Literatura politicamente correta é o caminho?

A polêmica sobre a proibição dos livros de Monteiro Lobato nas escolas

         “Os livros de Monteiro Lobato deveriam ser proibidos nas escolas.” Esta afirmação foi feita na 20ª Semana de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, no debate A presença do negro na mídia brasileira, pela representante da Coordenadoria de Assuntos da População Negra da Prefeitura de São Paulo (CONE-SP), Maria Aparecida Laia.

A polêmica sobre se o escritor Monteiro Lobato (1882 -1948) era racista ganhou força no Brasil, particularmente, depois que, em 2011, o Conselho Federal de Educação emitiu um parecer que classificou o livro As Caçadas de Pedrinho, de 1933, como racista.

No parecer, o tratamento dado no livro à Tia Nastácia, no qual é comparada a uma “macaca de carvão”, deu embasamento para que o Conselho caracterizasse as citações como ofensivas e racistas. Antes de o organismo tomar esta posição, já havia uma corrente académica que via racismo no tratamento dado à personagem pelo autor.

Alguns estados, como Mato Grosso e Paraíba chegaram a tirar o livro do currículo escolar, embora o Ministério da Educação houvesse vetado o parecer.

A polêmica tomou conta também de intelectuais e meios de comunicação. Mas, com menos paixão, precisamos pensar sobre este assunto.

O fato de o autor Monteiro Lobato ter aderido, pelo menos durante algumas décadas, à fatídica e monstruosa ideia da eugenia, que, na prática, exaltava a superioridade da raça “branca”, não anula a obra do escritor, sem dúvida, um dos mais talentosos artistas do Brasil.

Ele legou ao Brasil uma literatura infantil de altíssima qualidade, e o prazer da leitura de seus livros, usufruído por gerações, é inegável.

Contudo, as editoras e os governos precisam adotar medidas que alertem os leitores de Monteiro Lobato sobre as passagens racistas que se encontrem em seus livros.

Livros de outros autores, nacionais e internacionais, contêm também expressões preconceituosas em relação à mulher, à homossexualidade, contra estrangeiros. Os gordos, os magros, os nordestinos, são estereotipados de maneira a causar o riso, enfim, a literatura está repleta de fórmulas preconceituosas em todas as esferas.

Sem grande esforço, podemos citar Dom Quixote, que tratava o pobre Sancho Pança como um ser com limitações mentais. Devemos banir Cervantes das bibliotecas escolares? Os governos devem permitir apenas o contato com obras “politicamente corretas”? A divulgação de toda produção literária que insinue alguma atitude preconceituosa deve ser proibida? Qual seria o limite para este movimento “salvador”?

A história da Humanidade nos esclarece que os escritores e artistas, mesmo aqueles que se destacaram pelo combate a algum preconceito específico, são seres humanos nascidos numa determinada época.

Isto não significa aceitá-los sem crítica. É claro que não devemos fechar olhos e ouvidos às discriminações encontradas na literatura. Mas essa atitude cidadã não pode cegar-nos até o ponto de deixar de apreciar a arte de uma obra que é também resultado do talento humano.

A luta contra a discriminação racial no Brasil e no Mundo é parte da nossa História. Está inscrita na batalha permanente pela edificação de homens e mulheres cada vez mais íntegros e sensíveis.

Queimar livros (ou seres humanos!), pelas suas convicções preconceituosas, não faz de nós paladinos inquestionáveis da moral humana, ou modelos imaculados que todos devam seguir. Tal atitude mais retira do que agrega a nosso combate pela igualdade de direitos para todos.