LITIGIOSIDADE EXACERBADA: O problema surgido diante da solução da litigiosidade contida Rafael A. F. Ribeiro e Vitor Pflueger P. dos Santos Sumário: Introdução; 1 Análise da Lei 12.153 de 2009; 2 Litigiosidade contida e Litigiosidade exacerbada; 3 Crítica Principiológica; Considerações finais; Referencias Resumo O presente trabalho traz uma reflexão acerca do que se trata o Juizado Especial da Fazenda Pública, explicando a sua importância, mostrando seus benefícios, assim como o problema (litigiosidade exacerbada) criado diante da tentativa de se solucionar um outro problema (litigiosidade contidada). Dessa forma mostraremos as consequências surgidas através de uma crítica principiológica diante da facilidade de se propor uma ação “fora” dos formalismos do Juizado Comum, lembrando que defendemos o trabalho dos Juizados Especiais, mas que este trabalhe para sua real função e não quando desnecessário. PALAVRAS CHAVE Juizados Especiais. Litigiosidade. Exacerbada. Contida. Princípios INTRODUÇÃO A presente pesquisa, tem o intuito de analisar o novo instituto implementado recentemente no Brasil, os Juizados Especiais da Fazenda Pública. Portanto, o que se busca aqui é uma análise da competência, legitimidade, prazos entre outros elementos. Uma análise mais aprofundada, será feita no que tange aos prós e contras deste instituto.É necessário que se analise até que ponto os juizados especiais geram celeridade processual e como que a população utiliza este beneficio dado pelo Estado para que seus litígios sejam resolvidos de forma mais prática, rápida e sem todo aquele formalismo característico do Juizo Comum. Assim, nota-se que os juizados especiais garantem de forma eficaz o direito de acesso à justiça aos cidadãos, o que acontece é que, algumas vezes, esta facilidade concebida acaba instigando o ajuizamento de processos desnecessários. Além disso, importante ressaltar que, a Lei 12.153 de 2009, que instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública, ainda traz inovações importantes para o sistema jurídico brasileiro por conta da relativização do principio da indisponibilidade do interesse público, uma vez que, por esta lei, a Fazenda Publica (por meio de seu representante) pode transigir, desistir e até conciliar com a parte autora da ação (cidadão). 1. Análise da Lei 12.153 de 2009 A questão dos Juizados Especiais no Brasil é relativamente nova, tendo sido iniciada nos anos 90 com a promulgação da Lei 9099, tratando dos Juizados Especiais Civeis e Criminais. Contudo, bem recente mesmo foi a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, tendo este sido instituído apenas em 2009, através da lei 12.153. Ressalta-se que a denominação “especial” dada aos juizados, prima pela celeridade processual buscando a solução dos conflitos de forma mais informal, sem que seja necessário todo o tramite do juízo comum, gerando ainda uma maior proteção ao principio do acesso à justiça, uma vez que, estes juizados se caracterizam pela informalidade tornando-os mais acessíveis à população. Por meio do Juizado Especial da Fazenda Publica, criado recentemente, os envolvidos poderão ajuizar ações contra aumento de IPTU, multas de transito mal aplicadas entre outras questões relacionadas a lançamentos fiscais. Cumpre evidenciar também que, as ações neste novo juizado especial terão sempre como réu os estados e os municípios (ou instituições a estes vinculadas) e que os autores das ações podem ser tanto pessoas físicas, como também microempresas e empresas de pequeno porte. Ainda em relação à lei 12.153 /09, a conciliação é um instrumento fundamental dos juizados especiais na busca por uma celeridade processual. Portanto, de acordo com a lei, mesmo sendo o réu o Estado, o seu representante na audiência pode agir tentando transigir, desistindo da ação e principalmente, tentando a conciliação com a parte autora da ação. Estas ações permitidas às partes visam acabar com o processo antes mesmo de chegar à instrução probatória, gerando uma rápida solução para o litígio gerando um acordo entre as partes, colaborando assim para a celeridade e economia processual. Desta forma, nota-se que houve uma superação da indisponibilidade da coisa pública no direito processual. Isso tendo em vista que, antigamente o Órgão Público parecia intocável, inacessível e que não haveria possibilidade de uma “conversa” com este órgão para buscar a solução de certo conflito. Entretanto, com o advento desta lei, o órgão público (por meio de seu representante) pode negociar com o cidadão, buscando uma melhor alternativa para solucionar o problema de forma que as duas partes saiam satisfeitas, sem a necessidade dos longos tramites que ocorrem na justiça comum. Assim, conclui-se que os Juizados Especiais da Fazenda Pública vêm para assegurar principalmente os princípios constitucionais do acesso à justiça e da isonomia, permitindo que também os órgão públicos estaduais, municipais e distritais possam ser demandados no âmbito desses juizados. Desta forma evita-se a obrigatoriedade de mover a justiça comum para as causas que tinham como parte o Estado, município ou outra entidade pública. Entretanto, não é qualquer causa que pode ser ajuizada neste tipo de juízo. A lei impõe um limite de 60 salários mínimos para que a ação seja aceita no juizado especial. Ultrapassando este limite, ou sendo inferior à esse limite, mas seja uma causa de alta complexidade, a competência é do juízo comum. Neste sentido, importante ressaltar a competência absoluta dos juizados especiais. Isso se da em decorrência do fato de que, qualquer causa que preencha os requisitos do juizado especial (menos de 60 salários mínimos e baixa complexidade) devem, obrigatoriamente, ser ajuizadas nestes, sendo proibido o ajuizamento na justiça comum. Como já citado anteriormente, os órgãos publico (Estados, Municipios, Distrito Federal, autarquias e fundações ligadas ao poder público), serão necessariamente os réus nas ações ajuizadas. Contudo, a referida lei coloca em situação de igualdade o particular e a Fazenda Publica no tocante aos prazos. Assim, não existe prazo privilegiado para o órgão publico na ação ajuizada pelo particular contra aquele. Diante desta discussão, alguns doutrinadores defendem que deve haver sim um prazo maior para o órgão público, entretanto, a posição da maioria preza pela igualdade de prazos entre as parte. 2. Litigiosidade contida e Litigiosidade exacerbada Os juizados especiais, tanto cíveis e criminais como os da fazenda pública, buscam acima de tudo uma garantia a população de acesso a justiça. Este acesso é aumentado nestes juizados por conta da informalidade e da celeridade com que as causas devem ser julgadas naquele âmbito. Ademais, os juizados especiais buscam acabar com a dificuldade da população mais pobre de reivindicar seus direitos, uma vez que todo o procedimento é gratuito e não gera nenhum ônus à parte propositora da ação. Entretanto, não é apenas por causa da população pobre que estes juizados foram criados. Mesmo as pessoas com mais condições financeira, são beneficiadas com estes institutos por terem uma forma mais rápida de resolver litígios de menor importância e que certamente levariam muito tempo para serem resolvidos no âmbito da justiça comum. Desta forma, percebe-se que, não só os juizados especiais da fazenda pública, mas também os cíveis e criminais, trazem inúmeras vantagens para toda a população, facilitando e garantindo o acesso à justiça. Acontece que estes grandes benefícios dado pelos juizados especiais, acabam fazendo com que a pessoas ajuízem ações muitas vezes desnecessárias, gerando assim grandes volumes ao judiciário e muitas vezes atrapalhando a celeridade. Este fenômeno é denominado por alguns autores de litigiosidade exacerbada. Ocorre esta quando, o cidadão, tendo em vista a facilidade e a gratuidade evidente dos juizados especiais no tocante ao ajuizamento de ações, usa o judiciário para tentar obter uma vantagem com pedidos absurdos ou ate mesmo irrelevantes. São inúmeros os casos de cidadãos que vão ate um juizado especial para lutar por causas ínfimas, apenas para “ver no que vai dar”. Estes indivíduos movem a máquina do judiciário para tentarem, na maioria das vezes, ganhar dinheiro com estas causas que normalmente não resultariam em nada. O fato do individuo não ter nada a perder ajuizando a ação, leva os a tentarem se beneficiar a qualquer custo. De acordo com o anteriormente exposto, fica evidente que a facilidade marcante dos juizados especiais não trazem somente benefícios. Os argumentos acima citados revelam que os excessos podem acabar levando a um efeito reverso do pretendido. Aquilo que poderia gerar celeridade, acaba tão abarrotado como a própria justiça comum. Desta forma fica claro que a criação dos Juizados Especiais teve como escopo principal diminuir a litigiosidade contida, que ocorre quando a população, por falta de acesso, não procura ajuda no judiciário. Entretanto, o que não se esperava é que se saísse de uma litigiosidade contida para uma exagerada (ou exacerbada). O ideal seria que houvesse um meio termo e a população se utilizasse do beneficio dado pelo Estado apenas quando necessário para que o objetivo da celeridade e do acesso à justiça fossem alcançados de forma eficaz. 3. Crítica Principiológica Os Juizados Especiais se baseiam nos princípios processuais que servem de pilares para sua formação, ou seja, são preceitos fundamentais que serviram e servem de base para o sistema processual. O processo, entre os vários princípios do qual se utiliza, orienta-se pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação, conforme explica o artigo 2º da Lei nº 9.099/95. A justificativa para a criação dos Juizados Especiais para as causas de pequeno valor e menor complexidade foi de que a Justiça Comum diante dos custos e as dificuldades técnicas do processamento provocavam o afastamento de vários litígios do acesso à tutela jurisdicional, gerando assim uma litigiosidade contida não compatível com a garantia de tutela ampla e irrestrita assegurada pela Constituição em seu art. 5º, XXXV. (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 2) O processo de pequenas causas, tanto no campo civil, como criminal e agora de assuntos tratados referente à Fazenda Pública por expressa determinação constitucional, tornou-se obrigatória para os Estados e o Distrito Federal pela Constituição de 1988, que decidiu a criação de juizados especiais, providos por juízes togados ou togados e leigos, sendo competentes para conciliação, o julgamento e a execução de causas de menor complexidade e pequeno valor, mediante o procedimento oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas legalmente, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,2011,p. 353). Diante do já mencionado, o ideal destes princípios diante dos Juizados Especiais, é que a palavra falada seja mais utilizada que a escrita, que a controvérsia seja solucionada numa única audiência, sempre que possível, da mesma forma que o formalismo seja deixado de lado, sem prejuízo do contraditório e ampla defesa, de forma que o processo demore o mínimo possível, mantendo o equilíbrio entre os valores da Justiça e da Celeridade, buscando uma constante “autocomposição”, realizando assim a pacificação social através da justiça coexistencial (THEODORO JÚNIOR, 2010,p. 2). Como já se conhece, o processo é um instrumento, do qual não se pode exigir dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa, devendo assim haver uma necessária proporção entre fins e meios, para o equilíbrio do custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia processual, que preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais; como por exemplo, quando há reunião de processos em casos de conexidade ou continência, assim como a própria reconvenção, ação declaratória incidental, litisconsórcio, etc. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,2011,p. 79). Diante disso a figura dos Juizados Especiais, entre eles o da Fazenda Pública, como órgãos e interesses desburocratizados e orientados pelo princípio da singeleza e economia, tentam conduzir os titulares de direitos e interesses legítimos para que não continuem à margem da garantia fundamental de acesso à justiça (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 2). Quando se diz respeito ao princípio da simplicidade, este se traduz naquilo que torna o processo simples e descomplicado, de forma que seja fácil, colocando todos em “pé de igualdade”, retirando assim qualquer inibição diante do Judiciário, que assume a responsabilidade de assegurar que o pedido seja formulado dentro de rigores mínimos da técnica processual, de tal modo que os profissionais sejam bacharéis em direito (VARGAS, 2008). O objetivo destes princípios diante disto é garantir um processo célere, econômico e simplificado, dessa forma, fazendo com que o processo tenha uma duração razoável do processo dentro de uma igualdade entre as partes, dando espaço assim para o contraditório e a ampla defesa, objetivando a todos o acesso a justiça; mas o que era para acontecer, não acontece, como já explicado anteriormente, o litígio que era contido, deu espaço ao litígio exacerbado, de forma que o Judiciário acaba se ocupando de causas sem objetivo nenhum, de pessoas que entra com a ação “para ver o que vai dar”, aumentando os gastos com o judiciário, que apesar de ser gratuito para a parte propositora da ação, sem nenhuma onerosidade, alguém que no caso é o Poder Judiciário, o Estado, acaba se responsabilizando pelos gastos, outro fator, que se deve levar em consideração é que o objetivo dos Juizados Especiais é a celeridade processual, mas com o advento do litígio exacerbado, acaba “retrocedendo” a função do princípio. CONSIDERAÇÕES FINAIS No contexto com que foram criados, os Juizados Especiais da Fazenda Pública se mostram bastante eficazes, mostrando suas várias singularidades quando comparado a Justiça Comum, como já citados anteriormente, utilizando-se assim dos vários princípios processuais, como oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade; fazendo com que o processo se torne algo mais acessível e menos demorado, dando espaço aos pequenos litígios, de baixa complexidade e pequenas causas. Vale lembrar que diante do problema observado, o Estado deve criar certos obstáculos a esses tipos de causas “esperar para ver no que vai dar”, devendo ser analisado o real litígio, o direito negado e aquilo que lhe é de dever, de modo que a controvérsia seja solucionada da forma mais rápida. O Juizado Especial da Fazenda Pública deve permitir a solução da litigiosidade contida, assim como evitar o problema da litigiosidade exacerbada de modo que ele não mude sua função de “simplificação para complicação”, evitando assim os processos desnecessários, voltando-se assim para os reais problemas específicos de competência dos Juizados Especiais. REFERÊNCIAS CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. 27 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. NETTO, Valter Pereira Dias. Aspectos relevantes dos Juizados Especiais da Fazenda Publica; um breve comentário acerca dos principais pontos da lei nº 12.153/2009. São Paulo, 2010. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5639/Aspectos-relevantes-dos-Juizados-Especiais-da-Fazenda-Publica>. Acesso em; 20 mai 2012 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública. Disponível em: < http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/palestras/pal022010.pdf>. Acesso em: 30 abril 2012 TORRES, Ana Flávia Melo.Acesso à Justiça. Rio Grande, 2010. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4592>. Acesso em; 22 mai 2012 VARGAS, Cirilo Augusto. Juizados especiais cíveis e a alteração do pedido após a estabilização da demanda. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/12305/juizados-especiais-civeis-e-a-alteracao-do-pedido-apos-a-estabilizacao-da-demanda >. Acesso em 05 maio 2012