ANA PAULA DE OLIVEIRA FERREIRA

LITERATURA DE CORDEL:

UM MÉTODO DE INCENTIVO À LEITURA E ESCRITA

Artigo apresentado à Faculdade Atlântico como requisito para obtenção do título de especialista em Língua Portuguesa, Leitura e Produção de Texto.

Orientador: Prof. MSc. Edinaldo Batista dos

Santos

Cristinápolis/Se

2010

LITERATURA DE CORDEL:

UM MÉTODO DE INCENTIVO À LEITURA E ESCRITA

ANA PAULA DE OLIVEIRA FERREIRA UNIT

RESUMO

Este artigo tem como objeto de pesquisa o estudo da Literatura de Cordel desenvolvida em sala de aula como método incentivador da leitura e da escrita, visto que, por se tratar de folhetos impressos, ilustrações atrativas e sua livre expressão, o cordel desperta o interesse na maioria das pessoas que já tiveram ou mantém o contato com esta literatura. Trabalhos realizados anteriormente com os alunos do 9º Ano B, da Escola Dr. Albano Franco, situada no Povoado Cascavel em Tomar do Geru, Sergipe, demonstraram que os mesmos se sentiram motivados a produzirem textos através dessa expressão literária que é o cordel em seu amplo contexto cultural, instigando-os a desenvolverem um trabalho de produção artística popular. Sendo assim, propomos um trabalho com literatura de cordel em sala de aula como forma de despertar a criatividade e a capacidade dos envolvidos na produção de texto, na oralidade, explicitando e exercitando o senso crítico dos mesmos de maneira espontânea, utilizando-se da pesquisa experimental, bibliográfica e documental, além da observação e questionário aberto. Este trabalho poderia ser caracterizado como suporte de estudo aos métodos incentivadores da leitura e da escrita dentro da cultura popular, já que os resultados da pesquisa sobre a Literatura de Cordel em sala de aula aqui apresentados foram satisfatórios e bastante relevantes.

Palavras-chave: Literatura de Cordel, Método, Sala de aula, Incentivador.

INTRODUÇÃO

A Literatura de Cordel surgiu na Europa a partir do século XVI. Nesta época os trovadores iam de feudo em feudo, cantando suas poesias, acompanhados de violas, alaúdes, pandeiros e outros instrumentos musicais. Esses poetas contavam histórias, divertiam o povo, os membros da corte e também seguiam peregrinações a lugares santos. O cordel servia como um meio de comunicação popular onde os trabalhos produzidos eram expostos em barbantes e cordas para serem vendidos em locais públicos.

Somente em fins do século XIX, a literatura foi trazida para o Brasil por colonizadores europeus, onde através de folhetos impressos que circulavam principalmente nas zonas rurais o trabalho iria sendo cada vez mais divulgado e apreciado pela população. Ressaltando que os cordéis sobressaíram-se e sua concentração maior foi na Região Nordeste especialmente nos estados de Pernambuco, Bahia, Ceará e Pará, devido ao enfoque no regionalismo que se referiam na maioria das vezes aos feitos dos cangaceiros, sertanejos e os problemas sociais que os cercam.

Experiência realizada em sala de aula por alguns professores observou-se que devido ao rico conteúdo da literatura de cordel o desenvolvimento da leitura e da escrita fluiu prazerosamente tornando-se um importante método inovador e incentivador das mesmas.

Numa experiência realizada na Escola Dr. Albano Franco, situada no povoado Cascavel em Tomar do Geru, Sergipe, os educandos da turma do 9º Ano B, demonstraram que se sentiram motivados a produzirem textos através da livre expressão literária do cordel em seu amplo contexto cultural.

No entanto, ainda não foram realizadas pesquisas que comprovassem a influência do cordel enquanto recurso de aprendizagem nesta escola. Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo avaliar a importância da Literatura de Cordel como método de incentivo à leitura e escrita de forma a despertar o senso crítico, a capacidade de observação da realidade e dos problemas sociais que nos cercam em especial na região Nordeste onde o Cordel teve maior repercussão e por ser a nossa terra de origem.

O trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, aliada às pesquisas documental e experimental na Escola Dr. Albano Franco, na turma 9º Ano. Como instrumento de pesquisa utilizou-se a observação e o questionário aberto aplicado aos alunos da referida turma e escola.

Sendo assim, este artigo pretende servir de suporte e subsídios a pesquisadores, estudantes da área de Língua Portuguesa, cordelistas e professores que se interessem no desenvolvimento desse trabalho em sala de aula e tenham como foco despertar a necessidade de se trabalhar essa temática.

O trabalho está dividido em três seções: A primeira aborda os métodos incentivadores da produção de textos, a segunda faz referência à importância da Literatura de Cordel em sala de aula e a terceira seção nos relata sobre a necessidade de se trabalhar a literatura em seu amplo contexto.

1 MÉTODOS INCENTIVADORES DA PRODUÇÃO DE TEXTOS

ALiteratura de Cordel - poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças, tal como é cultivada no Brasil até hoje, teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVI se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel ou barbante, para facilitar sua exposição aos interessados. Exemplos conhecidos de Literatura de Cordel são as histórias de Carlos Magno e os Doze Pares de França, A princesa Magalona, histórias de João de Calais e A Donzela Teodora (LINHARES, 2006).

Conforme Linhares (2006), as folhas volantes, de impressão rudimentar, registravam-se também fatos históricos, poesia, cenas de teatro (como o de Gil Vicente), anedotas ou novelas tradicionais como A ImperatrizPorcina, textos que eram memorizados  e cantados por quem os vendiam. Essas folhas volantes lusitanas, por sua vez, tiveram origem no grande caudal da Literatura Oral, tal como se arraigou na Península Ibérica, onde se formou o velho  Romanceiro peninsular. Desta fonte, saíram inicialmente as folhas volantes que circularam na Espanha desde fins do séc. XVI.

Ambas as formas tiveram como antecessora a littérature de colportage, pequenos libretos surgidos na França também no início do séc. XVI, com a popularização da imprensa. Eram folhetos impressos em papel de baixa qualidade, em cor cinza ou azul (daí o nome genérico de Biblioteca Azul). Seus textos eram velhos romances, cantigas, vidas edificantes, fatos históricos... recolhidos da tradição e bastante simplificados em sua redação.

Difundidos por toda a Europa, essa forma popular de literatura, chamada "de cordel", foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores espanhóis e portugueses, à medida que se instalavam nas terras por eles conquistadas.

Para Cascudo (1973) "Nas naus colonizadoras, com os lavradores, os artifícies, a gente do povo, veio naturalmente à tradição do Romanceiro, que se fixaria no Nordeste do Brasil, como literatura de cordel".

Enquanto não se difundiu a tipografia, foi essa a forma que poesia popular encontrou para se divulgar. Se na Idade Média, os jograis populares ou palacianos, cantando nas festas e animando o povo, constituíam a comunicação dessa poesia, com a transformação do tempo, tais formas também  foram-se transformando (DIÉGUES JR,1969).

Foi no Nordeste do Brasil (da Bahia ao Pará) que este tipo de literatura se espalhou e se firmou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação, tornando-se uma das características diferenciadoras dos costumes dessa imensa região em relação às demais regiões brasileiras. Pela interpretação do grande pesquisador da cultura popular brasileira que foi Cascudo (1962), sabemos que, "No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região".

Alguns fatores de formação social contribuíram para este aspecto citado acima: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento das manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre  outros motivos para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. Se eram raras as obras impressas, vindas de Portugal ou dos centros mais adiantados do próprio Brasil, havia à mão os folhetos contando as velhas novelas populares, ás vezes, histórias de santo também.

Não foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se um meio de comunicação, o elemento difundido dos fatos ocorridos, servindo de jornal ao por a família ao corrente do que se passava: façanhas de cangaceiros, casos de rapto de moças, crimes, estragos da seca, efeitos das cheias, tantas coisas mais.

Devido à diversidade de assuntos ou temas cantados pela literatura de cordel, em todos os países ela tem sido classificada segundo seus "ciclos temáticos". Tais classificações diferem bastante entre si, segundo os critérios usados pelos folcloristas. Em geral essas classificações abrangem duas grandes áreas-matrizes: a da Tradição (passado) e a das Circunstâncias (presente). Na Europa, existem importantes classificações, mas nenhuma definitiva. No Brasil, destacam-se as de Ariano Suassuna, Cavalcante Proença, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Manuel Diégues Júnior, Patativa do Assaré e outros cada um com sua contribuição sem esgotar o problema.

Segundo pesquisas realizadas pela USP (2006), o Brasil é o maior produtor de literatura de cordel, no mundo ocidental: em cem anos publicou cerca de 20.000 folhetos, embora em pequenas tiragens (entre 100 e 200 exemplares cada).

Há cantadores e cordelistas famosos (Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Cuíca de Santo Amaro, pseudônimo de José Gomes, Rodolfo Coelho Cavalcante Raimundo Santa Helena; Francklin Machado; Paulo Nunes Batista, Patativa do Assaré, entre outros) que, além de cantarem e imprimirem os textos tradicionais inventam cantorias com temas gerados pelas circunstâncias de seu tempo, pelo dia-a-dia do povo, e que servem de informação, deleite do ouvinte ou leitor, ou denúncia dos mau-feitos em prejuízo de alguém. A maioria dos cordéis é ilustrada pela técnica da xilografia (gravação em madeira, depois estampada à tinta no papel, e que tem evoluído muito, em subtilezas técnicas).

          Com o correr dos tempos e o progresso urbano que, embora devagar, atingiu o Nordeste brasileiro, muitos costumes antigos desapareceram, mas a literatura de cordel resistente mantém-se viva até hoje, concorrendo com a rádio, o cinema e a televisão, para o entretenimento do povo nas praças, ruas, feiras, mercados ou em qualquer lugar em que haja um cantador e sua viola... Só que, cada vez com mais evidência, o interesse pelos cordéis antigos vem decrescendo em favor dos novos cordéis que falam muito mais dos dias de hoje, e mais denunciando ou zombando do que  inventando acontecimentos do novo Brasil e suas circunstâncias.

Esses meios de comunicar-se de maneira espontânea e lúdica despertaram em pesquisadores, professores, voluntários e outros interessados, a idéia de se estudar a influência dessa literatura em salas de aulas, partindo de um contexto educacional na perspectiva de tê-lo como método incentivador da leitura, da escrita e da produção de textos no diz respeito ao amplo conteúdo das culturas populares e às muitas e criativas possibilidades de trabalhar o cordel como forma de divertir, informar, seduzir e despertar os envolvidos para as situações que os rodeiam. De maneira que transpareça a autenticidade da cultura brasileira e a necessidade de buscá-la, conforme a seguinte afirmação:

Embora se possa dizer que cultura de qualquer civilização do passado ou do futuro é também esta busca de autenticidade, a reconstituição dos modos pelos quais ela é buscada e das vicissitudes em que incorremos em buscá-la é indispensável para compreender nossa criatividade cultural... (VANNUCCHI, 2006, p.15).

O tema de estudo deste trabalho abre espaços para uma reflexão sobre a importância de se inovar em sala de aula, de possibilitar métodos incentivadores no âmbito educacional, notavelmente são vários os meios de incentivo à aquisição do conhecimento, mas será abordada neste artigo, em especial, a literatura de cordel através do estudo de língua vernácula, que abre oportunidades para as manifestações e experiências culturais.

É importante abrir espaços para que a criança e o adolescente possam manifestar-se. Viver o direito à voz é experiência pessoal e intransferível, que permite um oportuno e rico trabalho de Língua Portuguesa. Assim também o exercício efetivo do diálogo, voltado para a troca de informações sobre vivências culturais e esclarecimentos acerca de eventuais preconceitos e estereótipos é componente fortalecedor do convívio democrático (PCN'S, 1997, p.53).

Portanto, diante de tantas manifestações culturais e métodos que incentivam a produção e a criatividade humana é de fundamental importância abordar esses temas e integrá-los à educação como forma de propiciar aos envolvidos mais conhecimento sobre a cultura popular brasileira.

A Literatura de Cordel pode apresentar-se de diversas formas: oral, escrita, declamada, cantada, dando várias possibilidades de se desenvolver belíssimos trabalhos pedagógicos e introduzí-la na sala de aula é uma boa proposta de se trabalhar a interdisciplinaridade, um imenso mundo literário, o resgate de valores, a origem das variadas culturas introduzidas no Brasil, etc.

Se nossos colonizadores nos espoliaram por séculos, foi precisamente porque, em vez de respeitar nossas tradições, nos impingiram outras, de par com as estruturas políticas e econômicas trazidas da Europa, de tal sorte que, hoje, certos dados culturais, como a religiosidade popular ou o carnaval, por tradições que sejam, estão longe de constituir, por si sós, marcas exclusivas do "caráter nacional brasileiro. (VANNUCCHI, 2006, p.40).

A priori, não se pode desprezar a influência estrangeira, as variantes culturais nem também deixar de perceber que a cultura popular vem crescendo rapidamente e tomando espaços jamais conquistados antes, a educação informal tem seu valor, toda sociedade seja ela analfabeta, de baixa renda ou reprimida, possui uma cultura própria, uma criação espontânea vinda das suas experiências de vida e através de uma nova visão de como a cultura popular pode ser trabalhada de forma pedagógica no campo educacional abre-se um leque de possibilidades para que as classes se expressem livremente, não necessariamente de maneira formal, mas que o povo seja ouvido, sua expressão e sua criação sejam vistas, pois o povo sabe muito e ninguém pode expressar melhor os problemas sociais e as mazelas da vida do que quem de fato sofre na pele as conseqüências dessa pirâmide tão desigual que é sociedade brasileira, conforme pontua Vannucchi:

Assim como a violência dos que estão por cima provoca o surgimento e a coesão dos movimentos e agrupamentos sociais, dos partidos, dos sindicatos, também a cultura popular representará uma força de reação e de identidade, com apoio nas raízes do povo, na sua memória coletiva, no apego rígido aos valores tradicionais. Do enfoque político flui, naturalmente, o pedagógico, a saber, a tendência de instrumentalizar a cultura popular desfolclorizada, como potencial conscientizador das massas, mediante a educação informal oferecida pelo teatro, cinema, músicas, festas, literatura de cordel, exposição e muitas outras iniciativas aglutinadoras (VANNUCCHI, 2006, p. 104).

Sendo assim, a ideia de trabalharmos essa temática como um método incentivador em sala de aula, possibilitará aos envolvidos inúmeras oportunidades de conhecer a cultura popular do seu país de sua região, expressar o descontentamento com as questões sociais, expor suas habilidades e emoções a depender do tema abordado, aceitar a crítica e saber fazê-la, reconhecer a sua realidade e perceber a necessidade de mudá-la quando necessário, pois a literatura proporciona a leitura, a interpretação, opiniões divergentes, visões de mundo diferenciadas, contextos sociais, políticos, econômicos e culturais variados que precisam ser trabalhados e estimulados no indivíduo.

A partir de agora vamos nos aprofundar na próxima seção sobre a importância dessa literatura ser trabalhada em sala de aula despertando o senso crítico do aluno no que diz respeito aos vários contextos em que está inserido.

2 A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA

Para alguns pesquisadores da Literatura de Cordel, o método surte efeito notável, quando trabalhado de forma planejada e objetiva em sala de aula. O suporte teórico presente neste artigo nos ajudará a entender melhor a importância da cultura popular, suas origens e que apesar de não ser vista com bons olhos por muitos críticos, políticos e veículos comunicativos, não temos como negar que o popular está em nosso dia-a-dia e que o "culto" pode tranquilimente andar ao lado da popularidade, sem negar as raízes de uma sociedade tão variada quanto a brasileira. Veja o que afirma Antônio Augusto Arantes:

Aprendemos, por exemplo, na escola ou na propaganda da TV, que "o Brasil é um cadinho democrático de raças". Que europeus, índios e negros contribuíram com suas características biológicas e culturais para formar a nação brasileira. Embora nos ensinem a ter um modo de vida refinado, civilizado e eficiente – numa palavra, "culto" – não conseguimos evitar que muitos objetos e práticas que qualificamos de "populares" pontilham o nosso cotidiano (ARANTES, 2007, p. 12).

Na contemporaneidade a escola pública pouco oferece para o que venha ser realmente necessário aos alunos, nessa perspectiva cabe ao educador inovar e procurar meios que atraiam a atenção dessa categoria, já que convivemos com uma realidade muito desagradável: o brasileiro não tem o hábito da leitura.

A leitura na escola deve ser uma oportunidade única, deve propiciar aos educandos interesse, desafios, conhecimento focado, além de propor aos mesmos a fundamentação dessas informações de maneira espontânea. Propõe-se neste artigo que os textos literários caminhem junto à Literatura de Cordel, ampliando assim, as informações e o conhecimento dos mais variados tipos de leitura.

Sendo assim, o professor não pode deixar de apresentar aos seus alunos uma diversidade de gêneros textuais que condigam com a realidade dos mesmos e de maneira sedutora e que desperte a curiosidade deles, pois trabalhar o texto por si só, já é visto por parte do aluno como um tema complicado e enfadonho.Observa-se que, a cada dia que passa, o mundo atual exige mais agilidade, criatividade, rapidez de pensamento, discurso persuasivo e adequação de estilo, o que impõe à escola algo novo: levar o aluno apropiar-se dos escritos para agir na vida (ROJO, 2006).

A partir disto, é possível através do contato com a Literatura de Cordel desenvolver no educando habilidades lingüísticas ampliando assim, seu conhecimento de mundo. A livre expressão que a Literatura de Cordel nos proporciona quebra muita das vezes aquele bloqueio que alunos possuem com relação às regras gramaticais, esse tipo de literatura possibilita uma produção menos conservadora no que diz respeito à gramática normativa. O autor de versos de cordel preocupa-se mais com rima do que com as regras, essa é uma das virtudes se é que assim pode ser chamada, que atraem o indivíduo e o estimula a produzir cordéis.

Se for apresentado aos alunos um trabalho democrático, incentivador, num ambiente propício sairá daquele ambiente muita coisa boa, eles se sentirão envolvidos produzirão cordel como nas décadas passadas, só que numa época diferente e com situações diferentes. Cascudo (1984) relata um pouquinho daquela época, quando afirma:

... a estrada dos comboios tornou-se batida e certa e hoje está ponteada de cidades e vilas. Eram antigamente os pousos, os "descansos", os pontos para dormir. Aí cantadores narravam as histórias passadas. Romances de amor, guerras, políticas, lutas de cangaceiros, tudo era evocado (CASCUDO, 1984, p.289).

Alguns estudiosos que trabalham o referido tema relatam experiências surpreendentes da prática do cordel em sala de aula. Não podemos deixar de relatar que alguns profissionais da educação também já tiveram essas experiências, no entanto, não as relataram cientificamente. Esse tipo de texto abre brechas para expressarmos os problemas sociais que nos rodeiam e ironizar sutilmente a sociedade imperfeita que fazemos parte. Cabe aos ouvintes fazerem a interpretação nas entrelinhas, veja a orientação de Antônio Augusto Arantes a seguir:

Em lugar de tomar esses símbolos abstratamente, como se eles estivessem vagando no vazio, convém, para os nossos propósitos, interpretá-los como produtos de homens reais, que articulam, em situações particulares, pontos de vista a respeito de problemas colocados pela estrutura de sua sociedade (ARANTES, 2006, p.35).

3 A NECESSIDADE DE SE TRABALHAR A LITERATURA EM SEU AMPLO CONTEXTO

A escola nos dias atuais não contempla diretamente a necessidade de um aluno tão carente de conhecimento nos aspectos sociais, econômicos e culturais quanto o estudante brasileiro. As escolas públicas infelizmente ainda deixam muito a desejar no que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem, mesmo porque, isso tem sido visto como um problema cultural. Lamentavelmente, de um modo geral, os mestres não possuem estímulo para ensinar e os alunos têm preguiça de aprender. Essas questões abrem muitas discussões alusivas a essa temática que envolve uma série de opiniões e conceitos que não serão relatos neste capítulo.

Em outras culturas a educação é considerada um bem supremo, além do estado e da família participar ativamente do processo, a jornada de estudos é intensa e respeitada por parte dos alunos, eles são conscientizados desde pequeninos que estudar é coisa séria, já na nossa realidade os nossos alunos cumprem apenas horário que está em sala e dedica a maior parte de sua vida a brincadeiras, não se preocupam em ler nas horas vagas e não dão a mínima importância para os conteúdos programáticos.

Verdadeiramente é um desafio muito grande para o educador, criar a cada dia uma novidade para conseguir chamar a atenção desses alunos e conseguir conscientizá-los de que só a educação mudará a realidade dele e de sua família como também desse país semi-analfabeto.

3.1 A EXPERIÊNCIA DO CORDEL COM OS ALUNOS DA ESCOLA DR. ALBANO FRANCO COM A TURMA DO 9º ANO

Nessa perspectiva, foi proposta junto aos alunos da Escola Dr. Albano Franco, com a turma do 9º Ano, uma reflexão sobre a educação, a implementação da literatura diversificada em seu amplo contexto e a necessidade de mudar de forma atrativa e inovadora a realidade das nossas salas de aula e talvez até para o educador repensar as suas práticas pedagógicas e se valer do que tem, se a cultura popular é tão rica e diversificada a ponto de prender a atenção do aluno seria interessante, explorar ao máximo essa riqueza que é um patrimônio público. Observe o que afirma Vannucchi (2006):

Do enfoque político flui, naturalmente, o pedagógico, a saber, a tendência de instrumentalizar a cultura popular desfolclorizada, como potencial conscientizador das massas, mediante a educação informal oferecida pelo teatro, cinema, músicas, festas, literatura de cordel, exposições e muitas outras iniciativas aglutinadoras (VANNUCCHI, 2006, P. 104).

Dessa forma, levando em consideração a importância da realização de trabalhos, utilizando-se o cordel em sala de aula, desenvolveu-se um trabalho minucioso, a partir da observação dos 39 alunos, pertencentes a uma turma de 9º Ano, na Escola Dr. Albano Franco, no município de Tomar do Geru, Sergipe onde se percebeu a necessidade de resgatar manifestações populares pouco trabalhadas no cronograma escolar e até festas populares da região.

Inicialmente houve certo impacto, porém a ideia causou entusiasmo e alvoroço nos alunos. Como primeiro resultado teve-se a produção de textos e expressão oral através de apresentações no pátio da escola. As aulas que ocorriam fora da sala de aula foram consideradas divertidas, tendo os alunos se empenhado ao máximo.

Logo depois, resolveu-se levar mais a diante a experiência e expandí-la para uma exposição cultural no centro da cidade. A partir dos resultados notou-se um aumento no nível de aprendizagem da turma e um maior entrosamento dos alunos com o mediador e maior interesse nas aulas de Língua Portuguesa. O resultado foi interessante e proveitoso.

3.2 UMA REFLEXÃO SOBRE O CORDEL EM SEU AMPLO CONTEXTO E A EXPARIÊNCIA COM OS ALUNOS DA ESCOLA DR. ALBANO FRANCO

Para melhor entender e visualizar os versos de cordel apresenta-se aqui um trecho da obra de um dos maiores cordelistas nordestino do Brasil, Patativa do Assaré, retirados de Feitosa (2006, p. 125).

Prefeitura Sem Prefeito

Nessa vida atroz e dura

Tudo pode acontecer

Muito breve há de se ver

Prefeito sem prefeitura;

Vejo que alguém me censura

E não fica satisfeito

Porém, eu ando sem jeito,

Sem esperança e sem fé,

Por ver no meu Assaré

Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,

Nunca pude discernir

Se poderá existir

Prefeito sem prefeitura.

Porém, mesmo sem leitura,

Sem nenhum curso ter feito,

Eu conheço do direito

E sem lição de ninguém

Descobri onde é que tem

Prefeitura sem prefeito.

Ainda que alguém me diga

Que viu um mudo falando

Um elefante dançando

No lombo de uma formiga,

Não me causará intriga,

Escutarei com respeito,

Não mentiu este sujeito.

Muito mais barbaridade

É haver numa cidade

Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz

Que viu ferro dar azeite,

Um avestruz dando leite

E pedra criar raiz,

Ema apanhar de perdiz

Um rio fora do leito,

Um aleijão sem defeito

E um morto declarar guerra,

Porque vejo em minha terra

Prefeitura sem prefeito.

A seguir observa-se o cordel de Guilherme de Faria, escrito em 2008, no qual retrata a trajetória do romance do retorno:

Romance Do Retorno

1
Vigia doutor Raimundo
Muito ao longe aquela serra
Que azula fora da terra
Deste seu vale fecundo.

2
Ali é que tá o reino
Duro do meu sertão
Onde só caça sem treino
O carcará gavião.

3
Ali a pedra até chia
Sob esse sol inclemente
Para o ouvido potente
Dos sertanejos que havia...

4
Mas basta seguir o voar
Do carcará experiente
Pra vida ou morte encontrar
Nunca menos e... inté gente.
5
O peão que sabe olhar
Lê o chão e as entrelinhas
Como em livro de contar
Estórias de carochinhas...

20
Volto ali pro começo
E fico lidando então
No tear aonde teço
Minha teia de ilusão

21
Ouvindo a voz que me chama
Das estrelas sagradas
E o grito da sariama
Ecoando nas chapadas,
22
Onde só um olhar assim
De carcará feiticeiro,
Vigia o amplo terreiro,
Vigia o reino sem fim!

Os textos apresentados acima são mais uma prova de que através da livre expressão que essa literatura nos permite, podemos criticar humoristicamente os problemas que nos aflige. Foi esta a proposta apresentada aos alunos da turma trabalhada, de explorar a possibilidade de poder colocar no papel o que nos incomoda e saber que alguém apreciará esta obra. É um trabalho realmente desafiador, porém iniciar um trabalho diferente e inovador não é fácil, precisaremos de muita perseverança e acreditar que algumas barreiras podem ser vencidas

O fato dos alunos que participaram experiência serem da zona rural facilitou na escolha de alguns temas que foram trabalhados em sala de aula, como os temas sertanejos, os costumes da roça, o resgate de algumas histórias engraçadas de seus antepassados, entre outros. As questões que envolvem o Nordeste, suas raízes, quando relembradas de forma focada e com dinamismo traz certa nostalgia, uma saudade boa da nossa cultura, Câmera Cascudo relata bem isto em sua obra Vaqueiros e Cantadores, observe:

Conheci e vivi no sertão que era das "eras de setecentos"... Chuva vinha do céu e trovão era castigo. O sol se escondia no mar até o outro dia. Imperavam tabus de alimentação e os cardápios cheiravam a Brasil colonial. Mandava-se fazer uma roupa de casimira que durava toda a existência. Era para o casamento, para as grandes festas, para o dia da eleição, do casamento da filha e era-se enterrado com ela. As mães "deixavam" roupa paras as filhas. E elas usavam. Os hábitos ficavam os mesmos, de para filho. Calçava-se meia branca quando se tomava purgante de jalapa. Mordido de cobra não podia ouvir fala de mulher. Nome de menino era do "santo do dia". Os velhos tinham costumes inexplicáveis e venerandos. Tomavam banho ao sábado, davam a benção com os dedos unidos e quase todos sabiam dez palavras em latim (CASCUDO, 1984, p.16).

É natural que relembremos constantemente os acontecimentos da nossa gente, se não alcançamos a época, mas ficam os registros, muitas vezes orais, passando de geração em geração. O popular está ao nosso redor diariamente não dá para simplesmente menosprezar como algumas pessoas tentam fazer frequentemente por não ser considerado "culto", muito pelo contrário essa herança é uma das maiores riquezas que uma sociedade possui, e melhor, é gratuita, está nas ruas, está no povo.

Através da informalidade, vários professores sentem a necessidade de se trabalhar um contexto diferenciado, a quebra das regras muita das vezes quebra também um bloqueio que o aluno possui, o medo de errar constrange incessantemente.

No início foi solicitado aos alunos da Escola Dr. Albano Franco, Tomar do Geru, Sergipe que respondessem a um questionário contendo 20 questões de sondagem sobre o hábito de leitura dos mesmos e sua preferência pelos mais variados tipos de textos. Menos da metade tinham afinidades com o cordel e a outra parte teve variação nos diferentes gostos literários.

Em seguida, no decorrer de outra aula foi apresentado aos alunos o contexto histórico da Literatura de Cordel, sua origem, raízes, etc. Foi ressaltada a importância do Cordel aqui no Nordeste e sua expansão nesta região, além do contato com as obras de cordelistas famosos. Na sequência propomos uma experiência com a produção livre de um texto em forma de cordel com o tema escolhido pelo aluno. Observamos que jogo de rimas incentivou os alunos a produzirem com mais empenho e as aulas tornaram-se mais produtivas.

Na última etapa encorajamos os alunos da turma do 9º Ano a produzirem os textos para serem expostos na escola em seguida numa feira cultural que aconteceria no centro da cidade, não só textos como apresentações culturais. Os trabalhos foram de ótima qualidade, os alunos produziram em poucos dias textos de um semestre inteiro. A exposição foi rica e inusitada, os temas foram variados e chamou a atenção de muitos curiosos.

Com essa experiência percebemos que os alunos produziram espontaneamente, a oralidade e a escrita da turma melhoraram bastante nas aulas de Língua Portuguesa, pois os poemas além de escritos eram declamados em público desinibindo assim, os alunos gradativamente. A literatura é muito rica e diversificada, se nossos educandos tivessem essa consciência não seria tão difícil introduzir a produção textual frequentemente de maneira agradável nas aulas diárias. A leitura seja ela qual for tem o poder de expandir os horizontes dos leitores, o cidadão que possui o hábito da leitura é um privilegiado, pois ter o domínio de informação e o conhecimento necessário à demanda social, talvez poderá amenizar as conseqüências de uma realidade tão dura que é a falta de emprego e a de pessoal qualificado no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se neste artigo apresentar os resultados de uma pesquisa realizada com os alunos da turma do 9º Ano, da Escola Dr. Albano Franco em Tomar do Geru, Sergipe, no sentido de identificar métodos incentivadores da leitura e da escrita. Neste caso, a partir da Literatura de Cordel foi possível refletir sobre a prática diária dos educadores, a necessidade de se trabalhar uma temática inovadora, a ansiedade dos alunos diante das questões propostas, tudo isso levando em consideração que ao planejarmos ou analisarmos o Cordel e a possibilidade de inserí-lo nas aulas, abrirá um grande espaço para um trabalho em conjunto, envolvendo várias questões que abrangem a cultura popular.

Considerando a realidade das nossas escolas que é falta de estímulo para se trabalhar a cultura popular no seu planejamento, isto devido ao comportamento conservador e às vezes preconceituoso da própria sociedade em excluir de certa forma esse tema, podemos questionar o motivo de algumas manifestações culturais, expressões populares, inclusive o cordel não serem introduzidas no contexto escolar. O fato da sociedade ainda desvalorizar o "popular" e preocupar-se mais com os padrões cultos, influencia também no processo educativo.

Objetivou-se também é relatar essa experiência interdisciplinar com o uso da Literatura de Cordel em sala de aula, que por sua vez, surtiu efeitos positivos no comportamento dos alunos como: maior desenvoltura, melhor oralidade, mais habilidades linguísticas, isto aos que participaram da experiência.

Sendo assim, observou-se que a cultura popular juntamente com a literatura de cordel, podem e devem ser ingressadas na proposta curricular e fazer parte do cotidiano escolar dos alunos, pois é isto que eles vivenciam diariamente, tanto professor quanto aluno interagem e desfrutam das mesmas situações que envolvem termo "popular". Às vezes é preciso deixar a resistência de lado e buscar o novo sem ter medo do que possa a vir descobrir, a experiência poderá ser impressionante, mas o resultado com certeza será uma surpresa ainda maior, porém só descobriremos se ousarmos, assim se quebrará alguns "tabus" de medo e preconceitos que dificulta o processo de ensino-aprendizagem.

Por outro lado, ressalta-se que a educação é um direito de todos e a escola tem um papel social de através da sistematização do ensino inserir e preparar o educando para as práticas de socialização na sua vida cotidiana, no entanto não quer dizer que o ensino sistematizado seja somente o que a escola em si propõe, pois a escola é principalmente aluno e professor, portanto as experiências comuns vividas por ambos podem muito bem gerar várias vertentes para serem trabalhadas em conjunto na sala de aula e de forma sistematizada, o popular passa a ser tão importante quanto qualquer outro conteúdo programático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 2007.

CASCUDO, Luis da Camara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984.

CASCUDO, Luis da Camara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de janeiro: 1962.

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