OLIVEIRA, Maria Anória de. Relações Étnico-Raciais na Educação e a Literatura Infanto-juvenil: nas veredas da Lei Federal 10.639/03 (?!). In: LINS, Juarez Nogueira e outros (org.). Linguagem e discussões Culturais. João Pessoa: PB, Ed. Dos Organizadores, 2006, p. 283-303.


O ensaio Relações Étnico-Raciais na Educação e a Literatura Infanto-juvenil: nas veredas da Lei Federal 10.639/03 (?!), redigido pela Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Mestra em Educação (UNEB), Doutoranda em Literatura e Cultura (UFPB) e Pesquisadora de Relações Étnico-Raciais Maria Anória de Jesus Oliveira, é um convite de diálogo contínuo com o leitor para instigá-lo a buscar uma educação antirracista no contexto escolar.

Através de um estilo original, escrito em primeira pessoa o que permite um diálogo direto com os interlocutores (educadores, em geral) com capítulos concisos e bastante objetivos, este ensaio contribui efetivamente para a práxis pedagógica uma vez que oportuniza aos docentes uma reflexão sobre a busca por uma educação pluricultural. Sem a pretensão de concluir, mas de ampliar informações durante todo o percurso, ele envereda por duas searas: a prática educacional e a literária.

Na Introdução: delineando o nosso caminhar..., a autora enfatiza, utilizando poucas palavras, a sua perspectiva ideológica, pautada na área de Educação, Literatura e Ciências Sociais com enfoque nas relações étnico-raciais e apresenta a sua fundamentação teórica nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e nos autores Sônia Salomão Khéde e Antônio Cândido.

Em Lei Federal 10.639/03 e o contexto escolar: duas questões cruciais, ela reconhece a importância da implementação da lei supracitada em meio ao eurocentrismo curricular como uma conquista dos movimentos negros, mas salienta dois obstáculos que devem ser enfrentados para a viabilização desta conquista: a formação docente e a parca publicação e/ou divulgação de materiais didáticos e/ou literários.

Ainda neste capítulo, a ensaísta apresenta alguns questionamentos ao leitor como reflexões instigantes para identificar problemas e sinalizar perspectivas para saná-los. Após esses questionamentos, ela considera plausível compartilhar a sua fundamentação teórica ("colocações de profissionais com os quais venho atuando nos últimos anos" p. 284) e salienta, enfaticamente, o papel docente face à educação antirracista ("o nosso papel (trans) formador de opiniões..." p. 285).

Espaço escolar: (des) informação do educador/ (de) formação do ser negro traz à baila situações vivenciadas por educadores baianos com os quais a autora conviveu, a saber: os educadores criticam a inexistência e/ou escassez de livros literários com personagens negras nas escolas; os próprios alunos na seleção de representantes para os papéis de heróis, príncipes, fadas, anjos etc. escolhiam conforme o padrão de beleza europeu e os colegas negros só eram indicados para os representantes do mal, como bruxas, antagonistas etc.; um aluno de quatro anos se recusou a pegar na mão do colega negro com nojo e medo de que soltaria tinta e o sujaria; uma filha de uma docente pediu à mãe que cortasse a sua cabeça e a substituísse por uma nova com cabelos lisos.

Certamente, esses relatos muito bem selecionados contextualizam e justificam a necessidade e urgência de repensar a práxis pedagógica uma vez que a postura discriminatória discente reproduz o que é exposto na literatura. Se nos livros há estereotipia e depreciação do negro, cabe à escola não fortalecer a tendência racista tão corriqueira e não contribuir para a política ideológica do branqueamento tão arraigada nesta sociedade hegemônica e eurocêntrica.

No capítulo Educação anti-racista: desvelando um novo olhar, a autora elenca várias produções acadêmicas imprescindíveis e relevantes para leitura e pesquisa dos educadores para que modifiquem a visão preconceituosa e eurocêntrica da literatura no contexto escolar. Elas "são obras que se complementam, que lançam luzes para o nosso olhar em direção à educação antirracista, pluricultural. Logo estão a meu ver, em consonância com as veredas da Lei 10.639/03" (p.287).

A partir de Educação anti-racista nas veredas literárias: a tessitura dos personagens negros, a ensaísta envereda pela seara literária. Inicialmente, expressa uma provocação em forma de questionamento sobre a escassez, no mercado livresco, de publicações de qualidade crítica e teórica sob o viés das relações étnico-raciais. Em seguida, elucida o conceito do ser personagem através de Abdala Júnior ("ser de papel, e não um indivíduo de carne e osso") e Antônio Cândido ("o romance se baseia num tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste").

Destarte, afirma que "o personagem de ficção ganha ?vida? no imaginário do leitor, o qual vivencia suas emoções, sensações, conflitos existenciais, morais étnico-raciais, socioeconômicos etc." (p. 288). Para finalizar o capítulo, sugere que o leitor, através de uma viagem imaginária, relembre as características físicas e psicológicas das personagens dos contos de fada e ratifica a necessidade da escolha de narrativas que contribuam para a afirmação da identidade étnico-racial isentas de visões negativas e estereotipias para indicar às crianças e aos jovens.

Em Relações étnico-raciais e a tessitura literária inovadora em A cor da Ternura, Maria Anória de Jesus Oliveira (2006, p. 290) reverbera:

O preconceito racial é perceptível na medida em que valoriza o grupo étnico-racial branco em detrimento do negro, o qual é preterido nas obras ou, então, tecido nas narrativas sem nome, animalizado, exercendo atividades de serviçais, sendo desqualificado, haja vista a sua associação a personagens maus, à sujeira, à tragédia, além de ter um acabamento "ficcional" inferior em relação aos personagens brancos, no que tange à origem geográfica, a religião e a "situação familiar e conjugal".

Partindo do pressuposto de que a literatura pode corroborar com ideais racistas e preconceituosos a depender de como se tecem as suas personagens, a ensaísta apresenta passagens e críticas a uma obra que se diferencia das produções dos anos 80 pela inovação e singularidade poética, A cor da ternura, de Geni Guimarães, a saber: identificação como princesa negra, escolha de uma profissão considerada prestigiada socialmente (professora), o espaço social e a origem familiar são humildes e repletos de amor e atenção, a personagem é protagonista, tem nome e não recebe apelidos depreciativos.

Em Considerações finais: (in) conclusão... , a autora ratifica a referência positiva da obra A cor da ternura pela (re) construção de uma identidade positiva do ser negro e enumera outras editoras e publicações da literatura infanto-juvenil que considera "parceiras" por enveredarem pela história das relações étnico-raciais. Com isso, reafirma a sua tese inicial da necessidade de uma análise criteriosa e atenta das obras literárias com as quais os docentes trabalharão em suas salas de aula.

Enfim, este ensaio traz inúmeras ideias criativas e originais já que convida os leitores a não silenciarem, reverem as suas posturas diante das situações discriminatórias para não reforçarem estereótipos, nem fazerem violência simbólica através de associações de caráter negativo no ambiente educacional. A sugestão é formação docente especializada, seleção criteriosa de materiais pedagógicos e promoção de debates e reflexões com as crianças e os jovens negros e não negros para não perpetuar a visão preconceituosa e eurocêntrica.