LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIAS: O EFEITO CONFISCATÓRIO E A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 

Arthur Felipe Silva Sian[1] 

RESUMO: O Sistema Tributário Nacional cerca-se de percalços, mas a elevada carga tributária a qual enfrenta o contribuinte, leva a crer que o desrespeito para com sua capacidade econômica (conseqüente violação à capacidade contributiva), configurando-se, assim, o efeito confiscatório do tributo, ou da sanção fiscal imposta, vem sendo uma das maiores problemáticas atuais na seara Tributária. Talvez, porque não haja limitações objetivas impostas à configuração dos referidos princípios constitucionais, tanto ao campo que toca o tributo, como no espaço do Direito Tributário Sancionador, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência, tão somente, a resposta para a pergunta: Quando se inicia o efeito confiscatório do tributo ou da sanção fiscal? Resposta que esse ensaio visa a fornecer.

Palavras-chave: Limitações Tributárias;Confisco;Capacidade Contributiva.

1 INTRODUÇÃO

O Direito Tributário tem como escopo o curso das relações obrigacionais que abrangem o Estado e os que arcam – devedores principais ou responsáveis tributários – com o pagamento de tributos e pelo cumprimento das respectivas prestações acessórias, ou obrigações tidas como instrumentais.

A essa relação são postas normas de conduta que originam a chamada obrigação tributária. Não se cumprindo essa obrigação se dará ensejo a aplicação da norma sancionante tributária, que parte de um conceito de ato ilícito (desobediência à norma de conduta).

Partindo dessa relação conceitual inicial, consiste o presente trabalho em investigar pontos relevantes no que tange ao Sistema Tributário Nacional, em especial quanto à dosimetria das sanções fiscais, e da carga tributária, antevistas no ordenamento jurídico presente, e seus respectivos condicionantes principiológicos consagrados na Constituição Federal.

A verificação sobre a existência de limites quantitativos e qualitativos que devem ser seguidos tanto pelo aplicador do Direito quando no emprego dessas sanções também é marco do texto desenvolvido, tratando-se de tema de extrema importância e atualidade de contexto, já que é frequente nas doutrinas o debate acerca das chamadas sanções fiscais.

  Ir-se-á demonstrar como o tratamento jurídico destinado ao ato de lançamento tributário e ao ato de imposição de penalidade vem se refletindo – acertada ou erroneamente - no Direito Tributário, frente a observância que se faz necessária à relação jurídico-tributária do princípio (ou máxima) da capacidade contributiva.

Passando por temas como distribuição de renda como uma das vertentes a qual deve se lhe valer o tributo, da capacidade contributiva e o quantum em limitações fiscais, o presente trabalho tem como objetivo primordial, além da análise das sanções fiscais, abordar, à luz dos princípios constitucionais quais seriam os limites dessas sanções e do que se vale a própria obrigação tributária.

2  DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

 

  Como não poderia deixar de ser, a Constituição Federal de 1988 reconhece o poder de tributar do Estado e sua forte característica invasiva sobre o patrimônio privado e, sendo assim, estabelece limitações ao exercício do mesmo, tais quais se configuram como verdadeiras garantias mínimas de respeito aos direitos do contribuinte, fazendo, às vezes, inclusive, de uma codificação própria que proteja o contribuinte.[2]

  Como preleciona Eduardo Sabbag: “A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial tendente à percepção estatal do tributo.” (SABBAG. 2011. p. 54)

  A maior parte de tais limitações constitucionais tributárias se encontram em forma de princípios positivados principalmente nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição Federal de 1988, bem como em outros artigos os quais dispõem sobre imunidades, ou seja, o que significa dizer que tanto princípios quanto imunidades configuram verdadeiras limitações ao poder de tributar e, consequentemente, garantias fundamentais do contribuinte na relação jurídico-tributária.

 

2.1 Aspectos Gerais do Poder de Tributar e o Direito Tributário Sancionador

 

              Justamente para coibir o exercício arbitrário deste poder de tributar é que a Constituição Federal impôs limites, atribuindo-o tão somente aos entes federados, dotando-os, portanto, do que juridicamente se denomina competência tributária, que consiste na autorização constitucional dada ao ente político para instituir tributos em seu respectivo território – chamados tributos de competência ordinária.

  Não excluindo, obviamente, as demais espécies de competências, como a extraordinária e a residual, mas apenas não trazendo-as à foco, pois, não se faz necessário, tendo em vista que o assunto em tela permeia nos tributos oriundos da supracitada competência ordinária.

  Nesse ponto, revela-se outra faceta do poder de tributar, qual seja, o poder sancionador daqueles que detêm a competência tributária, que tem por função exatamente garantir que aqueles qualificados como sujeitos passivos, que realizam as hipóteses de incidência dos tributos previstos nas leis editadas com este fim, cumpram as obrigações tributárias principais ou acessórias.

          Diferentemente das obrigações oriundas do direito privado, a obrigação tributária é ex lege, o que significa dizer que, realizada a hipótese de incidência tributária expressamente estabelecida na lei (princípio da legalidade tributária[3]) instituidora do tributo, surge para o sujeito passivo o dever de cumpri-la.

              Diante o exposto, ensina Ricardo Lobo Torres que:

 

Chegou-se, assim, ao conceito de tributo como objeto de uma relação obrigacional criada por lei. O núcleo da definição passou a ser o vínculo obrigacional, pois a relação jurídica se firmava entre dois sujeitos – credor e devedor do tributo – que se subordinavam à lei em igualdade de condições. O tributo, portanto, tinha na lei a sua fonte ou causa, mas se definia principalmente em função do fato gerador que dava nascimento à obrigação tributária, nova estrela na constelação financeira (TORRES. 2011. p. 235)

  Portanto, e considerando o caráter ex lege das obrigações tributárias, como explanado acima, tem-se que o seu descumprimento configura a prática de uma infração, posto tratar-se da prática de um ato de fazer (abstenção) ilícito, demandando, por conseguinte, a aplicação de sanções.

  Para Hugo de Brito Machado, sanção:

é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir num castigo, numa penalidade a este cominada. (MACHADO. 2006. p. 488).

Dados os aspectos gerais, passa-se a aprofundar o tema e adentrar aos limites sancionatórios estipulados pelos próprios princípios, e neste próximo capítulo, em particular, o princípio da vedação ao tributo com efeito confiscatório, expressamente previsto no artigo 150, IV, da Constituição Federal de 1988, conforme transcrito: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV – utilizar tributo com efeito de confisco. (grifo nosso)     

 

2.2 Perspectivas acerca da vedação ao confisco

 

  Explanado brevemente no subtópico anterior e com a devida transcrição do artigo relacionado à positivação do princípio, cabe trazer o conceito dado por Ricardo Alexandre a salientar que:

(...) tributo com efeito confiscatório seria o tributo com incidência exagerada de forma que, absorvendo parcela considerável do patrimônio ou da renda produzida pelo particular. (ALEXANDRE. 2012. p. 118).

  O efeito confiscatório guarda relação direta com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e, sendo estes extrapolados pelo ente tributante, resta-se configurado o efeito confiscatório do tributo.

  Nesse diapasão, é válido trazer os ensinamentos de Paulo Roberto Coimbra da Silva a respeito do princípio da proporcionalidade:

 

Por sua própria nomenclatura, o princípio em foco carrega em seu bojo a idéia de medida certa, ponderação, contrabalanceamento, adequação e ajustamento demandadas pela prudência em atenção a diversas variáveis relevantes, merecedoras de consideração. Desempenha, pois, uma função moderadora, exercendo forte apelo ao sopesamento na determinação da adequada relação entre dois ou mais objetos ou sujeitos. (SILVA. 2007. p. 305).

 

  Por conseguinte, tratando especificamente da necessária observância do princípio da proporcionalidade na definição das sanções tributárias ou até mesmo da aplicação do mesmo aos tributos, Helenilson Cunha Pontes assevera:

 

O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento normativo constitucional por intermédio do qual se pode concretizar o controle dos excessos do legislador e das autoridades estatais em geral na definição concreta e abstrata das sanções. (PONTES. 2005. p. 14).

  É importante destacar que confisco e efeito confiscatório não se confundem, pois, que o primeiro constitui-se em tributo como punição, e o segundo, a seu turno, já foi bem elucidado pelas palavras trazidas dos ensinamentos de Ricardo Alexandre acima transcritos, o qual complementa seus dizeres a respeito de tais conceitos trazendo que: “as duas situações estão proibidas, a primeira (confisco) pela definição do tributo (CTN, art. 3º); a segunda (efeito confiscatório) pelo art. 150, IV, da CF/1988”. (ALEXANDRE. 2012. p. 118)

  A vedação ao efeito de confisco protege a sobrevivência econômica e financeira do cidadão, de modo a colocar a salvo da inviabilização pelo poder de tributar a livre-iniciativa, o exercício profissional empresarial e industrial e o desenvolvimento econômico, garantindo, assim, que o contribuinte não ficará integralmente dependente da vontade estatal.

  Pois bem da verdade, nem o pode, pois que a própria sanção quando aplicada em decorrência de ato ilícito tributário, traz o pressuposto de que esta não pode ser desproporcional ao ponto de chegar a inviabilizar o pagamento da obrigação principal (tributo) e nem mesmo servir como sanção política, como define Hugo de Brito Machado:

 

Correspondem às restrições  ou proibições impostas ao contribuinte como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de tributação; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros (MACHADO. 2008. p. 46/47).

 

  Ainda, segundo o Supremo Tribunal Federal, o princípio da vedação ao tributo com efeito confiscatório aplica-se também às multas[4], ainda que o texto constitucional não cristalize tal disposição, sabendo, por certo, que tanto o crédito advindo do próprio tributo quanto o advindo de multa, se confundem no ato constitutivo de cobrança do crédito tributário em sua totalidade.

  Tal ponto guarda divergência na doutrina, mormente, em face das distintas naturezas jurídicas do tributo e da multa, porém, como tal ponto não é o enfoque nessa pesquisa, esta atenderá ao posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal ora espojado para fim meramente didático.

 

2.2.1  Exceções constitucionais ao princípio do não confisco

 

  Diante de todo contorno traçado acerca do princípio da vedação ao efeito confiscatório atribuído ao tributo e à multa, há que se notar que nem mesmo tal vedação será absoluta, pois que a própria Constituição Federal de 1988 autoriza determinadas hipóteses para o uso do referido efeito.

  Como demonstrado, o mesmo garante com que o contribuinte esteja protegido do exercício do poder de tributar arbitrário e desproporcional, garantindo com que seu patrimônio e suas rendas não serão apropriadas – em sua totalidade ou em demasia – pelo Estado ao exercer o poder de tributar, restando-lhe preservada, com isso, a liberdade para empregá-los como bem lhe aprouver.

  Contudo, a doutrina aponta duas exceções (embora haja divergência também nesse ponto) as quais afetaram diretamente os direitos fundamentais de propriedade e liberdade do contribuinte.

  A primeira hipótese reside no dever de atender a função social da propriedade (artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal), sendo exigido do contribuinte que este em relação à sua propriedade, cumpra as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor da mesma, que por sua vez, constitui o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, sendo obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes (artigo 182, §1o e 2o, Constituição Federal).

  Com a expressa exigência constitucional, e sendo descumprida a função social da propriedade, faculta-se ao Município exigir do proprietário, aos termos de lei federal, o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado. Não satisfeita a exigência, o proprietário se sujeitará, sucessivamente, a uma violenta progressão de impostos referentes à propriedade em questão, e por consequência, o IPTU progressivo poderá levar, no decorrer do tempo, à desapropriação (artigo 182, §4o ).

  Dentro dessa corrente, encontra-se Ricardo Castilho que leciona:

 

É dizer: a liberdade de uso e fruição da propriedade, no ordenamento pátrio, não é irrestrita; deve ela se dar sob a luz da função social, por imperativo constitucional, não podendo a propriedade restar injustificadamente inaproveitada. Precisamente devido a esse conceito de função social trazido pelo constituinte originário, há, no próprio Texto Maior, diversos meios para induzir que o particular efetivamente faça uso do direito de propriedade. Um deles é a admissão de tributo com tal finalidade extrafiscal – o IPTU progressivo no tempo (CASTILHO. 2012. p. 37).

 

  Em curtas palavras, trata-se da progressividade com vistas ao incentivo do cumprimento da função social da propriedade, chegando à desapropriação, restando-se configurada a primeira hipótese autorizada constitucionalmente ao efeito confiscatório.[5]

  A segunda hipótese, sem dúvida, é a amplitude de qual a primeira faz parte, contudo, guarda em si a peculiaridade de ter seus efeitos dispostos pela Constituição Federal de 1988, ao contrário da segunda hipótese a qual quer se retratar, qual seja, a própria característica extrafiscal dos tributos.

  Ora, a extrafiscalidade como elemento de determinados tributos, constitui-se como o principal instrumento pelo qual o Poder Executivo, via de regra, por meio de um Decreto (exceção ao princípio da legalidade tributária), pode estimular ou desestimular uma atividade, sendo tal técnica comumente usada em tributos aduaneiros como o Imposto  de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE), bem como no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), dentre outros.

  Consolidando tal entendimento, Sacha Calmon Navarro Coelho expõe que:

 

(…) o princípio (extrafiscalidade), vê-se, cede o passo às políticas tributárias extrafísicas, mormente as expressamente previstas na Constituição. Quer dizer, onde o constituinte previu a exacerbação da tributação para induzir comportamentos desejados ou para inibir comportamentos indesejados, é vedada a arguição do princípio do não confisco tributário. (COELHO. 2003. p. 249). (grifo nosso)

 

  A proibição do efeito confiscatório, portanto, é postulado normativo que se aplica a todas as espécies tributárias, inclusive à multa, como entende o Supremo Tribunal Federal, e também às obrigações acessórias – de caráter comportamental e de teor não pecuniário. Valendo-se ressaltar que tais exceções, além de trazidas pela doutrina, estão expressamente dispostas no Texto Maior.

 

 

 

 

 

2.2.2  Análise dos limites tributários para consideração do efeito confiscatório

 

  Depois de analisados os contornos acerca do princípio da vedação ao confisco e de suas exceções constitucionais, chega-se a parte mais conflitante da matéria: a delimitação do que seria o efeito confiscatório.

  Nesse ponto, há que se notar uma grande lacuna, pois, muito se fala em efeito confiscatório, em sua conceituação, sua aplicabilidade, mas nada se tem traçado quanto ao reconhecimento de algum marco inicial ou limite para o mesmo, ou seja, 'a partir de quando começa haver o efeito confiscatório?'

  Não há sequer disposição legal em nosso ordenamento que se aproxime de traçar um marco inicial do efeito confiscatório nas relações jurídico-tributárias, deixando tal tarefa, exclusivamente, a cargo da jurisprudência na solução para cada caso.

  De toda forma, trata-se de uma “faca de dois gumes”, pois tal dualidade é benéfica por um lado, já que se permite que cada caso seja analisado diante de suas peculiaridades, permitindo com que a flexibilidade do conceito seja adequada ao caso concreto e seja reconhecida a melhor solução a ser adotada. Porém, é extremamente perigosa noutro giro, posto que, sem as limitações definidas, tais parâmetros guarnecem ao “livre arbítrio” do julgador, o que leva, em muitas vezes, à disparidade de decisões em casos análogos, o que é condenável e vedado constitucionalmente.

  Esclarecido que, a depender do tributo, e da grandeza econômica por ele alcançada, o percentual considerado “confiscatório” pode mudar, tem-se incrementada (pelo menos em duas vezes) a dificuldade em determinar esse percentual. Dificuldade, porém, que não impede a aplicação da norma em comento.

  Primeiro porque, conquanto imprecisos os limites, eles existem e poder ser discutidos em cada caso. Segundo, porque a dificuldade em determinar um limite nem sempre impede de se afirmar, com facilidade, que algumas situações estão claramente além dele. Pois, como apregoa Hugo de Brito Machado: “por maior que seja a zona cinzenta, é sempre possível identificar onde ainda é claramente branco, e onde já está seguramente o preto.” (MACHADO. 2012. p. 282)

  Argumentando nessa mesma linha de raciocínio, o Ministro Sepúlveda Pertence, no voto proferido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 551/RJ, esclareceu que essa dificuldade o recordara, no caso, o célebre acórdão do Ministro Aliomar Baleeiro, o primeiro no qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de um Decreto-Lei, por não se compreender no âmbito da segurança nacional. Dizia o Juiz desta Corte que ele:

 

(…) não sabia o que era segurança nacional; certamente sabia o que não era: assim, batom de mulher ou, o que era o caso, locação comercial. Também não sei a que altura um tributo ou uma multa se torna confiscatório; mais uma multa de duas vezes o valor do tributo, por mero retardamento de sua satisfação, ou de cinco vezes o caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório e desproporcional.[6]

 

  Muito válido, nesse ponto, trazer exemplo elucidado por Hugo de Brito Machado Segundo, o qual leciona:

 

É o caso de lembrar, aqui, o exemplo, usado, na crítica às teorias da justiça de cunho idealista, da sauna que começa a ficar muito quente, mas que tem o controle de sua temperatura situado do lado de fora. De uma pequena janela de vidro, as pessoas que estão dentro da sauna, já sufocadas pelo calor, pedem a outra, fora dela, que ajuste a potência, diminuindo-a. A pessoal do lado de fora, porém, recusa-se a atender ao pedido, afirmando que só reduzirá a temperatura no momento em que aqueles situados dentro da sauna definirem qual seria a temperatura ideal. (…) não é preciso saber com absoluta precisão a partir de quando um tributo passa a ser confiscatório para que se identifiquem casos situados claramente além dele. (SEGUNDO. 2012. p. 115)

 

  Já que não se tem um parâmetro certo para que se verifique a ocorrência inequívoca do efeito confiscatório, devem-se analisar, na relação jurídico-tributária, os pontos que claramente demonstram a desproporcionalidade do tributo ou da multa aplicável, devendo sempre se atentar para o princípio da aptidão contributiva (capacidade contributiva) do contribuinte (que será tratado no próximo capítulo), pois a verificação do efeito confiscatório somente pode se dar se esse princípio estiver sendo levado em consideração simultaneamente.

  Ainda na área conflituosa da matéria, aquém da delimitação, reside outra questão que deverá ser observada, referente às situações em que mais de um tributo onera um mesmo fato. A natureza confiscatória deveria ser aferida em face do ônus representado por cada tributo isoladamente ou tendo em vista o peso representado por eles, em conjunto?

  Hugo de Brito Machado Segundo explica a situação conflituosa exposta na pergunta formulada da seguinte forma: se por acaso se viesse a adotar a primeira tese e concluir-se que um tributo, por si só, pudesse configurar o efeito confiscatório ao contribuinte, levando-se em conta a capacidade contributiva, teria que: “a incidência de dois ou mais tributos sobre uma mesma operação não seria confiscatória se cada um deles, isoladamente, não o fosse, ainda que, somados, culminem em percentual excessivo”. (MACHADO. 2012. p. 116).

  De forma contrária, ao se considerar a carga tributária como um todo, composta ela por créditos tributários advindos de inúmeros espécies tributárias (bem como multas), o referido autor elucida acerca da segunda tese suscitada que: o efeito confiscatório seria aferido à luz da carga tributária global, o que parece mais razoável, mas suscita a questão de saber qual deles seria inconstitucional, já que nenhum, sozinho, o seria.

  Na visão do Supremo Tribunal Federal, já houve manifestação relativa à contribuição providenciária que, somada ao Imposto de Renda incidente sobre os proventos de aposentadoria, chegaria a um percentual superior a 40%, o que na ocasião, fez com que o Supremo Tribunal Federal se posicionasse a respeito do que seria confisco, relativamente à tributação da renda, como este o fez levando-se em conta a carga tributária global (ou seja, adotando, claramente, a segunda tese suscitada) – qual seja, a soma da contribuição previdenciária e o Imposto sobre a Renda (IR) -, e não cada tributo isoladamente.

  Faz-se necessário trazer importante – e didático – trecho de um julgado do Supremo Federal, que ensina:

 

(…) a identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante de múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. (STF, Pleno, ADInMC 2010/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30/09/1999, v.u., DJ de 12/04/2002, p. 51)

 

  Diante todo exposto, vê-se que o Supremo Tribunal Federal, mesmo diante de impertinente conflito doutrinário e jurisprudencial, mantém referido posicionamento sobre o tema, sendo evidente que respectivo Tribunal considera que o efeito confiscatório deve ser analisado em relação a carga tributária global que atinge ao contribuinte, o que realmente, parece ser mais razoável.

 

3 A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: DIREITOS HUMANOS E TRIBUTAÇÃO

 

  Como mencionado, não há que se falar em efeito confiscatório sem que a capacidade contributiva seja analisada previamente, pois enquanto o efeito confiscatório denuncia desproporcionalidade referente à carga tributária que recairá sobre o contribuinte, a capacidade contributiva é a via pela qual se busca a tributação isonômica e justa, promovendo não só a Justiça Fiscal como também a política de redistribuição de rendas a qual se propõe.

  Assim, quem detém melhores condições financeiras certamente irá contribuir com mais, como quem não as detém contribuirá com menos, e arrimado à isonomia tributária, é o que se busca por via da justiça fiscal.

  Em outras palavras, a capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distributiva, pois ordena que cada contribuinte pague o imposto (terminologia inadequada que será explicada posteriormente) de acordo com a sua riqueza,

(…) sendo atribuído conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuerre) e que se tornou uma das regras de ouro para se obter a verdadeira justiça distributiva. (TORRES. 2012. p. 93)

  Sendo assim, existirá igualdade no tributar cada qual de acordo com a sua capacidade contributiva, mas, essa tributação produzirá resultados desiguais por se desigualarem às capacidades contributivas individuais. Notadamente, sendo mais uma derivação da máxima da isonomia, qual seja tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade.

  É nesse diapasão que se encontra o posicionamento de Misabel Abreu Machado Derzi, ao lecionar que: “a capacidade contributiva e o princípio que veda o confisco estão, dados os seus conteúdos normativos, indissociavelmente atrelados, sendo este decorrência lógica daquela” (DERZI. 2004. p. 695).

  Aliás, é de suma importância fazer a análise do artigo 145 da Constituição Federal de 1988, em seu §1º, onde resta cristalino o princípio da capacidade contributiva:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

  Tanto doutrina como jurisprudência chamam a atenção para dois pontos importantes na disposição do artigo supramencionado.

  O primeiro ponto está na aplicabilidade do preceptivo, posto que, se fosse adotada a literalidade do mesmo, somente os impostos deveriam respeitar o princípio da capacidade contributiva, enquanto outras espécies tributárias não teriam de observá-lo.

  Embora haja vasta divergência por parte da doutrina e seja um tema um tanto quanto tortuoso, considera-se mais razoável o posicionamento de que há interpretação extensiva e, onde se lê “impostos”, deve-se ler “tributos”.

  Acompanhando-se, assim, o posicionamento preponderante na doutrina ao qual se perfilha que a capacidade contributiva não se restringe aos impostos, espraiando efeitos também sobre os demais tributos constitucionalmente previstos.

  Nesse diapasão, Werther Botelho Spagnol assevera que:

Não de se deve prevalecer, pois, a exegese oriunda de uma leitura apressada e superficial da norma inserta no art. 145, §1o, da Constituição Federal, que, ao se referir exclusivamente a impostos, não está a restringir a capacidade contributiva a essa espécie tributária, mas sim a atribuir à sua aplicação nesses casos, facetas específicas, relativas aos mandamentos da progressividade e da pessoalidade (SPAGNOL. 2004. p. 119)

  Como ilustrado (e como apregoado por grande parte dos tributaristas brasileiros), a capacidade contributiva, por recair sobre uma das mais importantes garantias do contribuinte, posto que não se ressalta somente a capacidade econômica do mesmo, mas, sim, toda a esfera global de condições, deve ser estendida a todos tributos e não só aos impostos, como demarca o dispositivo constitucional. Eis claro o primeiro ponto.

  É de se perceber a confusa expressão “sempre que possível” no início do dispositivo, denotando, a princípio, que a aplicabilidade do referido princípio seria uma faculdade e não uma imposição do legislador, o que implica erro.

  Reconhece-se na doutrina e na jurisprudência que cada espécie tributária detém suas peculiaridades técnicas, em especial, os impostos, que certamente, configuram a categoria a que, por excelência, se dirige o princípio da capacidade contributiva.

  Partindo-se desse pressuposto e por conta da referida técnica de aplicabilidade que cada tributo detém, não pode se cobrar que o princípio da capacidade contributiva se aplique a todas as espécies igualmente.

  Nesse caso, não se remete ao valor interpretativo da expressão supramencionada, qual seja o referente ao “quando der” ou “quando puder”, mas trata-se de uma expressão técnica, pela qual o princípio será regra e sempre será aplicado, respeitando-se as qualidades técnicas de cada imposto, ou seja, o princípio sempre será utilizado, mas, se fará de acordo com as possibilidades técnicas de cada imposto.

  O princípio da capacidade contributiva requer meios de exteriorização que são técnicas de incidência de alíquotas, variáveis ou não, perante base de cálculos. Tais técnicas se realizam pela: a) progressividade; b) proporcionalidade; c) seletividade.

  Ainda, pondera em seus dizeres, Sacha Calmon Navarro Coelho, que a capacidade contributiva se revela em:

duas almas éticas, nuclearmente situadas no Estado de Direito, das quais se podem extrair os seus principais desideratos: (a) afirmar (…) a supremacia do ser humano e de suas organizações em face o poder de tributar do Estado; e (b) obrigar os Poderes do Estado (…) a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática da capacidade contributiva e de suas técnicas (COELHO. 1993. p. 87)

  Ao que pese, o princípio da capacidade contributiva deve ser considerado em sua maior aptidão a concretizar o princípio da igualdade, no qual, como visto, ela encontra fundamento.

  Em termos práticos, há que se levar em consideração que a capacidade contributiva é aferida em dois momentos: em primeiro, atua negativamente, delimitando-se o ponto a partir do qual se iniciará a capacidade econômica[7] de contribuir, já que o poder impositivo deve atuar a partir de uma renda mínima, fixando-se, ao mesmo tempo, o teto máximo da capacidade contributiva (que é o ponto a partir do qual o tributo torna-se confiscatório); em um segundo momento, agindo-se positivamente, pois que se gradua a incidência, buscando apreender as reais capacidades econômicas do tributo.

 

3.1 Breves contornos acerca das técnicas de aplicabilidade da capacidade contributiva


           Como dito, “sempre que possível”, a capacidade contributiva dará contornos à relação jurídico-tributária e essa se fará presente por três diferentes técnicas de cálculo na aplicação das alíquotas em relação às bases de cálculo.

  Tal referência à “possibilidade” já aparecia em Adam Smith, e como noticia Ricardo Lobo Torres, tal “ressalva constitucional tem dois objetivos principais: a) adequar o princípio da capacidade contributiva à natureza do imposto e à técnica de sua incidência; b) compatibilizar esse princípio de justiça com a extrafiscalidade.” (TORRES. 2012. p. 96)

  Adentrando aos critérios, ou, como denomina o autor supramencionado, subprincípios, fala-se, em primeiro plano, de progressividade, que “significa que o imposto deve ser cobrado por alíquotas maiores na medida em que se alargar a base de cálculo.” (TORRES. 2012. p. 94)

  É dizer “as alíquotas são variáveis (diferenciadas),” e tal técnica prediz que as alíquotas variem perante a base de cálculo. São exemplos de impostos progressivos, e que detém de expressa previsão constitucional, o Imposto de Renda (IR – artigo 153, §2o, I, Constituição Federal), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU – artigo 156, §1o, II e I, Constituição Federal) e o Imposto Territorial Rural (ITR – artigo 153, §4o, I, CF).

  Nota-se que o único imposto progressivo não federal é o IPTU, e quanto à sua progressividade (tópico 2.2.2.), pode se buscar o adequado uso da propriedade territorial urbana (função social), bem como no ITR se encontra a progressividade com a finalidade de que se evite ou desestimule a improdutividade do território rural (ausentismo).

  Quanto à proporcionalidade, Ricardo Lobo Torres traz que

indica que o imposto incide sempre pelas mesmas alíquotas, independente do valor da base de cálculo, o que produzirá maior receita na medida em que o bem valer mais (…) pode ser aplicado a todos os tributos não sujeitos aos princípios da progressividade e da personalização. (TORRES. 2012. p. 94)

  Na proporcionalidade, as alíquotas são fixas e tal técnica não é explicitada pela Constituição Federal, o que leva ao equívoco em dizer que o imposto proporcional será o imposto não progressivo.

  Existem impostos que não comportam a técnica da progressividade por sua própria natureza, dessa forma, usa-se a técnica da proporcionalidade, ainda que não seja a melhor opção e prova incontestável disso é a proporcionalidade sendo aplicada ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS).

  A seletividade, a seu turno, como aponta Ricardo Lobo Torres:

aponta para a incidência na razão inversa da essencialidade do consumo. Representa um elemento de personalização agregado a um tributo que originalmente se definiria como imposto real. (TORRES. 2012. p. 95)

  Trata-se de uma técnica que fixa critério que não são os de progressividade ou proporcionalidade, ou seja, por essa técnica as alíquotas variam na razão inversa da essencialidade do bem. Quanto maior for a essencialidade do bem, menor será a carga tributária advinda desse tributo.

  A busca da justiça fiscal se concretiza de modo que, aquele que procura pelo bem supérfluo, mais será onerado a titulo de tributo, pois que por tal lógica, quem adquiri o bem supérfluo maior demonstra capacidade econômica, ou seja, aptidão para contribuir mais.

  São exemplos de impostos seletivos, o ICMS (aplicação facultativa) e o IPI (aplicação obrigatória), sendo que sua seletividade elimina os efeitos colaterais provocados pela técnica da proporcionalidade, como nota-se no que se denomina de contexto de regressividade do sistema.

  Como a carga tributária brasileira desloca-se com força predominante sobre o consumo, acaba provocando a regressividade do sistema, pois quem ganha mais, paga menos, e quem ganha menos, acaba pagando mais – pois é evidente que tanto os mais favorecidos como os menos favorecidos consomem.

 

3.2 Das limitações às sanções fiscais sob o prisma da capacidade econômica dos contribuintes (capacidade contributiva) e do efeito confiscatório

 

  A abordagem – tanto a respeito do efeito confiscatório do tributo, como, também, da capacidade contributiva e seus instrumentos de aplicação – deve, em caráter póstumo, atentar para a configuração também ao que pertine às sanções fiscais, posto que já se tratou do tributo que, conceituado pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional, não constitui “sanção por ato ilícito”, evidenciando a distinta natureza de tributo e sanção fiscal. 

  Está nesse ponto o grande equívoco terminológico encontrado em muitas obras a respeito do então Direito Tributário Penal.

  Ora, a sanção fiscal não se confunde em nenhum ponto com a sanção penal. As sanções tributárias encontradas na legislação pátria possuem natureza específica, isto é, a tributária, e não natureza distinta, o que muitos autores erroneamente sustentam.

  Referido fato pode ser melhor elucidado partindo-se do pressuposto de que as sanções fiscais resguardam origem no ius tributandi de cada ente político, posto que decorrem diretamente desse poder, e não do denominado ius puniendi. Assim sendo, estão jungidas às denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre as quais se encontram o princípio da capacidade contributiva e o princípio da vedação ao efeito confiscatório. Sendo assim, “a terminologia mais adequada a ser adotada seria Direito Tributário Sancionador”. (SILVA. 2012. p. 69)

  Dessa forma, o Direito Tributário Sancionador tem por objeto de estudo, principalmente, as sanções impostas pelo descumprimento de obrigações tributárias, e assim sendo, diante de todas elucidações feitas, resta-se cristalino que tanto a capacidade contributiva quanto o efeito confiscatório podem, e devem, incidir não só sob os tributos, mas, precipuamente, às sanções fiscais como limitações à forma como se aplicam, e também, esclarecido que as mesmas não decorrem do ius puniendi Estatal, não podendo, assim, se furtar aos princípios constitucionais tributários.

  Válido trazer o ensinamento de Paulo Roberto Coimbra da Silva que – não obstante possuir obras com o título “Direito Tributário Sancionador”, deixando clara sua aversão à expressão Direito Tributário Penal, como se sustentou nessa pesquisa – faz uma criteriosa advertência:

(…) a incidência normativa ora sustentada não tem condão de afetar ou extirpar a feição punitiva das multas fiscais, eis que, não há incompatibilidade com o primado da capacidade contributiva. (COIMBRA. 2007. p. 157)

(…) concluí-se, sem dúvida alguma, que sujeitam-se, na fixação de seu quantum, aos princípios que limitam o ius tributandi do Estado, tais como o que veda o (efeito de) confisco e o que determinada o respeito à capacidade contributiva. (COIMBRA. 2007. p. 237-238)

  Como limitação ao poder impositivo dos entes tributantes, isto é, o poder de tributar, a capacidade contributiva atém seus efeitos a qualquer tipo de manifestação deste, seja por via da manifestação deste no ato de instituir tributos de sua competência, seja no ato de aplicar penalidades pecuniárias de natureza tributária (sanção fiscal).

  Dessa forma, é compreendido que não se faz porque o pode fazê-lo, mas, porque o deve, já que a obrigação em sua aplicabilidade é de limitar o exercício das competências legislativo-tributárias e garantir a plena efetivação dos primados da igualdade tributária e da justiça fiscal.

  Sendo assim, o referido princípio da capacidade contributiva, nesse caso, atuará como verdadeiro limite quantitativo à imposição de sanções, visto que estará efetivamente impedindo que a atividade sancionatória estatal tenha efeitos confiscatórios (o que decorre, como visto, da observância da aplicação da capacidade contributiva), sendo certo que a capacidade econômica (demonstração de riqueza pelo contribuinte) haverá de ser sempre observada.

              Nesse sentido, leciona Zelmo Denari:

Por outra, se o legislador ordinário pode livremente instituir infrações materiais ou formais em qualquer nível do governo, não se lhe é dado desmedir-se na fixação das respectivas penalidades pecuniárias, pois estas, nos casos de infrações materiais, deverão passar pelo leito de Procusto da razoabilidade e da capacidade contributiva, e nos casos de infrações formais pelo crivo do não-confisco. (DENARI. 2006. p. 91)

  Jurisprudencialmente, é muito difícil se ter notícia de que houve manifestações expressas e reiteradas no sentido de que o princípio da capacidade contributiva serviu como fundamentação para declaração de inconstitucionalidade de penalidades de cunho fiscal, ou quando menos, a redução do seu quantum.

  Contanto, merece primoroso destaque a decisão oriunda do Supremo Tribunal Federal, em que o princípio da capacidade contributiva foi invocado para se aferir a razoabilidade e o abuso de uma multa fiscal aplicada. Na ocasião, porém, ainda que a penalidade tenha sido considerada legítima, admitiu-se que o princípio da capacidade contributiva consiste, sim, em limites de imposição às sanções. (RE n. 239.964/RS, DJU de 09/05/03).

  Diante do crescente número de estudos sobre o tema, caminha-se para que limites objetivos sejam traçados a despeito da conformação da capacidade contributiva e da verificação do efeito confiscatório tanto no tributo quanto nas sanções fiscais.

  Solução que trará maior segurança jurídica e dará uniformidade à jurisprudência que tanto diverge sobre a matéria, causando disparidade imensa em torno de casos análogos.

  O princípio da capacidade contributiva e o princípio da vedação do tributo com efeito de confisco chegam ao ápice de sua discussão, pois, em um primeiro momento, muito se debateu acerca de sua aplicação e a quais espécies tributárias o mesmo se aplicaria, pois, como demonstrado, o texto constitucional é impreciso à realidade fiscal.

  Em um segundo momento, tentou-se demonstrar, e ainda há divergências acerca desse ponto, que referidas limitações constitucionais não deveriam se ater somente aos tributos, mas também às sanções fiscais. Consequentemente, chega-se ao momento atual em que se discute o momento exato em que se configura o desrespeito (ou a inobservância) da capacidade contributiva e o marco inicial do efeito confiscatório – verdadeiras limitações ao poder de tributar do Estado.

  Diante de todo o exposto e conforme a capacidade contributiva, deve se pressupor a observância primordial ao exercício das atividades de instituir e aplicar a legislação tributária, tendo a mesma o dever de não faltar com respeito ao mínimo existencial, à condição econômica individual assim como à familiar do sujeito passivo (contribuinte ou responsável).

  Posteriormente a essa análise, poder-se-á verificar a graduação do gravame de exigência fiscal que reconhece os limites máximos além dos quais se passa a ter tributação claramente confiscatória.

   Salienta Alfredo Augusto Becker:

Deve-se, portanto, por reverência a este princípio, observa-se a partir de que ponto inicia-se a capacidade econômica de contribuir, graduar-se devidamente o gravame tributário, além de se respeitar o teto máximo cuja transposição acarreta o confisco. (BECKER. 2010. p. 550)

  É de se notar, contudo, que, embora se imagine que com a delimitação de limites objetivos e facilitadores da tarefa de se verificar o efeito confiscatório do tributo e o quantum é necessário, para se afirmar que a capacidade contributiva não foi respeitada, passar ao estágio de inexistência de flexibilidade nas relações jurídico-tributárias.

  Ao mesmo tempo em que o legislador impõe limites objetivos, a graduação deixa de ser uma interpretação lógica (seja autêntica ou falsa) ao caso concreto e passa a ter um molde como solução para todos os casos.

  Poderia se tomar, por exemplo, a hipotética fixação de uma porcentagem sobre a renda pessoal para que se possa atribuir o efeito confiscatório a um determinado encargo tributário, o que, a primeiro momento, muito se assemelha ao que faz o Imposto de Renda (IR), porém, não se pode esquecer de que, nesse caso, trata-se da incidência de somente um tributo sobre a renda, e que sobre o mesmo sujeito passivo ainda poderá haver incidências tributárias advindas de outros tributos.

  Deve-se lembrar que tanto a capacidade contributiva como o efeito confiscatório devem ser aferidos pela carga tributária global incidente sobre o contribuinte e não a um tributo isoladamente, visto que esse é o posicionamento atual adotado pelo Supremo Tribunal Federal, como já demonstrado.

  Somente resta aguardar pela solução de referida divergência, posto que talvez a perda da flexibilidade para se aplicar a interpretação dos princípios ao caso concreto, seja a nova problemática em evidência. Pois, se não se há posicionamento sobre qual a finalidade perquirida pelo legislador, qual seja, manter a flexibilidade dos princípios ou engessar os mesmos.

 

 

 

3 CONCLUSÃO

Conclui-se desse ensaio que o Direito Tributário, assim como dados outros ramos da Ciência Jurídica são permeados pelos efeitos inexoráveis dos Direitos Fundamentais e que, ainda assim, esses precisam garantir sua aplicação por meio de uma prestação compulsória – tributo – como meio pelo qual as mesmas são custeadas.

  Assim sendo, e aquém aos percalços, quanto ao Estado, ao que cabe a sujeição ativa na relação jurídico-tributária, caberá o cuidado com as receitas e também o respeito aos limites constitucionais impostos, ou seja, princípios e imunidades.

  O princípio da vedação ao efeito confiscatório guarda íntima relação com a capacidade contributiva, e ao que se pode dizer, sendo um ao outro, condição de atualidade, pois que não há que se falar em graduação do tributo ou da sanção imposta, sem que se observe os referidos princípios, sendo sua observância verdadeiras obrigações e não faculdades, como pode se interpretar em uma leitura equivocada do dispositivo constitucional pertinente.

  Contudo, ainda não há limitação objetiva traçada para a aplicação de ambos e, assim sendo, jurisprudência e doutrina travam ampla divergência a respeito do tema, ficando a cargo do legislador presente/futuro pensar em como se abordará o tema.

  Para tanto, à conformidade da capacidade contributiva, jamais poderá furtar-se de pressupor a observância primordial, enquanto postulante ao legislador e ao aplicador, que não se leve em consideração o mínimo existêncial, as condições econômicas individuais e familiares do contribuinte, assim como não torne-o inapto à atividade profissional.

  Diante o exposto, não há que se falar em engessar, ou seja, atribuir marcos circunstanciais rígidos a um conceito que, por natureza principiológica, é amplo e flexível, e assim sendo, também não cabe ao aplicador tanto quanto ao legislador, permitirem que a disparidade entre a aplicação e a interpretação dos conceitos sejam cada vez maiores.

  Para tanto, seria interessante a atribuição de novas condições legais à valoração dos mesmos, tornando-os um fim a se alcançar por meio de determinados pressupostos a serem observados na instituição e na aplicação de medidas tributárias, como por exemplos, os já citados: condição econômica individual, condição familiar, condição profissional, mínimo existencial etc.

  Ainda que se fixassem marcos circunstanciais por meio de instrumentos normativos, pelos quais, fosse possível retirar a flexibilidade dos conceitos dos referidos princípios tratados nesse ensaio, ainda assim, não se chegaria a uma solução ideal.

  Há de se propor, para não se começar por onde se deveria terminar que, a solução deve começar por políticas e políticos competentes, contudo, tal preceptivo é questão criteriosa, e íntima, pertinente ao caráter, e não guarda relação com legislacões corretivas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agência Câmara de Notícias: http://www.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/administracaopublica/439827-trabalh-aprova-criacao-do-codigo-de-defesa-do-contribuinte.html. Visualizado em 17/04/2013.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2012.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Editora Noeses, 2010.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

CASTILHO, Ricardo. Liberdade e propriedade como limites internos ao Poder de Tributar. São Paulo: Campus Jurídico, 2012.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.

DENARI, Zelmo. Breves Considerações à Margem da Capacidade Contributiva. Revista Dialética Vol. 124. São Paulo: Dialética, 2006.

DERZI, Misabel Abreu Machado (coord.). Construindo o direito tributário na constituição. 8. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004.

MEYER-PFLUG, Samantha R.; NEVES, Mariana B. Baeta. A Proteção dos Direitos Fundamentais em face dos principais tributos. 1. ed. São Paulo: Campus Jurídico, 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Sanções Políticas no Direito Tributário. Revista Dialética. Vol. 30. São Paulo: Editora Dialética, 2008.

MARTINS, Ives Gandra Martins. Direito Tributário e Direitos Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Campus Jurídico, 2012.

PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. 10. ed. São Paulo: Editora Dialética, 2000.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Confisco, Mínimo Existencial e Isonomia. 1. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

SPAGNOL, Werther Botelho. Curso de Direito Tributário. 3. ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18. Ed. São Paulo: Editora Renovar, 2011.


[1]  Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Autor e Coautor em diversos artigos nas áreas de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Eleitoral e Teoria do Estado. Ex-Professor de Cursos de Extensão em Prática Tributária do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

[2] No dia 17 de abril de 2013 a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou proposta que institui o Código de Defesa do Contribuinte. A medida também cria o Conselho Federal de Defesa do Contribuinte (Codecon), que será composto paritariamente por representantes do Poder Público e de entidades empresariais e de classe. O texto aprovado é o substitutivo da relatora, deputada Gorete Pereira (PR-CE), ao Projeto de Lei 2557/11, do deputado Laercio Oliveira (PR-SE). A projeto, que tramita em caráter conclusivo, ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Fonte: Agência Câmara de Notícias: http://www.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/439827-TRABALHO-APROVA-CRIACAO-DO-CODIGO-DE-DEFESA-DO-CONTRIBUINTE.html)

[3] Art. 97, Código Tributário Nacional: Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos ou sua extinção;

[4] Ação Direta de Inconstitucionalidade. §§2o e 3o do art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Fixação de Valores Mínimos para Multas pelo Não Recolhimento de Sonegação de Tributos Estaduais. Violação ao Inciso IV do art. 150 da Carta da República. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.” (STF – ADI 551, Relator: min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2002, DJ 14/02/2003 PP-00058 Ement Vol-02098-01 PP-0039).

[5] Há quem entenda de forma diversa, pois que Luiz Felipe Silveira Difini, em Proibição de tributos com efeito de confisco, p. 161, dispõe: “(...) mesmo que a propriedade não cumpra sua função social, não pode o Poder público tomá-la sem qualquer indenização (…). Não pode, vale dizer, confiscar a propriedade que não atenda à função social. Se não pode fazer pela via direta, também não pode via indireta, exigindo tributo (mesmo sob justificativa de finalidade extrafiscal) em montante tal que, em alguns anos, leve a absorção da propriedade sem indenização.”

[6] Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 24/10/2002, v.u., DJ de 14/02.2003, p. 58.

[7] Para muitos autores, capacidade contributiva e capacidade econômica acabam por se confundir, sendo assim, usadas como sinônimos. Porém, para outros tantos, tais expressões não se confundem, e nos dizeres de Marco Túlio Fernandas Ibraim em A Conformação das Sanções Fiscais pela Observância da Capacidade Econômica dos Contribuintes: Análise segundo o princípio da Capacidade Contributiva, tem-se que a capacidade econômica corresponde ao potencial global do contribuinte, manifestar por fatos indicativos de riqueza (renda líquida e o patrimônio líquido, por exemplo), e que esse seria o primeiro estágio na direção da capacidade contributiva propriamente dita, que é a consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte, se pessoa física, e a dedução de todos os gastos e elementos passivos que influem na sua situação econômica (do contribuinte), se pessoa jurídica. (Quartier Latin: São Paulo. 2012. p. 664)