PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

COORDENAÇÃO DE LICENCIATURAS

LICENCIATURA EM LETRAS

 

 

JOELMA  DE OLIVEIRA PAZ¹   

RAIMUNDO NONATO DE FRANÇA²

 

 

Literatura Infantil e Juvenil: A Contribuição dos Contos de Fadas para a Construção do Imaginário Infantil

 

 

 

 

 

 

 

 

                

 Resumo

 

 A intenção deste trabalho é mostrar tanto para os pais como os educadores, que para as crianças é essencialmente importante descobrir um mundo além do real, o mundo imaginário, que além de aprender brincando, por meio dos contos de fadas, a criança manifesta o encanto pela leitura e assim ajuda no seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional. Para isso, utilizou-se a didática pedagógica da literatura infantil, referenciado principalmente nas ideias de Bruno Bettlelheim e Nelly Novaes Coelho.

 

 Palavras-chave: Contos de fadas.  Literatura.  Fantasia. Imaginação.

 

 

 

Resumén

 

La intención de este trabajo es mostrar los padres y los educadores, que para los niños es esencialmente importante para descubrir un mundo más allá de lo real, lo imaginario, que además de aprender jugando, a través de los cuentos de hadas, el niño expresa encanto para la lectura y por lo tanto ayuda en su desarrollo cognitivo, social y emocional. Para ello, se utilizó la enseñanza pedagógica de la literatura infantil, hace referencia principalmente en las ideas de Bruno Bettlelheim y Nelly Novaes Coelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

Este artigo apresenta a didática para a utilização da literatura infantil e juvenil em sala de aula, levando em consideração a importância dos contos de fadas para a construção do imaginário infantil e juvenil. O estudo é baseado em teóricos como Bruno Bettelheim e Nelly Novaes Coelho, que tratam de contos de fadas.  Cada autor, em uma área específica: psicanalítica e literária, e outros autores como, por exemplo, Marcel Postic e Fanny Abramovich, que tratam do imaginário. O objetivo desse trabalho é analisar a influência dos contos de fadas no imaginário infanto juvenil. Acredita-se que o contato com as histórias dos contos de fadas possibilitará a criança o ensaio de muitos papéis sociais, proporcionando a construção de uma personalidade sadia, como também, favorecer a socialização,  troca de experiências e uma mais efetiva inserção no espaço social. Propiciar o desenvolvimento da criação da imaginação  e também da percepção de mundo, a partir das possíveis interpretações dos contos de fada. .

                                           

 

  1. 1.   A Origem dos Contos Infantis

 

Os contos de fadas nasceram na França no fim do século XVII como manifestação artístico-literária, sob a iniciativa e produção organizadora de Charles Perrault (1628 – 1703). Desmentindo o que se pensava, Perrault não criou as narrativas de seus contos, mas as reuniu-as e editou-as para que elas se adequassem à audiência da corte do rei Luiz XIV (1638 – 1715). As narrativas folclóricas contadas pelos camponeses, governantas e serventes que forneceram a matéria-prima para estes contos. Segundo Bettelheim, 2002:

 Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções.(BETTELHEIM, 2002, p.5)

Apesar do afastamento da camada popular e do despeito pela sua cultura, a classe nobre só conhecia tais narrativas devido ao inevitável contato por meio do comércio ou pelas presenças das governantas e outros serviçais em suas residências. Após coletar tais narrativas, Charles Perrault eliminou o quanto pôde as passagens obscenas ou repugnantes que se envolviam em atos de fornicação e incesto, canibalismo e sexo grupal para manter o seu apelo literário junto aos salões parisienses. Foram os franceses que criaram o termo “Conte de Fée” que logo se tornou o “Fairy Tale” em inglês, já no Brasil eles começam a surgir somente no século XIX. Segundo BETTELHEIM, (2002, p.14) “a maioria dos contos de fadas se originou em períodos em que a religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam, diretamente ou por inferência, com temas religiosos”. Sendo assim, os contos de fadas nada mais eram do que relatos de fatos da vida dos camponeses, recheados de conflitos, aventuras e pornografias, sendo assim, pouco indicado a ser contado para crianças. Esses relatos apenas serviam como entretenimento.

Anos depois, com a descoberta das fadas, que era a idealização de uma mulher perfeita, linda e poderosa, dotada de poderes sobrenaturais, vê-se a necessidade de utilizar tais histórias alienadas também à educação, já que as crianças gostavam muito desses contos e a fantasia inserida neles estava ajudando a formar a personalidade dessas incipientes pessoas. Os contos de fadas caracterizam-se pela presença do elemento ”Fada”, etimologicamente a palavra fada vem do latim “Fatum” (destino, fatalidade, oráculo). A respeito da questão, assevera Coelho, 2009:

Comprova-se que as fadas tiveram origem comum em função do próprio termo que as designa: “fada”.Sua primeira menção documentada em textos novelescos foi em língua latina: fata (oráculo,predição), derivada de fatum (destino,fatalidade).Nas línguas modernas: fada (português); fata (italiano); fée (francês); fairy (inglês); feen (alemão) e hada (espanhol). (COELHO,2009,p.78).

Tornaram-se, as fadas,  conhecidas como os seres fantásticos ou imaginários, de grande beleza, que se apresentavam sob forma de mulher. Dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais que interferem na vida dos homens, para auxiliá-los em situações-limite, quando já nenhuma solução natural seria possível. E, para Coelho, 2009:

Não há dúvida que, em sua origem, as fadas estavam ligadas sempre a cultos ou ritos religiosos. Em grande número de contos irlandeses como os do Duende e o Pote de Ouro no Fim do Arco-íris (de origem celta), a heroína (que sempre é um ser sobrenatural),  aparece como mensageira de Outro Mundo ou aparece sob aspecto ou formato de um pássaro (em geral, cisne), que está ligado ao mistério da morte. (COELHO 2009 p.79).

Essas personagens podem, ainda, encarnar o Mal e apresentarem-se como o avesso da imagem anterior, isto é, como bruxas que seriam o seu alter-ego. Popularmente  diz-se que a fada e a bruxa são formas simbólicas da eterna dualidade da mulher e  sua condição feminina. Se há personagem que, apesar do correr dos tempos e da mudança de costumes, continua mantendo seu poder de atração sobre adultos e crianças, essa é a Fada. No Brasil, a adaptação do modelo europeu que chegava, abrangia todo tipo de literatura até então usada, sendo assim também apropriada para o projeto educativo e ideológico que via no texto infantil (principalmente os contos de fadas) e na escola aliados indispensáveis para a formação de cidadãos. Essa formação, que utilizava tais textos aconselhava em suas páginas principalmente o patriotismo, o amor e respeito à família e aos mais velhos, a dedicação aos mestres e à escola, a piedade pelos pobres e fracos. A visão de Abramovich,2006,  sobre a temática é:

É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica...É ficar sabendo história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula.(ABRAMOVICH ,2006 p.17).

Em muitos contos de fadas, a ação é lenta, mas mantém-se um fator vital em alto grau, o que vai acontecer a seguir. Há uma grande ênfase nas qualidades morais do herói ou da heroína. Os bons são valentes, pacientes, gentis, generosos e belos. Os maus são destrutivos, feios, terríveis e a justiça realiza-se de maneira satisfatória. Bruxas e dragões, ogros e gigantes são mortos ou postos em fuga, o príncipe casa com a princesa e vivem juntos e felizes para sempre. SegundoBETTELHEIM (2002, p.17)“a forma simbólica sob a qual são apresentadas as situações permite ao ouvinte, ou ao leitor, sentir-se implicado, não deixando por isso de manter as suas distâncias.” Todas as crianças, por muito amadas e queridas que sejam, estão sob o poder dos adultos, vivem situações que consideram injustas, sonham com o dia em que o mundo vai descobrir que são muito mais inteligentes, muito mais bonitas, muito mais interessantes e dignas de ser amadas do que alguém reconheceu alguma vez. É maravilhoso para a criança pressentir que essa descoberta pode acontecer que chegará o dia em que poderá ocupar o lugar que legitimamente sente pertencer-lhe.

Pode-se dizer que os contos de fadas carregam as baterias da autoestima das crianças tendo muita importância na sua formação. Claramente os contos de fadas não são as únicas histórias que podem ser contadas ou lidas às crianças. Mas são mais facilmente apreensíveis graça à sua estrutura e aos seus temas, à utilização de fórmulas de repetição. A linguagem metafórica dos contos permite que a criança projete-se em diferentes personagens e situações. Cada estória tem uma mensagem específica, típica ao seu roteiro e que motivou a sua escolha de acordo com a mensagem educacional desejada pelo seu narrador, de forma genérica, as estórias contribuem com diversos aspectos da formação de crianças e de jovens. Esses aspectos podem variar de intensidade de uma história para outra, porém pode-se dizer que, de maneira geral, todas as estórias propiciam o desenvolvimento de atenção e raciocínio, senso crítico, imaginação, criatividade, afetividade e transmissão de valore.

As estórias possuem o poder mágico de prender a atenção das crianças, pois elas acompanham os fatos ocorridos e questionam-se, como por exemplo: Como  o herói se sairá dessa situação? A princesa encontrará o príncipe e poderá ser feliz novamente? Os vilões serão derrotados? Isso fará com que as crianças exercitem a relação de causa e efeito, que faz parte do seu amadurecimento. A narrativa exercitará também a memória, pois as maldades feitas pela rainha má serão relembradas, no final da história, quando for castigada. A criança por estar interessada no enredo gravará elementos e detalhes que sabe que lhe trará satisfação em outra parte da história. Isso também pode acontecer quando a mesma história é contada diversas vezes, a cada narrativa, a criança saboreará melhor estes elementos.

Segundo DOHME (2003 p. 21)“sem dúvida, pensando no cidadão de amanhã, uma das maiores preocupações dos professores e até mesmo dos pais é de formar um homem e uma mulher que sejam críticos, que tenham capacidade de analisar o que está à sua volta, de avaliar o que está de acordo com seus princípios e o que não está e de tomar decisões de acordo com as suas próprias convicções.” Por exemplo: As crianças pequenas ficarão encantadas quando Cinderela se apaixonar imediatamente pelo príncipe. Mas, as mais velhas poderão ser questionadas se somente o fato de ser bonito,  rico e poderoso é suficiente para alguém se apaixonar. Uma boa história pode levar a criança ao fundo do mar, acima das nuvens, a países distantes, ao futuro e ao passado. A descrição detalhada fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores, visualize a grama verdinha e se encante com o cavalo alado que voa pelo céu estrelado.

Entretanto, essa descrição não deve ser exagerada,  assim permitindo que o ouvinte apresente a sua própria cor do céu, enfeite o campo com árvores. As estórias fornecem um contexto com o qual podemos trabalhar de diversas maneiras, fazendo com que as crianças sejam convidadas a criarem. As crianças adoram ouvir histórias e querem sempre ouvir mais e mais, isso se dá pelo prazer que elas têm de ouvir histórias e também, pela situação de aconchego que estas representam. As histórias são excelentes veículos para a transmissão de valores, porque dão contexto a fatos abstratos, difíceis de serem transmitidos isoladamente. Como por exemplo, a valorização da esperteza, que mentir não é a melhor solução. A criança precisa de um estímulo para facilitar na sua aprendizagem, e nos contos de fadas, não tem nada melhor para que essa questão possa ser desenvolvida.

A criança poderá  comunicar-se, exteriorizar sua vida e impulsionar seus pensamentos. Nesse período, ela transforma o mundo real em função de seus desejos e fantasias. Posteriormente, utiliza essas fantasias como referencial para aplicar à sua realidade, à sua própria atividade, ao seu eu e às suas leis de moralidade. Nessa fase, a criança está vivendo um período repleto de possibilidades, no qual, através do imaginário, é permitida a ela a interação constante com o mundo real e o mundo da fantasia. Segundo DOHME (2003 p. 22) esse último é abastecido pela literatura infantil, que atua como suporte de diálogo, recreação e elaboração de idéias. Ela desperta a sensibilidade da criança e aflora seu senso crítico, permitindo sua alfabetização intelectual e estética, além da percepção ética e moral, fartamente encontrada nos contos de fadas. Os contos de fadas pertencem ao mundo dos arquétipos, são míticos, simbólicos, respondem ao universo da criança, e, sendo assim, torna-se possível perceber que não nos dão outro poder, senão o de assumir o real através da cultura do imaginário. É na literatura infantil que os encontramos, seu gênero é o narrativo, e seu enredo é bem simples, rápido e preciso. Têm características próprias: “Era uma vez...”, “Num reino encantado...”“Num lugar não muito distante...” Essa forma narrativa denota um início, um meio e um fim e faz com que a criança perceba a existência de um tempo, um tempo que não é o seu, um tempo imaginário. Os contos de fadas propiciam, ainda, através da oralidade, o primeiro contato que a criança tem com um texto. Por isso, deve-se permitir que ela ouça muitas e muitas histórias, pois, além de ser um passo inicial no seu processo de aprendizagem, certamente contribuirá no seu interesse pela leitura. É através da interação do conto de fadas e seu conteúdo que a criança tem a oportunidade de brincar com os mistérios da vida, sem se preocupar com a aprovação ou reprovação do adulto.

O conto promove o desenvolvimento da criança, motivando-a a ser generosa e solidária, fazendo-a compreender que nem sempre as pessoas são boas e que nem sempre as situações são agradáveis. Por consequência, desperta seu senso crítico, fazendo-a refletir entre o pensar e o agir, entre o certo e o errado. A essência do conto de fadas é o de abstrair conceitos formadores de caráter, uma vez que estabelece relação entre “bem e mal”, “certo e errado”. Seus valores são inúmeros: respeito, bondade, justiça, amizade, amor, franqueza, humildade, diferença, etc. A formação moral da criança ocorre quando esta faz uso da reflexão sobre os contos de fadas, distinguindo as atitudes das personagens e construindo as suas próprias, alicerçando sua formação moral. ´

 

2. A importância de Ouvir Histórias para sua Educação e Letramento

Segundo ABRAMOVICH (1995 p.17), “contar histórias é a mais antiga das artes. Nos tempos antigos, o povo assentava ao redor do fogo  para se aquecer, alegrar, conversar, contar casos. Pessoas que vinham de longe de suas Pátrias contavam e repetiam histórias para guardar suas tradições e sua língua.”  As histórias são incluída  a nossa cultura. Elas ganham espaço nas nossas casas através da voz materna, das velhas babás, dos livros coloridos, para o encantamento da criançada. E os pedagogos, sempre à procura de técnicas e processos adequados à educação das crianças, descobriram esta verdadeira “mina de ouro”, que são as estórias. Parte importante na vida da criança desde a mais tenra idade, a literatura constitui alimento precioso para sua alma. É conhecendo a criança e o mistério delicioso do seu mundo que podemos avaliar todo o valor da literatura em sua formação. A criança tem um mundo próprio, todo seu, povoado de sonhos e fantasias. Ouvir estórias é um acontecimento tão prazeroso que desperta o interesse das pessoas em todas as idades. Se os adultos gostam ouvir uma boa história, um “bom causo”, a criança é capaz de se interessar e gostar ainda mais por elas, já que sua capacidade de imaginar é mais intensa. A narrativa faz parte da vida da criança desde quando bebê, através da voz amada, dos acalantos e das canções de ninar, que mais tarde vão dando lugar às cantigas de roda, a narrativas curtas sobre crianças, animais ou natureza. As crianças bem pequenas, já demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo, sentindo medo ou imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a formação da criança que ela ouça muitas histórias desde a mais tenra idade.

O primeiro contato da criança com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a mãe, os avós ou outra pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A preferida, nesta fase, é a história da sua vida. A criança adora ouvir como foi que ela nasceu, ou fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família. À medida que cresce, já é capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da história que mais lhe agrada. É nesta fase, que as histórias vão tornando-se aos poucos mais extensas, mais detalhadas. A criança passa a interagir com as estórias, acrescenta  detalhes, personagens ou lembra-se de fatos que passaram despercebidos pelo contador. Essas histórias reais são fundamentais para que a criança estabeleça a sua identidade, compreenda melhor as relações familiares.

Outro fato importante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o contador das histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegada a quem se ama é compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das histórias e dos livros. Algum tempo depois, as crianças passam a se interessar por histórias inventadas e pelas histórias dos livros, como: Contos de fadas ou contos maravilhosos, poemas, ficção, etc. Tem nesta perspectiva, a possibilidade de envolver o real e o imaginário. É importante contar histórias mesmo para as crianças que já sabem ler, pois segundo Abramovich (1997, pág.23) “Quando a criança sabe ler é diferente sua relação com as histórias, porém, continua sentindo enorme prazer em ouvi-las”. Quando as crianças maiores ouvem as histórias, aprimoram a sua capacidade de imaginação, já que ouvi-las pode estimular o pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar. Num mundo hoje tão cheio de tecnologias, onde as informações estão tão prontas, a criança que não tiver a oportunidade de suscitar seu imaginário, poderá no futuro, ser um indivíduo sem criticidade, pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade.  Portanto, garantir a riqueza da vivência narrativa desde os primeiros anos de vida da criança contribui para o desenvolvimento do seu pensamento lógico e também de sua imaginação, que segundo Vigotsky (1992, p.128) caminham juntos: “A imaginação é um momento totalmente necessário, inseparável do pensamento realista.”. Neste sentido, o autor enfoca que na imaginação a direção da consciência tende a se afastar da realidade. Esse distanciamento da realidade através de uma história, por exemplo, é essencial para uma penetração mais profunda na própria realidade.

Afastamento do aspecto externo aparente da realidade dada imediatamente na percepção primária possibilita processos cada vez mais complexos, com a ajuda dos quais a cognição da realidade se complica e se enriquece. (VIGOTSKY 1992, p.129)

O contato da criança com o livro pode acontecer muito antes do que os adultos imaginam. Muitos pais acreditam que a criança que não sabe ler não se interessa por livros, portanto não precisa ter contato com eles. O que se percebe é bem ao contrário, a criança percebe desde muito cedo, aprende que livro é uma coisa boa, que dá prazer. As crianças bem pequenas interessam-se pelas cores, formas e figuras que os livros possuem e que mais tarde, darão significados a elas, identificando-as e nomeando-as. Ao ter contato com livros, seja com pequenas gravuras e textos simples, a criança pode criar seu próprio mundo com sonhos e fantasias, oportunizando o conhecimento de si mesma e do ambiente que a cerca. Quando os professores e principalmente os pais leem histórias ou inventam colocando as crianças como personagens, despertam nas mesmas novas ideias e conhecimentos. É importante que o livro seja tocado pela criança, folheado, de forma que ela tenha um contato mais íntimo com o objeto do seu interesse. A partir daí, ela começa a gostar dos livros, percebe que eles fazem parte de um mundo fascinante, onde a fantasia apresenta-se por meio de palavras e desenhos. Sendo assim fica evidente a importância de ouvir (contar) histórias para as crianças desde cedo, pois eleva o seu potencial cognitivo a desenvolver mais rápido para a leitura e escrita. A história é contada visando deleitar a criança; infundir o amor à beleza; desenvolver sua imaginação; desenvolver o poder da observação; ampliar as experiências; desenvolver o gosto artístico e estabelecer uma ligação interna entre o mundo da fantasia e o da realidade. No sentido da língua, particularmente, as histórias: enriquecem a experiência; desenvolvem a capacidade de dar sequência lógica aos fatos; dão o sentido da ordem; esclarecem o pensamento; educam a atenção; desenvolve o gosto literário; fixam e ampliam o vocabulário; estimulam o interesse pela leitura e desenvolvem a linguagem oral e escrita.

3.  O Imaginário da Criança Suscitado pela Narrativa

 Durante os primeiros anos de vida da criança, são construídas e desenvolvidas maneiras particulares de ser e esquemas de relações com o mundo e com as pessoas. Elas vão construindo suas matrizes de relações a partir de sua interação com o meio, com isso o seu comportamento emocional, individualização do próprio corpo, formação da consciência de si, são processos paralelos e complementares do desenvolvimento da criança e é nesta fase que prevalecem os critérios afetivos sobre os lógicos e objetivos. Segundo FERREIRA (1975, p. 918) “Imaginar é construir ou conceber na imaginação; fantasiar, idear, inventar; é o ilusório; o fantástico. Imaginação: é a faculdade que tem o espírito de representar imagens. Imaginário: é o que só existe na imaginação”. Vamos agora supor que o imaginário da criança seja como um rio, quando jogamos uma pedra no rio, ondas circulares se forma ao redor e vão se movimentando e atingindo correntes de águas cada vez mais longe. A pedra ao mergulhar vai assustando peixes, atraindo curiosos, e mudando a rotina do local, mesmo que por pouco tempo. Uma criança ao ouvir contos de fadas, transforma a pedra em cada uma das palavras que lhe são contadas, trazendo lembranças, sonhos, desejos, personagens, dúvidas, medos e associações. Acerca desta questão, Bettelheim, 2002 considera:

Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra forma de literatura, dirigem a criança para a descoberta de sua identidade e comunicação e também sugerem as experiências que são necessárias para desenvolver ainda mais o seu caráter. Os contos de fadas declaram que uma vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa apesar da adversidade, mas apenas se ela não se intimidar com as lutas do destino, sem as quais nunca se adquire verdadeira identidade. Estas estórias prometem à criança que, se ela ousar se engajar nesta busca atemorizante, os poderes benevolentes virão em sua ajuda, e ela o conseguirá. As estórias também advertem que os muito temerosos e de mente medíocre, que não se arriscam a se encontrar, devem estabelecer-se numa existência monótona se um destino ainda pior não recair sobre eles. (BETTELHEIM 2002, p.23)

Quando a criança entra no “mundo da fantasia e da imaginação” de um conto de fadas, ela elabora hipóteses para a resolução de seus problemas e toma atitudes do adulto indo além daquelas de sua experiência cotidiana, buscando alternativas para transformar a realidade. No faz de conta, seus desejos podem facilmente ser realizados e quantas vezes a criança desejar, criando e recriando situações que ajudam a satisfazer alguma necessidade presente em seu interior. Dessa forma, os contos de fadas atuam no emocional e imaginário da criança, e sua contribuição está em auxiliá-la a tomar decisões para sua independência, em acomodar os seus sentimentos e lhe dar esperanças de que seus esforços poderão lhe conduzir a um final feliz. No conto, o símbolo pode ser um personagem, que irá enriquecer a identidade da criança, porque ela irá experimentar outras formas, de ser e de pensar, possibilitando a ampliação de suas concepções sobre o meio, pois no faz de conta, a criança desempenha vários papéis sociais. Segundo Postich,1993;

Imaginar não é só pensar, não significa apenas relacionar fatos, e analisar situações, tirando-lhe significados. Imaginar é penetrar, explorar fatos dos quais se retira uma visão. Esta só poderá ser comunicada ao outro através de símbolos, que provocam harmônicos e estabelecem a comunhão. O símbolo age como mediador para revelar ocultando, ocultar revelando, e ao mesmo tempo incitar à participação que, embora com impedimentos e obstáculos, fica favorecida. (POSTIC1993 p.19)

Os contos também conseguem deixar fluir o imaginário e levar a criança a ter curiosidade, que logo é respondida no decorrer dos contos. É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso de conflitos, dos impasses, das soluções que todos vivem e atravessam, de um jeito ou de outro, através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos personagens de cada história. Também considera Abramovich, 2006:

 “É através de uma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula. (ABRAMOVICH 2006,p.19)

Os contos cumprem a função de expor pela criança as suas fantasias, já que elas provocam medo, desejos e perigos. Assim, se não falar dessas fantasias ninguém saberá e não poderão realizar-se. Com os contos, as fantasias são expostas pela boca dos personagens. Mas apenas como fantasia do outro e não como minha. Para fantasiar é necessário, um dia, que o desejo tenha sido satisfeito. Pois só assim saberemos o que desejar. Os contos de fadas mantêm uma estrutura fixa. Partem de um problema vinculado à realidade (como estado de penúria, carência afetiva, conflito entre mãe e filhos), que desequilibra a tranquilidade inicial.

O desenvolvimento de uma busca de soluções, no plano de fantasia, com a introdução de elementos mágicos, a restauração da ordem acontece no desfecho da narrativa, quando há uma volta ao real valendo-se desta estrutura, os autores, de um lado, demonstram que aceitam o potencial imaginativo infantil e de outro, transmitir à criança a ideia de que ela não pode viver indefinidamente,  no mundo da fantasia, sendo necessário assumir o real, no momento certo. As crianças utilizam os contos para conseguir lidar com problemas reais, enfrentando-os com a coragem de um adulto e com a inocência de uma criança.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança. BETTELHEIM (1992 p.20)

No mundo real e no conto de fadas, é fundamental a presença do adulto, isto é, do pai, da mãe ou do educador. O grande potencial do conto de fadas é sua capacidade de falar, metaforicamente, sobre a estrutura familiar e sobre conflitos psíquicos naturais do ser humano, como o medo da morte ou o medo da separação. O que é monstruoso ou o que gera medo varia de uma pessoa para outra, conforme a família, a cultura, a época.

A imaginação é um instrumento fundamental de elaboração e construção da nossa identidade. Sair de casa expulsa pela madrasta, enfrentar um ogro, encontrar no amor a solução de todos os males, travar uma luta mortífera com figuras poderosas e aventurar-se na floresta, virar comida de uma bruxa; Situações aparentemente absurdas podem ilustrar nossos conflitos inconscientes. O mundo pode ter mudado totalmente, mas tornar-se mulher ou homem, assim como enfrentar o crescimento e a morte como fim da vida, ainda são nossos problemas. No que diz respeito tais temáticas em questão, mudou-se tudo para que continuasse  do mesmo jeito que era antes.

 

Considerações Finais

A aprendizagem da criança começa quando ela nasce e continua por toda a sua vida, mas é nos primeiros anos que sua personalidade e o caráter começam a ser desenvolvidos, pois é a partir dos quatro anos que elas começam a busca por entender o que está acontecendo com elas e com o mundo que as cercam. Desta maneira, os contos contribuem para a formação da personalidade, para o equilíbrio emocional, ou seja, para o seu bem-estar, sendo que é por meio de suas personagens boas ou más, dos problemas que enfrentam e os fechamentos narrativos,  que nem sempre são felizes para todas as crianças, que elas  passam a compreender o mundo em que se encontram  entrepostas. Todos os sofrimentos e felicidades contidas nele, estes contos dizem-nos das verdades universais e individualmente de cada assunto que as crianças podem vir a se afligir em cada fase da vida.

Além do mais, os contos são aplicados com uma finalidade de caráter pedagógico, buscando adaptar a criança e trazê-la à realidade concreta, completamente razoável. Os contos de fadas aumentam a capacidade de fantasia e imaginação infantil, eles são para as crianças, o que há de mais real dentro delas. Segundo ABRAMOVICH (2006 p. 120). “Isso se passa porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que evidenciam a fantasia, iniciando sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu...” Assim, seria interessante os contos estarem existentes na vida da criança desde a Educação Infantil, ajudando-a na elaboração dos seus conflitos, auxiliando-as a estruturar uma resposta positiva, um final feliz para seus problemas, pois os contos de fadas, ao se iniciarem com seu modelo clássico “Era uma vez, num reino distante...” são atemporais. O reino do qual o conto fala pode ser qualquer um, em qualquer lugar e seus personagens têm certas características que desencadeiam, por conseguinte, a identificação imediata da criança com o conto de fadas, também chamado tecnicamente de fábulas.

 

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosura e bobices. 5.ed. São Paulo: Scipione, 2006.

AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? 6.ed. Rio de Janeiro:Vozes, 2004.

 BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 16.ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 2002.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos mitos arquéticos. São Paulo:Paulinas, 2009.

DOHME,Vania D’Angelo. Técnicas de contar histórias: pais: um guia para os pais contarem histórias para seus filhos. São Paulo: Informal, 2003.

 FERREIRA, de Holanda, Buarque, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1975.

FRANZ, Marie-Louise Von. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo:Paulus, 1990.

 ___________. A individuação nos contos de fadas. São Paulo:Paulus, 1984. HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: As crianças e a literatura fantástica. São Paulo:Summus, 1980.

LAJOLO, Marisa; ZIBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira. São Paulo:Ática, 2007.

POSTIC, Marcel. O imaginário na relação pedagógica. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1993.

 SILVA,Ana Araújo. Literatura para bebês. São Paulo:Pátio, 2003.

VIGOTSKY, Lev Semenovitch. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo:Martins Fontes, 1999.