Linhas gerais sobre a dissolução da sociedade conjugal e a ruptura do vínculo matrimonial.

Carla Michelle Carneiro – Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (escrito em agosto de 2005)

O divórcio foi instituído no Brasil, com a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, e regulamentado com a Lei n. 6515, de 26 de dezembro daquele mesmo ano. Já antes, em 1901, o instituto do divórcio foi discutido excepcionalmente em assembléia. Na pauta, havia questões sobre moral costumes e educação na organização das famílias.

Não faltaram argumentos contrários à admissão deste novo instituto, embora fosse reconhecida a tendência mundial para o divórcio. Em 1885, ano em que foi instituído o divórcio na França, eram 4700 casais divorciados; em 1911, o número ascendeu para 6374. Os dados foram apresentados na obra do jurista Clovis Bevilaqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado1.

Obra esta na qual o autor também se posiciona contrário à institucionalização do divórcio no Brasil. Justifica o seu posicionamento ao alegar que as uniões ilícitas dão causa tanto ao desquite, quanto ao divórcio, e, nem por isso, são institutos eficazes para evitá-las. Além disso, afirma ser, a indissolução do casamento, um poderoso freio para moderar o calor das emoções diante das querelas do casal e consolida a amizade entre os cônjuges (p.266).

A pertinência do seu posicionamento fica evidente nesse extrato:

"(...) o divórcio é um mal de proporções funestíssimas para a sociedade: perturba o desenvolvimento moral de muitos seres, prejudica o surto natural dos afetos, que tem na família o seu meio próprio, e prepara gerações inaptas para a vida normal, na família e na sociedade.

(...)

E, se a progressão continua, chegar-se-á, dentro de alguns anos, a um estado não distante das uniões passageiras, e da promiscuidade."(p. 267)

Na vigência da redação do art. 315, anterior à Emenda, o término da sociedade conjugal só se consente: I- com a morte de um dos cônjuges; II- a nulidade ou anulação do casamento; e III- pelo desquite amigável ou judicial. Não era aplicado, então, a possibilidade da presunção da morte em caso de ausência prolongada do cônjuge.

Somente com a nova redação, devido ao advento da Lei do Divórcio, n. 6515, foi substituído o terceiro inciso por dois novos, quais sejam: III- separação judicial; e IV- divórcio. Passa a ser admitida, no parágrafo único, a presunção de morte.

A sociedade conjugal é todo o conjunto de direitos e deveres que condiciona marido e mulher numa vida em comum alicerçada voluntariamente pelos elos de afeto. Pode vir a abranger as relações paterno-filiais, quando se torna uma sociedade doméstica. No entender de Limongi França2, a dissolução da sociedade conjugal significa

"O desfazimento da vida em comum, entre marido e mulher, por alguma das causas legais, de modo a extinguir ou modificar o respectivo complexo de direitos e obrigações, bem assim as relações paterno-materno-filiais."

É sabido que toda família apresenta um ciclo não linear de constituição, desenvolvimento e fragmentação. José Renato Nalini3 apresentou em seu artigo intitulado, A Família brasileira no século XXI, a descrição deste ciclo elaborada por Luiz Carlos Osório, assim resumida: constituição com o casamento; expansão com uma geração de filhos; dispersão ou quebra quando os filhos saem do lar; extinção com o falecimento dos pais; e substituição com a formação de novas famílias pela geração dos filhos.

Entretanto, a história peculiar de cada família designa a não linearidade deste ciclo, cuja finalidade é meramente esquemática. São muitos os fatores que promovem modificações significativas. A assinalar: divórcio e separação dos pais; morte prematura dos filhos vítimas de causas naturais, ou acidentais, ou de violência social; desenvolvimento de filhos órfãos ou de pais desconhecidos.

Com a separação ou o divórcio há o fenômeno da desagregação familiar. O autor Antônio Chaves, em Tratado de Direito Civil4, citando Henri, Leon e Jean Mazeaud, afirma ser a cessação do casamento, responsável pela dissolução familiar, desde que hajam rompido os cônjuges sem terem deixado filhos. Fala-se no fenômeno da desagregação familiar quando, da cessação, surgem duas famílias constituídas entre filhos e pais, antigos cônjuges.

Dessa forma, segundo Antônio Chaves (p. 123) a família tende à dissociação ou à desagregação basicamente por duas causas, uma natural e outra dita artificial. A primeira revela-se com a morte, ou a sua presunção, de um dos cônjuges; a segunda, com o rompimento pronunciado pelo juiz a pedido de um dos cônjuges, ou de ambos.

A retirada da perpetuidade do matrimônio deve-se à feição contratual do casamento institucionalizada na lei civil. Os romanos já consideravam o casamento um consortium omnis vitae muito embora respeitassem a dissolução dos casais. A indissolução não advém de qualquer testamento religioso, mas sim da compreensão cultural romana que percebia, no casamento, um contrato de natureza individual e social.

Compreendia-se, já a essa época, o respeito à vontade dos contraentes (cônjuges), porém a sociedade os submetia a preceitos que garantiam a sua segurança e tranqüilidade. O objetivo auferido era o de harmonizar a falta de limites gerada pelo exercício da liberdade individual e as necessidades sociais, ao impor-lhes limites em favor da manutenção do status quo gerado pela união matrimonial.

Pois bem, o fato da morte é uma evidência natural que gera a dissociação da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial, isto sempre posto como indiscutível. O cônjuge sobrevivente, se for mulher, deve respeitar o prazo legal, para não haver confusão na questão da descendência e resguardar o patrimônio dos filhos havidos no casamento anterior.

A admissão do instituto da presunção de morte gerada pela ausência prolongada foi expressa já no ano da aprovação da Lei n. 6515. Ausência é o estado de quem desapareceu do próprio domicílio, cujo paradeiro não se tem notícia. A teoria estabelecida na codificação civilista brasileira acolhe a morte presumida passado um certo período do desaparecimento. O problema passa por três etapas.

De início, nomeia-se curador provisório no intuito de preservar o patrimônio, o interesse dos herdeiros e a segurança do negócio jurídico. Quando as suposições de morte do ausente e de sua existência se equilibram, é declarada a ausência. Nesse ponto, é aberta a sucessão provisória, pois já há reclamado interesse do cônjuge presente, dos herdeiros, credores etc.

Num terceiro momento, patenteia-se a morte presumida, torna-se definitiva a sucessão e o cônjuge se vê liberado para contrair novo casamento. Mas, como se trata de ausência, não faz coisa julgada a sentença, para o cuidado do ausente aparecer.

A presunção da morte em virtude da ausência declarada pelo Poder Judiciário permite ao cônjuge presente convolar, pois, novas núpcias. É de inspiração alemã, na Lei de 20 de fevereiro de 1946 que revogou o art. 1348 do Código Civil daquele país.

A declaração de morte presumida realiza-se para qualquer ato futuro e não condiciona o restabelecimento do casamento anterior, para o caso de regresso do ausente de boa-fé. De modo que os ex-cônjuges devem constituir novo matrimônio se for impugnado o segundo matrimônio, muito embora os Códigos não admitam a nulidade da nova união do cônjuge devido à força da presunção antes disposta5. Reza a doutrina francesa desde 1723 que

"a incerteza da morte de um dos cônjuges não deve bastar para se contratar um novo casamento, mas, ela não deve ser suficiente tampouco para anular um casamento contratado (PLANIOL, Tratado Elementar)." (CHAVES, p.129, 130)

No entanto, alerta o autor Antônio Chaves, para quem "nas atuais circunstâncias de progresso nas comunicações é gravemente culpado, como regra geral, o desaparecido que não faz chegar notícias suas." (p.128)

A dissolução da sociedade conjugal NÃO extingue a dissolução do casamento. Esta refere-se à ruptura conubial com a morte de um dos cônjuges ou sua presunção, com a nulidade ou anulação do casamento, ou com o divórcio. Com a dissolução do casamento podem, os antigos contraentes, convolar novas núpcias. A dissolução da sociedade conjugal tem por fim ou por efeito (conforme a discussão doutrinária) desobrigar os cônjuges dos seus deveres recíprocos e da coabitação.

REFERÊNCIAS DAS CITAÇÕES

1 – BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 3o ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1928, v. II, p.267.

2 – FRANÇA, R. Limongi. Instituições de direito civil. 4o ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 311.

3 – Revista de Direito Privado, n. 1, jan/mar de 2000, SãoPaulo: Revista dos Tribunais. p.13.

4 – CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil: direito de família. 2o ed. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, v. 5, tomo II, p.122.

5 – GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Atualizador: Humberto Theodoro Júnior. 17o ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.147, 148.