a manifestação religiosa, a agrupação social “as cidades”, as formas de governo, a justiça, bem como a convenção de união entre nações ou pessoas como é o caso do “casamento”, por exemplo, por fim, a procuração de guerras, tudo isso são manifestações baseadas sobre o impulso da Loucura.

Não podemos aqui nesta obra esquecer-se de evidenciar Erasmo de Rotterdam como um verdadeiro analista do comportamento humano, e neles, identifica os comportamentos de mediocridade e hipocrisia, todas estas formas de expressão são manifestações da grande autora de tudo, a saber, a “Dona” Loucura.

Conseqüentemente, a primeira etapa da loucura é a mais agradável faixa etária da própria loucura é aquela inerente à natureza alegre e agradável das crianças que através de atitudes contagiantes não deixam estampar a ação visível da fonte da loucura. Notoriamente, outra etapa dada por Erasmo ao colocar na voz da Loucura é o sentimento e o consentimento de todo dever conjugal, a saber, as mulheres vivem buscando meios para chamar a atenção dos homens, querem tornar a eles o mais agradável o possível, para isso vivem em busca deles, tentando manter uma boa aparência, agrupada com doces perfumes, a belas roupas e etc. “È certo que esta ação é seguida pelas ações dos homens”.

Nesta perspectiva quando estas ações são, ou melhor, alcançam o seu consentimento surge à representação do casamento que acarreta consigo variadas obrigações e direitos familiares como exemplo vê a efetivação deste casamento complementado com o nascimento dos filhos que outrora fora pago pelas dores do parto. Logo, podemos na visão de Erasmo de Rotterdam identificar que a Loucura é a principal fonte da origem Humana, inclusive de todas as suas relações.

Certo de que, o filósofo não quer apenas fazer um tratado acerca da Loucura, mas quer ele desdenhar uma forte crítica contra a Hipocrisia e a Ironia humana, para isso despontará, ou melhor, direcionara suas críticas aos principais pilares da sociedade, a saber, ao conhecimento sobre o prisma, ou melhor, sob a figura dos filósofos, a religião, a guerra, a justiça, a política, a sociedade em geral e etc. Conseqüentemente, a crítica mais severa de Erasmo de Rotterdam é a critica a Igreja Católica, enfim, Erasmo defende um retorno à simplicidade por parte da Igreja que perdeu através da loucura da ostentação o poder e a boa vida perante os impostos cobrados colocando assim fortes pesos nos ombros das pessoas. Por conseguinte, outra crítica elaborada pelo filósofo, que é atribuída como uma ação da Loucura é as ações humanas relacionadas a milagres, fantasmas, inferno, superstições e duendes, tudo isso são insanas ações e pensamentos ignorantes.

È interessante deixar claro que Erasmo destaca duas categorias acerca da manifestação da Loucura, a saber, a Ignorância e a Esperança, ações que existem graças à própria Loucura que, portanto faz com que toda ação que compete a esses comportamentos sejam manifestações refletidas pelos próprios guizos da loucura humana.

De forma direta é a loucura quem fala e age, é a loucura humana que se relaciona e constrói como também patrocina guerras e destrói, o certo é que a Loucura é a única fonte que garante ao homem refletir, ou melhor, dizer a verdade sobre si mesmo, pois, quando não se tem mérito algum, convém que o indivíduo se auto-elogie, aqui vemos um sinal digno, pois, já que se não tem ninguém a Elogiar, a solução será Elogiar a si mesmo, a verdade deve ser dita a toda custa, para isso use da verdade aos moldes da loucura, dizendo a verdade brincando, assim se comportara como um mero bobo da corte, do qual, será o único habitante do reino a falar mal do rei sem ser castigado por ele. Enfim, de forma mais específica, ao manifestar este elogio de si próprio não estará de forma alguma correndo da “realidade”, pois, estará elogiando a própria Loucura que existe em seu conhecimento. (Cf. ROTTERDAM, de Erasmo. Elogio da Loucura. p.13-157).

Diante desta perspectiva encontramos ainda dentro do renascimento a grandiosa obra “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes 

A figura de um cavaleiro andante de La Mancha tornou-se ícone da busca da realização de um sonho.

A pseudo-alienação do personagem contribui para estruturar uma das mais belas figuras da literatura ocidental.

Movido pelo sonho que impulsionava, Dom Quixote ultrapassou a fronteira da realidade. Assim como ocorre com todos aqueles que rompem o paradigma ditado por uma sociedade, serviu de escárnio para muitos, zombaria de quase todos.

Sua luta contra “gigantes”, sua trajetória por atos heroicos e benfazejos moviam o ideal de um homem, de um homem que ousou pisar onde os bravos não se dispunham a ir.

A triste figura do espanhol, acompanhado por seu fiel escudeiro Sancho Pança, justifica-se na medida em que a desilusão se faz presente quando o sonho se esvai.

Claro é que “sonhar o sonho impossível” não é para grande parte dos seres, apenas destinados àqueles que rompem os cânones sociais e, mesmo que a estrela seja inatingível, transformá-la em uma busca de vida.

Enfim, como já se faz conhecido na obra de Erasmo; muitos estudiosos que analisaram a “loucura” em suas diversas épocas, mais fácil é rotular os que questionam e criam suas próprias realidades.

Em uma sociedade em que já não “cabia” mais o cavaleiro em defesa da donzela desprotegida, em busca de justiça e libertação dos oprimidos (dentre a donzela podemos destacar ainda a luta épica contra o moinho de vento), nada mais cômodo que enxergar apenas desvio mental àquele que se propunha a tais feitos (Cf. CERVANTES, de Miguel. Dom Quixote. p. 07-186).

Ao longo da história literária, outros Quixotes surgiram, com o mesmo afinco na concretização de um ato onírico e, igualmente, com final trágico, como cabe aos verdadeiros símbolos de uma catarse coletiva.

Se não fora por tais personagens, como abordar o absurdo da vida humana?

Assim, por trás da velha armadura que o revestia estava o homem alucinado pela implantação de seu desejo, de sua sacra loucura. Sonho e desejo são, pois, o que movem uma existência corajosa, para que não se represente apenas o destino de poeira cósmica, inscrito nas veredas dos chamados normais.

Caracterizar os fundamentos históricos que podem ser correlacionados dentre a “sã” loucura do cavaleiro Dom Quixote de Miguel de Cervantes 1547-1616 e a compreensão que o filósofo Erasmo de Rotterdam 1467-1536 propõe para a loucura, não é tarefa fácil, no entanto, conforme podemos notar o primeiro problema se refere quanto à própria datação, a saber, o livro de Cervantes fora escrito posteriormente à obra de Erasmo, deste modo, como poderia Erasmo dar a obra de Cervantes caráter filosófico?

A esta questão fica-nos fácil pensar que a loucura encarada tanto na obra de Erasmo quanto na obra de Cervantes refere-se a esta mesma loucura tratada de formas diferentes, uma pelo fato de que na obra do filósofo Erasmo de Rotterdam a loucura é tratada na primeira pessoa, isto é, a própria loucura quem fala. Já na obra de Cervantes a loucura é personificada nos feitos do cavaleiro épico “Dom Quixote”, no entanto, não podemos deixar de ressaltar que tanto na obra de um quanto na do outro a loucura é entendida como guia das ações humanas possuindo uma forte crítica a hipocrisia da sociedade em questão donde quer ela denunciar a insensibilidade dos detentores do poder no que tange a perda dos autênticos valores da vida.  

Conclusão

 

A história é um fato interessante, pois, ela não brota do nada, depende ela também das ações humanas, e dos seres humanos que passam a ter consciência de que a História é um ponto primordial para o relacionamento humano, e até mesmo para a compreensão social.

Percebemos que esta ciência que busca nova reposta frente aos problemas advindo da Idade Média, procurava reformular, reconstruir uma nova identidade para o ser humano que estava totalmente ao léu das crises. Como podemos identificar crise não é de forma alguma, o fim, mas sim o recomeço, pois superar uma crise significa criar paradigmas melhores dos antigos modelos. Porém, estes novos modelos ao serem criados não significam que nunca serão abatidos por outros ainda melhores.

Este estudo reflete em toda esta conjuntura um retrato dos aspectos Medievais que foram abalados, conseqüentemente, analisam-se também as propostas do renascimento que, enfim, demarcaram alicerces seguros para a vinda da modernidade.

Esta preparação para a modernidade conforme podemos notar no presente estudo acontece em inúmeras esferas sociais, sejam estas, políticas, econômicas, religiosas, científicas, filosóficas e econômicas. Significando uma verdadeira guinada do pensamento humano, que é capaz de produzir horizontes mais sustentáveis para a humanidade.

Em conjunto a este período encontramos dois personagens impares quanto à forma e a compreensão que dão a um mesmo tema, a saber, a loucura. Erasmo de Rotterdam na obra Elogio da Loucura e Miguel de Cervantes com a obra Dom Quixote abordam uma temática paralela quanto à noção e a perspectiva do que seja esta mesma loucura.

De modo característico, os autores desenvolvem cada qual um modo de expressar esta mesma loucura, mas a atenção da loucura como ponto mestre de ambas as obras é indiscutível de qualquer outra interpretação. Erasmo conforme mencionado no trabalho desvenda, ou melhor, revela a loucura que fala por si própria, já Cervantes coloca a loucura, sobre os ombros do nobre cavaleiro Dom Quixote, porém, ambos abordam através da loucura uma sátira e ao mesmo tempo uma crítica a sociedade medieval e renascentista.

A partir dos estudos feitos podemos considerar que ambas as reflexões compreendem a loucura como um momento de catarse donde o “louco” passa a se lançar em busca de um resgate necessário a qualquer ação humana, a saber, o próprio homem e sua dignidade. Ideal este que é bem representado pelo humanismo renascentista.

Enfim, deduzir algumas noções acerca deste período é de suma importância para toda pessoa que queira se envolver na chamada Idade da Razão, donde, se busca desenvolver de modo ainda mais profundo as devidas perspectivas que esta sociedade ainda terá por enfrentar.

Concluindo, parece que ao analisar filosoficamente e historicamente as correntes medievais e humanistas do renascimento; demarca uma característica própria da vivencia histórica pelo qual até ela (a história) parece obedecer a uma lei astronômica, assim como as leis reveladas por Newton, Galileu, e Copérnico.  E esta não poderia ser outra senão a definição de que não conseguimos nos anular da mesma, e, a história só desenvolve em relação com o ser humano, deste modo, ao mesmo tempo em que sofremos a sua ação, acabamos por contribuir com sua evolução.

A loucura expressada tanto por Erasmo quanto por Cervantes sai de todas as esferas daquela loucura compreendida até então, comumente tão popularizada em nosso meio. No entanto, nos presentes autores encontramos uma nova temática de uma loucura que carrega consigo vários adjetivos como exemplo pode-se citar a liberdade, a justiça, a denúncia, a inocência, e por fim, a autêntica sabedoria.

 Via de regra, é importante que ao entrar em contato com obras tão ricas e tão raras a toda a conjuntura do pensamento faz-se necessário um resgate desta mesma insanidade que apresenta um novo leque da dignidade do conhecimento. A loucura é dentre outras coisas uma mestra, de cujo tempo e presença se faz sagrada em nosso cotidiano.

Bibliografia

 

ACKER, Van Teresa. Renascimento e Humanismo. Atual. São Paulo. 1992.

CERVANTES, de Miguel. Dom Quixote. Trad. De Orígenes Lessa. Título Original: El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro. 2.005.

DAMPLER, C. Willian. História da Ciência. Trad. De José Reis. Titulo original: A Shorter History of Science. Ed. Ibrasa. São Paulo. 1986.

NASCIMENTO, do Meira Milton. História em Movimento: Iluminismo Século das Luzes. Atica. São Paulo. 2.001.

BOTELHO, Severino Osmair. Caderno de Estudos, História da Filosofia Moderna. Claretiano.    Batatais, 2.007.

REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant.vol. II. Edições Paulinas. São Paulo. 1990.

REZENDE, Antônio. Curso de Filosofia. Zahar. Rio de Janeiro. 2.005.

ROTTERDAM, de Erasmo. Os Pensadores. Elogio da Loucura. Trad. De Paulo M. Oliveira. Título Original. Encomium, id est, Stultitiae Laus. Abril Cultural. São Paulo. 1972

SEFFNER, Fernando. Da Reforma à Contra-Reforma: O cristianismo em Crise.Atual. São Paulo. 1993.

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Site Disponível em : http://culturabrasil.org/arenascenca.htm Acessado em 11/04/2.013.