"Senhor,
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!" [...](Pero Vaz de Caminha. Carta ao Rei Dom Manoel)

"Não se pode numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não acha povoações de índios armados contra todas as nações humanas, e assim como são muitos permitiu Deos que fossem contrários uns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discordias, porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra nem seria possivel conquistar tamanho poder de gente.
Havia muitos destes indios pela Costa junto das Capitanias, tudo enfim estava cheio delles quando começarão os portuguezes a povoar a terra; mas porque os mesmos indios se alevantarão contra elles e fazião-lhes muitas treições, os governadores e capitães da terra destruirão-nos pouco a pouco e matarão muitos delles, outros fugirão pera o Sertão, e assi ficou a costa despovoada de gentio ao longo das Capitanias. Junto dellas ficarão alguns indios destes nas aldêas que são de paz, e amigos dos portugueses.
A lingua deste gentio toda pela Costa he, huma: carece de tres letras ?não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente. Estes indios andam nús sem cobertura alguma, assi machos como femeas; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu.[...](Pero de Magalhães Gândavo.Tratado da terra do Brasil)

"Todos andam nus assim homens como mulheres, e não tem gênero nenhum de vestido e por caso verecundant (Latim envergonhan-se), antes parece que estão no estado de inocência nesta parte, pela grande honestidade e modéstia que entre si guardam, e quando algum homem fala com mulher vira-lhe as costas. Porém, para saírem galantes usam várias invenções, tingindo seus corpos com certo sumo de uma árvore com que ficam pretos, dando muitos riscos pelo corpo, braços, etc.[...] (Fernão Cardim. Tratado da terra e gente do Brasil)

A Carta de Caminha relatando ao rei Dom Manoel, com sua grande riqueza de detalhes sobre o suposto "achamento do Brasil" é o que vai dar o ponta pé inicial do que alguns autores irão chamar de "Literatura de Informação" que ainda não é a Literatura Brasileira, mas vai servir como um preparo para o surgimento da literatura no Brasil, além da Carta de Caminha, temos esses outros tratados, um de Pero de Magalhães e outro de Fernão Cardim, que descreviam e registravam, os aspectos da natureza e dos habitantes da nova terra .

Refere-se ao tratado de Pero de Magalhães, como uma literatura informativa de como ele demonstra a preocupação com o ouro e as pedras preciosas que se esperava que existissem em grande quantidade nas terras do Brasil e a mentalidade colonizadora da época. Capistrano de Abreu um dos grandes historiadores Brasileiros, diz que o projeto de Gândavo era: "mostrar as riquezas da terra, os recursos naturais e sociais nela existentes, para excitar as pessoas pobres a virem povoá-la: seus livros são uma propaganda de imigração."

Alfredo Bosi em sua "História concisa da Literatura Brasileira" chama esses relatos de "textos de informação" que eram feitos por viajantes e missionários europeus. Bosi diz que eles não pertencem à categoria de literário, mas a pura critica histórica, ele reconhece que é graças a esses relatos da paisagem, do índio e de grupos sociais, que podemos captar as condições primitivas de nossa cultura. Todos esses textos de informação têm como característica a informação, como diz Bosi, eram comerciantes, navegadores, aventureiros, e militares que ao chegarem da Europa aqui no Brasil, deslumbravam-se com a beleza da nossa terra e informavam sobre o Brasil para a Europa.

Afrânio Coutinho em seu livro a "Literatura no Brasil" define os caracteres da Literatura Brasileira, diz que antes de fazermos uma definição, devemos primeiramente ter uma visão do cenário e do contexto em que se inseria o Brasil nessa época, faz referência a um "movimento duplo", ou seja, um caráter duplo que é o telúrico espontâneo, a desintegração e o abandono de uma velha consciência de outro lado, a cultura complexa que é a construção de uma nova mentalidade. Telúricos eram os escritores que buscavam inspiração na terra no inconsciente. Os requintados realizavam cultos desenraizados que se voltavam para as fontes culturais européias.
Esse caráter entre a busca de uma tradição local em substituição de uma tradição européia, são os momentos que marcam a literatura inicial da colônia, tema que será bastante explicitado nos autos do Padre José de Anchieta cuja obra diferencia-se dos documentos informativos porque além das cartas e relatórios de valor documental e histórico, Anchieta também escreveu poesia e teatro.

Padre José de Anchieta, chegou ao Brasil com o intuito de fazer a catequese aos nossos índios, isto é transformá-los através da religião católica. A partir de 1552 começa uma nova fase a chamada Literatura Jesuítica Brasileira que tem como grande informação a religião católica, eram textos e poemas que os padres jesuítas comandados pelo padre Jose Anchieta e pelo padre Manoel da Nóbrega faziam para os nossos índios contando a eles a história da igreja católica.
Alfredo Bosi escreve que a poesia de Anchieta revela diferenças internas de forma e sentido:

"O projeto de transpor para a fala do índio a mensagem católica demandava um esforço de penetrar no imaginário do outro, e este foi o empenho do primeiro apóstolo. Na passagem de uma esfera simbólica para outra, Anchieta encontrou óbices por vezes incontornáveis. Como dizer aos tupis, por exemplo, a palavra pecado, se eles careciam até mesmo de sua noção, ao menos no registro que esta assumira ao longo da Idade Média européia? Anchieta, neste e em outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo português no tronco do idioma nativo." (Alfredo Bosi, Anchieta ou as Flechas Opostas do Sagrado)

Segundo Bosi, Anchieta entrosou os índios nos rituais da igreja, pois estes foram trazidos às missas para que cantassem as músicas que ele compusera na sua língua natal e, desta forma, podiam entender o que cantavam. Compôs também algumas peças de teatro bilíngues, para que portugueses e índios pudessem vê-las, e estas sempre eram populares entre os últimos. De tal forma eram populares que um autor do começo do século chega a afirmar que "esses autos que inventava eram como literatura para analfabetos"

Sua capacidade como linguista não foi pequena. Foi ele quem percebeu que existia uma raiz comum nas línguas que falavam as diferentes tribos indígenas. O propósito destes trabalhos linguísticos era especialmente a catequese. Mesmo o teatro e as músicas tinham como único propósito o louvor: "As cantorias dos índios até mesmo as danças, não eram coisas para divertir, mas para solenizar a morte, os sacrifícios (...) ou então como rito nas festas religiosas"
A prova disto é a invenção de uma palavra nova nos moldes indígenas: "Scilicet". Era uma espécie de preceito de fé criado especialmente para os índios; ela significava "Não comer carne humana, não ter mais que uma mulher, nunca atacar os portugueses e sempre ouvir aos padres".

"Como ao que se sabe, os tupis não prestavam culto organizado a deuses e heróis, foi relativamente fácil aos jesuítas inferir que eles não tivessem religião alguma e preencher esse vazio teológico com as certezas nucleares do catolicismo precisamente a criação e a redenção.
O ensaio de Bosi sobre Anchieta aponta, que entre um teatro de catequese como exterioridade e uma lírica do sentimento religioso, talvez sirva de estimulo para repensar os contrastes internos do intelectual " que vive em colônias"



Referências Bibliográficas
BOSI, Alfredo. Anchieta ou as flechas opostas do sagrado. . Dialética da colonização. São Paulo: Companhia Das Letras, 1996, p. 64-93,

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo Cutrix, 1986

COUTINHO, Afrânio(dir.) A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira:1976

http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria. Acesso.29/09/2010
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/br_descoberta7.htm.Acesso 29/09/2010