Língua é cultura e cidadania

A língua é, sem dúvida, uma das mais importantes construções sociais, pois é a representação mais eficiente de uma dada cultura e, ao mesmo tempo, seu principal veículo. Além de mais um elemento de identificação dos diferentes grupos humanos, ela nos une ao ente abstrato denominado nação, fazendo-nos sentir a unidade fraterna do povo ao qual pertencemos.

A história nos mostra claramente esta importância. Os romanos, em sua expansão imperial, levavam junto à espada o latim a ser imposto ao povo dominado. Além de legitimar a dominação, a língua promoveu a absorção da cultura do dominador e, em conseqüência, a aceitação da condição de vencido. Os portugueses, quando invadiram o Brasil, tomaram igual medida: paralelamente ao lento extermínio, os curumins viram-se transformados em meninos e as cunhãs viraram mulheres (e não só para a satisfação sexual do branco, cristão e “civilizado” colonizador). As guerras modernas, cheias de precisão tecnológica como a do Iraque, escolhem alvos específicos (não por acaso as empresas de comunicação entre eles) numa explícita estratégia para desagregar e fragilizar o inimigo.

Mas, diante de tantas adversidades, prevalece a identidade local. Após a queda do império romano que sucumbiu ao bárbaro, o latim não resistiu à história. Os nativos absorveram-no e transformaram-no em ferramenta para expressar sua própria cultura: venceu a “alma” de Leão e Castela, da Gália, da Lusitânia... Nesse sentido, não há dificuldade alguma em identificar quando fala um português ou um brasileiro. Não só a entonação, mas também o léxico, a sintaxe, os valores, as percepções do mundo, as crenças, os mitos, tudo nos afasta consideravelmente, porque somos brasileiros e não portugueses!!! Mais recentemente, o que une sunitas e xiitas contra os americanos? O que os faz recusar o progresso, os dólares, a democracia e a modernidade americana? A resposta é a cultura! Apesar de suas rivalidades oriundas das diferenças religiosas, todos se sentem unidos pela pátria, pela língua, pela cultura. E isto os faz iraquianos.

Desta forma, pode-se perceber claramente que a língua representa para todos os povos não só a possibilidade de comunicação, de afirmação de sua etnia, de sua cultura, mas também permite reconhecerem-se, reconhecerem o outro e, quem sabe, aceitá-lo ou não como tal. Assim, a compreensão de mundo, a discussão de seus problemas, as leituras possíveis que daí advêm, como o reconhecimento ou desconhecimento da alteridade, só nos afirmam a importância e o caráter único desta construção eminentemente social: a língua.